2009

A sabedoria é uma atitude

por Marcelo Perine

Resumo

Discorrer sobre a virtude em tempos que já foram diagnosticados como niilistas só não é mais perigoso do que, nesses tempos, tentar viver de forma virtuosa. Falar de sabedoria numa época em que as palavras não significam mais as mesmas coisas para todos é correr um risco ainda maior do que o do médico acusado por um cozinheiro e julgado por um tribunal de crianças.

Nas etapas formadoras da tradição cultural do Ocidente a tábua das virtudes (e dos vícios) pretendeu traduzir a imagem do ser humano a ser louvada (ou condenada) e imitada (ou rejeitada) pelos que se reconheciam como herdeiros daquela imagem e, de algum modo, responsáveis pela sua transmissão. Assim foi com as virtudes heroicas na Grécia arcaica e com as virtudes cívicas no período clássico, às quais se somaram as virtudes teologais no período medieval.

O modo de conceber a excelência humana foi profundamente transformado com a revolução dos tempos modernos, ao ver deslocado para o indivíduo autônomo o centro gerador dos bens e dos valores que definem e orientam a sua vida. E os tempos pós- modernos conheceram a substituição das imagens universais por uma concepção “pluriversal” do ser humano, como centro irradiador dos vetores que desenham seu lugar nas diferentes regiões da realidade, objeto do seu conhecimento e da sua ação.

Diante desse estado de coisas, é ocioso pretender resgatar um conceito de excelência humana — a virtude não é mais que isso —, que traduza a bela totalidade ética dos velhos bons tempos, que só são bons porque não são os nossos. Igualmente vã é a tentativa de falar de uma sabedoria, teórica ou prática, irrealizável por ser ideal ou pela simples falta de quem a deseje, procure e pratique. Nesse ponto, permanece válido o antigo ensinamento de Aristóteles: situar um bem, qualquer que ele seja, além da escala concreta dos bens humanos temporalmente realizáveis é privar a palavra bem da única maneira que ela tem de se justificar.

Se é preciso de novo falar de moral, se palavras como virtude e sabedoria podem ainda ter algum sentido para nós, que somos pós-antigos, então é preciso repensar antigos conceitos como excelência, hábito, vida boa e prudência, no âmbito de uma concepção da vida humana que não apenas não torne insensato o passado que herdamos, mas que seja compreensível e realizável no nosso presente e aponte para desdobramentos consequentes em nosso futuro imediato.

Para quem quiser de novo falar de moral o desafio está em formular um conceito de virtude em termos de práticas humanas cooperativas, socialmente estabelecidas, pelas quais se realizem os bens internos envolvidos nessas práticas, bens que as definem parcialmente e de cuja realização decorre uma ampliação da capacidade humana de viver uma vida boa. Essa posição a respeito das virtudes supõe que se adote uma compreensão da sociabilidade e do caráter narrativo da vida humana, capaz de estabelecer o entendimento comum sobre o que é a vida boa para o ser humano.

A sabedoria poderá surgir no interior dessa concepção da vida humana como a capacidade tanto de compreender o sentido das ações humanas como de viver uma atitude que traduza a sua presença. A vida na presença do sentido se concretiza numa atitude compreendida e de compreensão, que reconhece o sentido presente nas ações passadas, que vive o aqui e o agora em vista do sentido que ela se deu e ao qual se deu, e que põe ao alcance das mãos os fins que realmente importam para uma vida boa. Ser sábio será, então, saber o que importa e manter-se fiel a isso sem confusão.


Formação de um ideal de sabedoria

Nas duas grandes tradições que forjaram a tradição cultural do Ocidente — o judaísmo e o helenismo podemos encontrar as raízes do ideal de sabedoria e de sábio que se tornou dominante em nosso mundo, pelo menos até o momento em que Nietzsche diagnosticou o niilismo como a lógica da história ocidental.[1] É a partir dessas raízes judaicas e helênicas que pretendo repropor uma ideia de sabedoria e de sábio que faça as contas com o espírito do nosso tempo.

Sabedoria e sábios em Israel[2] é o título de um precioso estudo de José Vílches Líndez, e dele me sirvo para sumariar a concepção de sabedoria e de sábio que provém de uma das raízes de nossa cultura. Ao contrário da concepção atual, que tende a ver no sábio um erudito de conhecimentos amplos ou um especialista em algum ramo do saber, no Oriente Médio antigo a raiz da palavra que se pode traduzir por sábio, como adjetivo ou como substantivo, indica originalmente uma habilidade, uma perícia ou destreza manual, na relação com os objetos para a realização de suas tarefas habituais, que identifica o sábio com o artífice, o artista e o artesão. Próximo desse primeiro sentido, a sabedoria aparece também, por um lado, como a sagacidade, o engenho e o talento, qualidades que enobrecem o seu possuidor no âmbito das relações interpessoais e, por outro, como um saber acumulado, uma ciência ou uma doutrina cuja origem está na experiência pessoal ou comum e dirige-se a ordenar a vida individual e comunitária. Num terceiro âmbito, a sabedoria é contada entre as qualidades, como a perspicácia, a valentia e a decisão, assim como a prudência e a sensatez, que adornam o rei ideal. Finalmente, a sabedoria apresenta-se como um atributo essencialmente divino, tal como a onipotência e a misericórdia, presente desde o começo da criação, como se lê nos Provérbios: “O Senhor engendrou-me primícia de sua ação, prelúdio de suas obras antigas. Desde sempre fui consagrada, desde as origens, desde os primórdios da terra”?[3] A mais perfeita imagem desse atributo divino é a Lei do Senhor, que será o objeto privilegiado da meditação dos sábios em Israel e a fonte principal de toda a sua sabedoria.

Na outra vertente da nossa formação cultural, o ideal do sábio, que veremos consolidar-se na figura do filósofo estoico,[4] afunda suas raízes na tradição poética do período arcaico, assim como na tradição dos Sete Sábios e nas primeiras tentativas de transmitir as observações e as teorias — sobre a natureza e sobre os homens — em escritos em prosa, como ocorre pela primeira vez com Anaxi-mandro, contemporâneo um pouco mais jovem de Tales e, como ele, cidadão de Mileto.[5] Antes que Aristóteles consagrasse no vocabulário filosófico a nítida distinção entre sabedoria (phronesis) e sapiência (sophia), correspondendo, respectivamente, ao sábio (phronimos) e ao filósofo (philosophos), a sabedoria foi vivida e compreendida como um conhecimento eficiente do bem, ou seja, ao mesmo tempo prático e teórico, identificado por Sócrates com a virtude da vida humana.[6] Em sintonia com sua história pré-filosófica, o conceito de sábio é portador de intensa carga moral, traduzida na atitude do “nada em demasia” (meden agan) e no saber das “coisas humanas” (ta anthropina), que é, acima de tudo, um saber sobre si mesmo.[7] Para as filosofias da era helenística inverte-se a distinção aristotélica que situava a sapiência e o filósofo acima da sabedoria e do sábio, de modo que a phronesis volta a ser compreendida como suprema virtude e o phronimos/sophos como a perfeita realização da arte de viver. No ocaso da filosofia antiga, com as escolas da era imperial, opera-se um novo resgate da concepção aristotélica, revestindo-a, porém, de aspectos místico-religiosos, que levam o sábio a transcender a dimensão humana para viver o ideal de unidade com o divino.[8]

Uma fusão de horizontes

A partir da síntese entre judaísmo e helenismo, operada no primeiro século da nossa era pela filosofia mosaica de Filo de Alexandria,[9] essas duas tradições culturais serão submetidas a um laborioso processo de fusão de horizontes. No âmbito do cristianismo nascente, os dramáticos confrontos com a filosofia pagã no primeiro século foram substituídos progressivamente pela intensa simbiose realizada nos séculos posteriores. Na mesma Alexandria de Filo, com Panteno, iniciou-se timidamente um programa de assimilação da filosofia grega no horizonte da revelação cristã. Esse programa foi levado a ousadias inimagináveis por Clemente Alexandrino e concluído, em plena era constantiniana, por Eusébio de Cesareia, o último representante da escola de Alexandria.[10] Deve-se somar a esse processo o controvertido fenômeno do judeu-cristianismo, entendido como “uma forma de pensamento cristão que não implica ligação com a comunidade judaica, mas que se exprime em quadros emprestados do judaísmo”.[11] Os judeu-cristãos anunciavam os mistérios da fé segundo uma estrutura semítica, utilizando particularmente o gênero apocalíptico, praticando uma exegese do Antigo Tes­tamento muito próxima da que era praticada por Filo e pelos autores alexandrinos, constituindo, assim, “um elo entre a exegese judaica e a exegese cristã que se seguirá, lançando as bases da interpretação cristã das Escrituras”.[12]

Judaísmo e helenismo puderam confluir no grande caudal do cristianismo por força de alguns dos traços determinantes de suas cosmovisões e do que poderíamos chamar de suas antropologias.

Com efeito, a filosofia grega legou à posteridade uma compreensão da vida humana no interior de uma concepção finalista do mundo. A intuição platônica, relatada nas páginas memoráveis do Fédon,[13] de que a verdade das coisas, assim como a razão das ações humanas, não devia ser buscada no éter, no ar, na água ou em coisas do gênero, mas em certa concepção do bem e do melhor, representou a virada decisiva da filosofia para uma concepção finalista da realidade, já esboçada pelos fisiólogos jônicos. Com Aristóteles, a “segunda navegação” platônica alcança um dos seus vértices mais elevados na afirmação do Movente Imóvel, vale dizer, na “descoberta do Absoluto concebido, não como suprema realidade inteligível, mas como suprema Inteligência”.[14] No campo das ações humanas, a intuição platônica da transcendência do Bem foi imanentizada como trama inteligível do sensível, de modo que traduzisse a racionalidade imanente do agir humano nos termos de tendência incoercível a um bem praticável, dado que, para Aristóteles, situar o bem fora da escala concreta dos bens humanos seria roubar da palavra bem sua única oportunidade de justificação, isto é, a oportunidade da sua própria e temporal realização.[15] Esse mesmo esquema de compreensão racional-finalista do mundo e da ação humana permanecerá substancialmente inalterável e será até radicalizado na última das grandes filosofias da era helenista, o estoicismo,[16]e em seus renascimentos na era imperial, como se pode constatar na obra de Epicteto.[17]

No interior da tradição judaica, as Sagradas Escrituras recolhem a experiência religiosa de Israel compreendendo-a como experiência de um passado percebido como doação de ordem e de finalidade.[18] O mundo todo como criação, no interior do qual o homem é compreendido como imagem e semelhança do criador, é regido por um desígnio de salvação que se manifesta no destino do povo eleito. Israel vive sua experiência religiosa na polaridade que se estabelece entre um presente estruturado pela lei divina — e pela aliança, renovada perpetuamente na liturgia, que faz a memória dos feitos de Deus desde a criação — e um futuro absoluto, nutrido pelas promessas divinas e pela esperança messiânica, permanentemente recordadas pelo profetismo e pela apocalíptica. “A uma experiência cíclica do tempo, ritmada religiosamente por rituais agrários, se sobrepõe uma temporalidade linear à qual a iniciativa divina garante a inteligibilidade e a continuidade.”[19] A história vivida e compreendida como história da salvação abre espaço para uma aproximação com o esquema de processão e retorno, que domina a filosofia de Plotino, com a qual se fecha o grande arco da filosofia grega.[20] Com efeito, na mesma época em que Proclo chegava a Atenas para a última tentativa de fazer reviver um mundo que já pertencia ao passado, morria em Hipona o bispo e filósofo Agostinho, com quem, entre os filósofos da antiguidade, só Aristóteles pôde rivalizar em influência sobre o pensamento humano.[21]

Essa fusão de horizontes criou um esquema de compreensão da vida humana que permanecerá inalterado até o início da modernidade. As linhas fundamentais desse esquema ou, caso se prefira, dessa antropologia, foram traçadas na Ética a Nicômaco, de Aristóteles. A estrutura fundamental dessa antropologia era, em primeiro lugar, uma concepção da natureza humana em estado bruto; em seguida, uma concepção dos preceitos de uma ética racionalmente formulada e, finalmente, uma concepção do homem como poderia ser se realizasse seu telos.[22] Esse esquema foi posteriormente enriquecido, mas não substancialmente alterado, ao ser assumido pela reflexão agostiniana, que será dominante até o século XII. A antropologia agostiniana, em que pesem as sombras deixadas pela controvérsia pelagiana,[23] é fundamentalmente otimista e define-se pelo esquema creatio, conversio, formatio. Partindo do caráter gratuito da criação no relato do livro do Gênesis, que ele comentou cinco vezes em sua imensa obra,[24] e fortemente marcado pela sua experiência pessoal e pela noção neoplatônica de conversão, Agostinho designa, com o terceiro elemento da tríade, a realização do ser ao longo do tempo ou da história da salvação, traduzindo-o pelas metáforas da iluminação e do repouso em Deus.[25]

No esquema antropológico de Aristóteles, a doutrina das virtudes desempenhava o papel fundamental de mediação entre o homem como ele é e o homem como poderia ser se realizasse sua natureza essencial. Com efeito, o conceito de virtude moral (arete), na Ética a Nicômaco, é formulado a partir dos conceitos de capacidade ou poder operativo (energeia) e de obra (ergon).[26] A natureza humana caracteriza-se por um conjunto de capacidades a serem atualizadas e expressas pela obra específica do homem, justamente aquela que o torna comum com todos os outros, a saber, a sua capacidade discursiva (logos), que projeta as suas obras no universo das palavras e da ordenação ao bem. Também na tríade agostiniana, a vida moral, que consiste na aquisição da forma divina, é atualizada e expressa pela prática das virtudes, em primeiro lugar as virtudes teologais — fé, esperança e caridade —, que ordenam a vida a Deus, seguidas pelas virtudes cardeais, que são as mesmas consagradas desde os tempos de Platão, enriquecidas com elementos da sabedoria bíblica — temperança, fortaleza, prudência e justiça —, que ordenam a alma humana e os homens entre si. Portanto, é no âmbito das virtudes que devemos buscar a compreensão da sabedoria e do sábio como ideal da vida boa para o homem.

A herança de Aristóteles

Desde a República de Platão, obra que pode ser considerada “o documento de fundação da Ética ocidental e, em certo sentido, a carta dos grandes roteiros que o pensamento ético deverá seguir ao longo da história”,[27] (a doutrina das virtudes ocupa um lugar central na reflexão sobre a vida boa para o homem. Depois de Aristóteles — que não apenas inventou a locução “filosofia prática”, mas também inventou o ramo da ciência que lhe corresponde e deu a ele um método adequado ao seu objeto —,[28] tornou-se um lugar comum a definição da virtude como um hábito (hexis) do caráter(hexis ethike) ou da inteligência (hexis dianoethike). De fato, segundo Aristóteles, a virtude não se engendra em nós nem por natureza nem contrariamente à natureza, mas porque a natureza nos dá a capacidade de recebê-la e aperfeiçoá-la mediante o hábito.[29]

A concepção aristotélica da virtude moral como hábito do caráter que se expressa na escolha baseada no justo meio, determinado pela regra que seria dada põr um sábio,[30] foi assimilada, recentemente, na reflexão moral de Alasdair MacIntyre, à noção de prática. Uma prática pode ser definida como

qualquer forma coerente e complexa de atividade humana cooperativa, estabelecida socialmente, mediante a qual realizam-se os bens internos a essa forma de atividade no curso da tentativa de realizar aqueles padrões de excelência que são apropriados a essa forma de atividade, e que a definem parcialmente, tendo como resultado a sistemática ampliação da capacidade humana de realizar a excelência, assim como das concepções humanas dos fins e dos bens nela envolvidos.[31]

Uma prática, portanto, pressupõe três elementos fundamentais: 1) um horizonte prévio de socialidade no qual ela se insere; 2) o reconhecimento da existência de bens internos às ações humanas; e 3) a exigência de que a realização dos bens internos corresponda a padrões de excelência socialmente reconhecidos. Entrar numa prática é entrar numa comunidade de praticantes, aceitar suas regras e estar disposto a submeter a aquisição de certos bens ao julgamento dessa comunidade. Essa noção de prática permite definir a virtude, ainda que provisoriamente, como “uma qualidade humana adquirida,cuja posse e exe cício costuma nos capacitar a alcançar aqueles bens internos às práticas e cuja ausência nos impede, para todos os efeitos, de alcançar tais bens”.[32]

Segundo MacIntyre, o desenvolvimento adequado desse conceito de virtude deve ser completado pela descrição da vida humana como estrutura narrativa no interior de uma tradição. Voltarei a isso mais adiante. No momento, interessa-me destacar que essa noção de prática e essa concepção da virtude recuperam de maneira precisa um traço fundamental da “antropologia de Aristóteles”.[33] Quando Aristóteles definiu o homem como “animal de palavra” e “animal de cidade”, fórmulas que traduzem as locuções zoon logos echon e zoon politikon, utilizadas na Política,[34] a racionalidade foi afirmada nessa definição como uma capacidade ou uma potência da natureza animal, que devia ser atualizada no âmbito social, para que aquele animal se tornasse aquilo que a sua definição diz que ele é. A racionalidade não se encontra no ser humano como uma dádiva completa da natureza, tal como o sistema respiratório, que permite ao animal emitir sons, ou como o sistema reprodutor, sinal natural da sua socialidade, mas encontra-se como um dever-ser, isto é, algo sem o qual aquele animal não virá a ser humano. Vir a ser humano é algo que só ocorre pela mediação do outro e só se realiza quando se responde ao outro no âmbito da socialidade. Racional, portanto, é o que o homem deve ser se ele quiser ser humano.[35] Daí decorre que a normatividade é constitutiva do ser que se quiser ser humano.

Esta é uma das teses do filósofo norte-americano Charles Larmore, em seu recente livro As práticas do eu.[36] A meu ver, a ontologia do eu proposta pelo autor explicita adequadamente a herança da antropologia de Aristóteles. Com efeito, afirmar que a normatividade é constitutiva do eu significa, em primeiro lugar, reconhecer a perspectiva do outro como condição indispensável para aprender o que é bem. Em seguida, a normatividade constitutiva do eu significa que a relação com nós mesmos e com os bens internos à nossa ação é uma relação prática de engajamento com aquilo que só nós, e ninguém em nosso lugar, podemos fazer para nos mantermos como humanos. Finalmente, a concepção normativa do eu significa que as práticas do eu estão submetidas a padrões de excelência socialmente reconhecidos, que, uma vez realizados, ampliam a capacidade de alcançar os fins e os bens nelas envolvidos. Assim, quando o autor afirma que “é impossível ser si mesmo sem ser devedor de um outro”,[37] ele apenas reconhece que “a individualidade de uma vida não equivale aos traços que um indivíduo não partilha com nenhum outro”,[38] mesmo que esses traços existam. A individualidade, que só se conquista no âmbito da socialidade que nos precede, significa “que é cada indivíduo em si mesmo, e nenhuma outra pessoa em seu lugar, que vive a sua vida, para o bem e para o mal”.[39]

Mais uma vez a herança de Aristóteles revela todo o seu alcance. De fato, quando definia positivamente o homem como “o princípio de suas ações”,[40] Aristóteles afirmava que a práxis, não a produção, era o próprio do animal de cidade, o único que podia servir-se da voz não apenas para expressar o prazer e a dor, mas para criar, pelo discurso, a comunidade de sentimentos em torno do útil e do prejudicial, do justo e do injusto, do bem e do mal.[41] Numa palavra, a práxis é a obra própria do único animal que age por razões. Agir por razões é a melhor expressão da normatividade constitutiva do ser humano, porque significa que só existimos humanamente na medida em que nos engajamos a realizar o dever-ser que nos constitui como humanos na relação com os outros, porque é somente no espaço de razões que nossas possibilidades se tornam inteligíveis para nós mesmos e porque “o próprio da razão é responder a razões”[42]. A capacidade de agir por razões é o que nos move a ir atrás da virtude.

Atrás da virtude

O termo grego para virtude é arete. Arete é o nome abstrato que corresponde ao adjetivo agathos, que se traduz comumente por bom. Portanto, “o que quer que seja bom em si possui a correspondente arete”[43] ou, o que é o mesmo, possui uma excelência, que é a sua melhor forma de ser. Se existe um dever-ser inscrito na vida humana, isso significa que ela tem uma forma melhor de ser. Foi isso que Platão traduziu com a ideia de Bem ou, como vimos na grande descoberta do Fédon, como a razão do melhor. Também foi isso que Aristóteles designou com a palavra eudaimonia, normalmente traduzida por felicidade, para indicar o bem humano supremo como uma atividade da alma, isto é, da melhor parte do homem, de acordo com a melhor maneira de ser, não por um único dia, mas ao longo da vida.[44] A virtude designa para o homem a vida boa vivida em comunidade.[45] Isso significa que não se vive humanamente de qualquer maneira e, portanto, que existe um modo de ser melhor do que o modo estabelecido pela natureza.

A unidade da vida humana na sua melhor forma pode ser vivida e pensada, segundo MacIntyre, como a unidade de uma narração com começo, meio e fim. A vida boa para o homem é aquela da qual se pode pedir contas e, portanto, é uma vida que pode ser narrada de maneira inteligível a partir das intenções, motivos, paixões e propósitos desses agentes discursivos que somos nós ou, para usar a terminologia aristotélica, desses animais de cidade dotados de palavra. Somos autores e atores de uma narração que se enlaça com as dos outros, de modo que cada personagem principal de sua própria história tem também um papel, ainda que secundário, na história dos outros. Em suas ações, tanto quanto em suas ficções, o homem é essencialmente ” um animalcontador de histórias”.[46] Essa concepção narrativa da vida humana requer, por um lado, que eu seja o tema de uma história que é minha e de mais ninguém, de modo que eu seja responsável pelas ações que compõem essa vida narrada e, por outro lado, que eu possa pedir contas aos demais de suas histórias, uma vez que sou parte delas como eles são parte da minha.

Dispor-se a viver de maneira virtuosa ou, o que é o mesmo, dispor-se a buscar a vida boa para o homem é deixar-se “captar pelo ponto de vista de um outro encarregado de avaliar traços de caráter com base em atos realizados”.[47] MacIntyre chama isso de “responsabilidade explicativa do eu” (accountability of the self), sem a qual as vidas narradas carecem daquela “continuidade necessária para que elas e as ações que as constituem se tornem inteligíveis”.[48] A continuidade inteligível da vida humana, isto é, a sua unidade, pode ser traduzida nos termos de um relato de busca, de modo que os critérios para o sucesso ou o fracasso da vida humana em seu conjunto sejam os critérios do sucesso ou do fracasso de uma busca da vida boa para o homem. Assim, viver de maneira virtuosa consiste em passar a vida “na procura da vida boa para o homem, e as virtudes necessárias para a procura são as que nos capacitam a entender mais e melhor o que é a vida boa para o homem”.[49]

Essa concepção da vida virtuosa como realização de um plano de vida abrangente é perfeitamente adequada à concepção teleológica da vida humana, nos termos em que vimos ser proposta por Aristóteles, assim como à concepção da vida humana segundo o esquema de processão e retorno — de origem bíblica —, que leva a compreender a história como história da salvação. Entretanto, num mundo fragmentado como o nosso, no qual a pressuposição do homem como ser universal foi substituída pela concepção do homem como um ser pluriversal,[50] dificilmente faz sentido a ideia de que a vida se desenrola segundo um esquema englobante. Se há alguma forma pela qual o homem contemporâneo compreende a unidade da sua vida, esta não parece ser a de um relato de busca, como propõe Macintyre. É certo que a compreensão teleológica da vida como unidade narrativa não é incompatível com o imprevisto, pois mesmo não sabendo o que vai ocorrer, a vida humana se projeta na direção de um futuro que se anuncia como sensato. Mas a impossibilidade de eliminar o imprevisto pode levar a uma compreensão da unidade da vida humana nos termos de uma aventura; e à compreensão da virtude como a capacidade de acolher os bens imprevistos que a vida nos reserva.

É pelo recurso à noção sartriana de aventura[51] que se poderia oferecer ao homem contemporâneo uma possibilidade de compreender a unidade da sua vida — se deve haver uma —, assim como uma noção adequada de virtude. Para que algumas experiências da vida humana se encadeiem como uma aventura, é preciso que cada uma anuncie a seguinte, sem que esse encadeamento se)a preparado de antemão por alguma espécie de plano. O próprio de uma aventura não consiste em aparecer apenas no relato que se faz da sua ocorrência no passado. Uma aventura é o resultado do compromisso consigo mesmo, e com ninguém em seu lugar, de lançar-se na direção de um fim não estabelecido previamente por algum tipo de reflexão cognitiva, mas que pode ser alcançado por uma reflexão prática, que assume a responsabilidade por aquilo que esse compromisso acarreta e, portanto, desemboca num julgamento sobre o que se deve fazer, com a intenção explícita de fazê-lo. Em contraste com a reflexão cognitiva, a reflexão prática — afirma Charles Larmore — “é sempre reflexão sobre si, já que consiste em abraçar com plena consciência certo modo de engajar-se”.[52]

A compreensão da unidade da vida humana como uma aventura é a mais adequada à normatividade constitutiva do nosso ser, uma vez que ela significa que só existimos na medida em que nos engajamos. Assumir a vida como uma aventura é dispor-se a assumir os engajamentos decorrentes do fato de agir por razões e, portanto, de ter de responder a razões. Viver a vida como uma aventura é reconhecer que agir razoavelmente, respondendo a razões, é correr o risco de fazer passar ao ser aquele dever-ser que nos constitui como humanos. Viver a aventura humana não é comprometer-nos com um ideal de autonomia que falsifica a nossa realidade pela raiz, dado que é impossível ser si mesmo sem dever nada a ninguém, mas engajar-nos em práticas partilhadas no interior de uma comunidade de julgamento, movidos por aquela liberdade que é própria de seres normativos, a saber, a liberdade de seguir razões para sermos aquele ser que só nós temos de ser.

A meu ver, é isso que significa ir atrás da virtude: construir uma vida com engajamentos que decorrem de engajamentos. Eis por que a melhor imagem para captar a unidade de uma vida comprometida com o ideal de vida boa para o homem não me parece ser a de um relato de busca. Com efeito, se o que permite a permanência do eu na diversidade dos momentos constitutivos da sua vida é o fato de seguir as razões que o seu momento atual lhe impõe como dever, é preciso estar disposto a aceitar que imprevistos da vida levem a mudanças até mesmo radicais de direção. Isso não impede que falemos da vida, em seu conjunto, como a experiência de um único e mesmo eu. Pelo contrário, como diz Larmore,

é pela imbricação de atividades diferentes, pelo fato de nos encontrarmos ao mesmo tempo envolvidos em vários projetos de durações desiguais ou de não abandonarmos um para dedicar-nos a outro que um eu único pode chegar a atravessar a distância do nascimento à morte (e além?). […] A continuidade do eu é tecida como uma corda, isto é, pelo recobrimento parcial de seus fios sem que haja aí um que vá de uma ponta a outra.[53]

É sobre o pano de fundo dessa imagem wittgensteiniana da vida tecida como uma corda[54] que passo agora ao último momento dessa reflexão, anunciada com o título de “A sabedoria é uma atitude”.

A sabedoria é uma atitude

Atitude parece-me uma tradução adequada para a antiga hexis dos gregos ou para o habitus dos latinos, termos que designavam a virtude adquirida. Mas o termo é tomado aqui segundo o sentido que lhe dá Eric Weil em sua obra maior, a Logique de la philosophie.[55] Atitude é o modo como o homem vive e se mantém no mundo, modo que se realiza no sentimento e na linguagem espontânea. Mas, dado que o homem é um agente discursivo, essa atitude pode ser apreendida, no discurso, pelo homem que se volta sobre o que faz, sente e exprime a fim de se compreender na sua ação, no seu sentimento e nas suas expressões. Quando uma atitude é apreendida no discurso, isto é, quando o homem se compreende num discurso coerente, essa atitude gera uma categoria, que capta, como conceito, o sentido do vivido. Nem toda atitude produz uma categoria, porque as atitudes não têm a mesma importância para o discurso no qual o homem se compreende em suas realizações. Para a compreensão do mundo e de si mesmo interessa ao homem aquelas atitudes que produzem discursos coerentes no interior dos discursos pelos quais o homem compreende e compreende-se. Quando gera uma categoria, a atitude é chamada pura ou irredutível, e o conjunto dessas atitudes-categorias é o que permite ao homem compreender e compreender-se nas suas possibilidades efetivamente realizadas.

A sabedoria é uma atitude pura, ou seja, é um modo de viver e manter-se no mundo, que gera uma compreensão do mundo e de si mesmo, exatamente naquilo que ela realiza. Como disse no início desta reflexão, nas tradições que confluíram na grande tradição cultural do Ocidente, a sabedoria sempre foi reputada como a forma mais elevada de realização do ideal da vida boa para o homem. A vida boa para o homem foi acima caracterizada como a vida comprometida com a realização daquilo que o homem deve ser se quiser ser humano ou, o que é o mesmo, a vida engajada na unificação daquele eu que só eu, e ninguém em meu lugar, tenho de ser. A vida boa, portanto, não é um ideal facultativo, mas decorre da normatividade que define o meu ser como humano. Ser humano, para mim, exige que eu leve à sua melhor forma, à sua melhor expressão, à sua plena realização aquilo mesmo que me constitui como homem.

Fica claro que estou situando a sabedoria no âmbito daquela racionalidade, ou melhor (dado que a razão é apenas uma possibilidade do homem), no âmbito daquela razoabilidade que se oferece a mim, a partir dos outros, como uma potencialidade que devo realizar para responder às razões que me antecedem e me constituem. Estou falando da sabedoria como realização da razão, não sob o seu aspecto especulativo, mas do ponto de vista prático, pois não há mais que uma razão no homem que compreende e se compreende nas suas possibilidades realizadas. Portanto, não estou falando da sophia, como foi definida por Aristóteles,[56] nem da sapientia como a entendeu Santo Agostinho,[57] mas refiro-me a algo semelhante à phronesis aristotélica ou à scientia agostiniana,[58] que indicam a capacidade de atualizar, no aqui e agora, os bens objetivos que se apresentam como amáveis ao nosso desejo. Algo que se apresente para nós como merecedor de ser desejado só é objetivamente bom quando se apresenta também como algo que se tem razão de buscar, ou seja, algo que se busca por razões e que pode responder a razões. Dito de outro modo, um bem ou uma razão é objetiva quando ela “se deixa constatar de um ponto de vista impessoal, isto é, a partir de premissas que se impõem em virtude de ser consideradas verdadeiras, e não em virtude de ser aprovadas por indivíduos particulares”.[59] A irrecusável relação entre a objetividade de certos bens e os desejos que nos movem a agir funda-se no princípio antropológico que nos define como seres normativos, dispostos a seguir as razões que possam responder a razões.

A sabedoria é a mais pura das atitudes porque ela produz a mais elevada categoria na qual o homem se compreende. Ser sábio, dizia Aristóteles, é viver em estado de decisão,[60] ou, como diz Eric Weil, “é saber o que importa e ater-se a isso sem confusão”.[61] Ora, o que importa é a vida boa para o homem, a vida comprometida permanentemente, no aqui e agora, com a realização daqueles bens que a tornam verdadeiramente humana, isto é, dotada de sentido. Que bens são esses? Em primeiro lugar, tudo aquilo que contribui para a diminuição da violência que entra nas relações humanas, pois, se a razão é uma possibilidade do homem, a outra possibilidade é a violência. De fato, a vida do homem só passa a ter um conteúdo humano a partir do momento em que a escolha da razão cria o âmbito no qual se pode dar e pedir razões. Viver na atitude da sabedoria é compreender que a violência constitui o mal fundamental para o ser humano e, portanto, fazer da vontade de não violência a guia de uma sabedoria que, sem essa vontade, poderia ser o instrumento da arbitrariedade.[62]

Em segundo lugar, e em decorrência desse bem originário que é a esco­lha da razão contra a violência, os bens que tornam a vida verdadeiramente humana são todos aqueles que podem ser justificados pela pesquisa racional constituída pelas tradições morais e constitutiva dessas mesmas tradições. Es­ses bens são os que, na história das tradições morais, sobrevivem ao processo de questionamento dialético e às crises epistemológicas, caracterizadas pela dissolução das certezas historicamente fundadas, que exigem a invenção ou a descoberta de novos conceitos, que sejam capazes de estruturar novas teorias para responder aos problemas que levaram à crise das crenças comuns em torno das quais aquelas tradições tinham até então se definido.[63] Também aqui a sabedoria e o sábio desempenham um papel fundamental, porque são eles que, enquanto críticos da moral existente, produzem todo progresso de uma moral dada na direção de uma moral mais universal. Com efeito, “as grandes mudanças se produzem quando indivíduos dotados de sensibilidade moral e de sabedoria prática tornam visíveis, a todos com os quais eles estão em conta­to, as raízes até então escondidas de seu desespero”.[64]

Mas os bens que tornam a vida verdadeiramente humana são também os bens imprevistos que se nos apresentam quando menos esperamos. Esses bens são mais facilmente percebidos e acolhidos quando não se pretende que a vida boa só possa ser vivida como resultado de um plano racional, cujo fim já está de algum modo estabelecido. Mesmo para o fiel que acredita na providência de Deus, nada impede que a vida boa seja concebida e vivida como uma aventura, na qual a “felicidade consiste não apenas em atingir o bem que temos razão de buscar, mas também em lidar às vezes com bens imprevistos que só o acaso pode nos revelar”.[65] O fato de nenhuma vida poder escapar totalmente aos imprevistos do acaso revela o elevado grau de fragilidade do bem humano,[66] que exige do sábio uma abertura de espírito capaz de acolher as surpresas que a vida reserva. Afinal de contas, “longe de ser sempre a desventura que faz fracassar nossos planos, o imprevisto é às vezes o feliz acaso que desvela horizontes novos, formas de felicidade e de pensamento que não esperávamos, de cuja existência nem mesmo desconfiávamos, e que podem não só fazer aparecer sob nova luz nossos fins existentes, mas mudar por completo nossa vida e até nossa concepção de nós mesmos”.[67] Nesse sentido, ser sábio é fazer do aforismo de Heráclito uma atitude de vida: quem não espera o inesperado nunca o encontrará.[68] Esperar o inesperado não é o contrário de saber o que importa e ater-se a isso sem confusão.

Esperar o inesperado e ater-se ao que importa sem confusão é ser capaz de operar uma superação sempre que um ou mais dos fios da corda da vida chegam ao fim. Superação traduz aqui, aplicado ao indivíduo, o conceito de breakthrough, que Eric Weil utilizou para a compreensão das transformações históricas.[69] Um breakthrough, isto é, um salto qualitativo, uma quebra de barreiras ou uma mudança decisiva na vida de um indivíduo só se produz quando ele admite que seu caminho o conduziu a um beco sem saída e, ao mesmo tempo, que uma nova direção pode ser traçada atravessando a antiga, de modo que ela não se torne desprovida de sentido diante da nova. Com efeito, seria insensato, uma vez traçada a nova direção, continuar na antiga via ou recusar o sacrifício de alguns de seus valores que agora se revelam não essenciais para a sua vida. Seguir a antiga via em nome da salvaguarda de antigos valores seria comprometer aquilo mesmo que se pretende salvar. De fato, se a descoberta de uma nova direção é a condição necessária para que o indivíduo, diante de um beco sem saída, continue trançando a corda da sua vida, então o seu passado e tudo o que o identifica como tal, e se mostra como seu, não pode ser descartado como insensato, mas deve ser assumido como um passado-presente a ser preservado no futuro. Uma superação só se produz quando a nova situação traz no seu bojo a promessa de dar sentido à situação que tornou impraticáveis os caminhos seguidos até então.

A sabedoria se apresenta, portanto, como a capacidade de continuar trançando de maneira sensata os fios da corda da vida, consciente da radical contingência dos bens humanos, sem fazer da contingência um álibi para os eventuais fracassos até mesmo de decisões morais firmemente tomadas. Aliás, a atitude diante do fracasso moral é como o xibolete para a identificação do sábio. Dado que é a sabedoria que estabelece a justa relação entre a qualidade moral das razões da ação e a responsabilidade moral pelas consequências dos atos nelas inspirados, então só a sabedoria pode fundar o conceito de uma escusa válida, ou seja, aquela à qual só pode recorrer o homem que tudo fez para ter sucesso numa decisão moral e só fracassou porque, materialmente, não podia ter sucesso. Independentemente do que o termo “materialmente” possa significar aqui, o importante é que o verdadeiro sábio é aquele que não se absolve com facilidade, simplesmente porque tudo o que tem necessidade de escusas não é moralmente satisfatório. Se a sabedoria torna o sábio capaz de compreender e perdoar a falta moral, não é para justificar ingenuamente o passado, mas para levá-lo a conhecer melhor o que importa para o futuro, de modo que se atenha a isso sem confusão.

O passado — que, eventualmente, precisa ser perdoado — e o futuro — no qual se pode encontrar o que se espera — articulam-se em torno dos engajamentos assumidos no presente. E o engajamento fundamental do sábio é com o ser que só ele, e ninguém em seu lugar, tem de ser. Ser sábio, portanto, é viver em estado de decisão, assumindo permanentemente o compromisso com o dever-ser que nos constitui como humanos, compromisso com o que está sempre em devir, ou seja, com essa futurição permanente que é o dever de ser humano.[70] Ser sábio é viver na presença do sentido presente, aquele mesmo que permite saber o que, verdadeiramente, importa para o ser humano. É a vida na presença de um sentido sempre em devir que permite ao sábio reconhecer, inclusive, que a concepção que ele faz do seu bem pode mudar. Como diz Charles Larmore, “(A) lição difícil que devemos assimilar é que a felicidade, por sua natureza, só é parcialmente nossa obra. Ela é sempre também uma descoberta”.[71] Diante do que, conclui o autor,  “A sabedoria consiste em reconhecer que nosso bem está sempre em devir e que só toma forma à medida que vivemos e nos expomos aos acasos da vida”.[72]

Discorrer sobre a virtude em tempos que já foram diagnosticados como niilistas só não é mais perigoso do que tentar viver de forma virtuosa. Afinal, “[A] virtude não pertence ao terreno das evidências e ao lote comum das pechinchas facilmente encontráveis no dia a dia da humanidade. Virtude é luxo, apesar de sua modéstia, de sua discrição, de seu desejo de passar despercebida. A virtude não está disponível em cada esquina, oferecendo-se para quem passar”.[73] Falar de sabedoria numa época em que as palavras não significam mais as mesmas coisas para todos é correr um risco ainda maior do que o do médico acusado por um cozinheiro e julgado por um tribunal de crianças.[74]

Nas etapas formadoras da tradição cultural do Ocidente, a tábua das virtudes e dos vícios pretendeu traduzir a imagem do ser humano a ser louvada ou condenada, imitada ou rejeitada pelos que se reconheciam como herdeiros daquela imagem e, de algum modo, responsáveis pela sua transmissão. Assim foi com as virtudes heroicas na Grécia arcaica e com as virtudes cívicas no período clássico, às quais se somaram as virtudes teologais no período medieval,.

O modo de conceber a excelência humana foi profundamente transformado com a revolução dos tempos modernos, ao ver deslocado para o indivíduo autônomo o centro gerador dos bens e dos valores que definem e orientam a sua vida. E os tempos pós-modernos conheceram a substituição das imagens universais por uma concepção “pluriversal” do ser humano, como centro irradiador dos vetores que desenham seu lugar nas diferentes regiões da realidade, objeto do seu conhecimento e da sua ação.

Diante desse estado de coisas, é ocioso pretender resgatar um conceito de excelência humana — a virtude não é mais que isso — que traduza a bela totalidade ética dos velhos bons tempos, que só são bons porque não são os nossos. Igualmente vã é a tentativa de falar de uma sabedoria, teórica ou prática, irrealizável por ser ideal ou pela simples falta de quem a deseje, procure e pratique. Nesse ponto, permanece válido o antigo ensinamento de Aristóteles: situar um bem, qualquer que ele seja, além da escala concreta dos bens humanos temporalmente realizáveis é privar a palavra bem da única maneira que ela tem de justificar-se.

Se é preciso de novo falar de moral — e estou convencido de que é preciso —, se palavras como virtude e sabedoria podem ainda ter algum sentido para nós, que somos pós-antigos, então é preciso repensar os antigos conceitos de excelência, hábito, vida boa e sabedoria no âmbito de uma concepção da vida humana que não apenas não torne insensato o passado que herdamos, mas  que seja compreensível e realizável no nosso presente e que aponte para desdobramentos consequentes em nosso futuro imediato.

Para quem quiser de novo falar de moral põe-se o desafio de formular um conceito de virtude em termos de práticas humanas cooperativas, socialmente estabelecidas, pelas quais se realizem os bens internos envolvidos nessas práticas, aqueles bens que as definem parcialmente e de cuja realização decorre uma ampliação da capacidade humana de viver uma vida boa. Essa posição a respeito das virtudes supõe que se adote uma compreensão do caráter normativo da vida humana, capaz de estabelecer o entendimento comum sobre o que é a vida boa para o homem.
A sabedoria surge no interior dessa concepção da vida humana como uma aventura cujo desenvolvimento leva a compreender o sentido das ações huma­nas e a traduzi-lo numa atitude que revele a sua presença. A vida do sábio é a vida na presença do sentido, pois a sabedoria é uma atitude compreendida e de compreensão, que reconhece o sentido presente nas ações passadas, que vive o aqui e o agora em vista do sentido que ele deu a si e ao qual se deu, e que se projeta numa futurição para os fins que realmente importam para a vida boa. Ser sábio é, então, saber o que importa e manter-se fiel a isso sem confusão.

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Notas

[1] Cf. F. Volpi, O niilismo, trad. A. Vannucchi (São Paulo: Loyola, 1999), pp. 43-64.

[2] Cf. J. V. Líndez, Sabedoria e sábios em Israel, trad. José B. Alves, Bíblica Loyola (São Paulo: Loyola, 1999).

[3] Cf. Pr 8, 22. Este texto se insere na primeira seção do livro dos Provérbios (1,8 — 9,18), na qual se faz o elogio da sabedoria, que aparece personificada, tomando a palavra e apresentando seus títulos (8,12-31). O livro dos Provérbios é uma coleção de coleções de sentenças e reúne materiais que vão dos tempos anteriores à realeza (séc. X) até o final do século III a.C. Cf. M. Liverani, Para além da Bíblia. História antiga de Israel, trad. O. S. Moreira (São Paulo: Loyola/Paulus, 2008), pp. 386-388.

[4] Sobre o ideal de vida dos estoicos, ver R. Gazolla, O ofício do filósofo estoico. O duplo registro do discurso da Stoa (São Paulo, Loyola, 1999).

[5] Cf. H. Flashar, “La saggezza arcaica: Talete, Eraclito, Empedocle”, em S. Setis (org.), I Greci. Storia Cultura Arte Società, 2: Una storia greca. I. Formazione (Turim: Giulio Einaudi, 1996), pp. 1231-1250.

[6] Cf. J.-J. Duhot, Sócrates ou o despertar da consciência, trad. P. Meneses (São Paulo: Loyola, 2004); e D. Huisman, Sócrates, trad. N. N. Campanário (São Paulo: Loyola, 2006).

[7] O saber das “coisas humanas” era a única sabedoria que Sócrates admitia possuir. Cf. Platão, Apologia, 20D. “Nada em demasia” é uma das sentenças contadas entre as que são atribuídas ao ateniense Sólon; e “Conhece-te a ti mesmo” aparece na lista de sentenças atribuídas ao espartano Quílon. Sobre a lista e as sentenças dos Sete Sábios, cf. G. Reale, História da filosofia antiga, 1: das origens a Sócrates, trad. M. Perine (São Paulo, Loyola, 1993).

[8] A mais clara expressão dessa concepção encontra-se na filosofia de Plotino. Cf. R. A. Ullmann, Plotino. Um estudo das Enéadas (Porto Alegre: Edipucrs, 2002). Ver também P. Hadot, Plotin ou la simplicité du regard (Paris: Gallimard, 1997).

[9] Sobre a “filosofia mosaic? de Filo, cf. G. Reale, História da filosofia grega e romana, 7: renascimento do platonismo e do pitagorismo, trad. H. C. de Lima Vaz & M. Perine (São Paulo: Loyola, 2008), pp. 215-267.

[10] Sobre esse riquíssimo período da filosofia ocidental, ver a erudita obra de C. Moreschini, História da filosofia patrística, trad. O. S. Moreira (São Paulo: Loyola, 2008).

[11] Cf. J. Daniélou, Théologie du judéo-christianisme (2 ed. Paris: Desclée/Cerf, 1991), P. 37.

[12] Cf. B. Sesboüé, “Primeiros discursos cristãos e tradição da fé”, em História dos dogmas, 1: o Deus da salvação, trad. M. Bagno (São Paulo: Loyola, 2002), p. 31.

[13] Ver particularmente Fédon, 95d-99d. Sobre o sentido da “segunda navegação” platônica, cf. G. Reale, História da filosofia grega e romana, 3: Platão, trad. H. C. de Lima Vaz & M. Perine (São Paulo: Loyola, 2007), pp. 49-70.

[14] Cf. G. Reale, História da filosofia grega e romana, 4: Aristóteles, trad. H. C. de Lima Vaz & M. Perine (São Paulo: Loyola, 2007), p. 190 e passim.

[15] Cf. E. Lledó, “Aristóteles y la ética de la polis”), em V. Camps (org.), Historia de la ética, 1: de los griegos al renacimiento (Barcelona: Crítica, 1988), p. 143 e passim.

[16] Cf. T. Brennan, Stoic Life. Emotions, Duties & Fate (Oxford: Oxford University Press, 2005) (A Loyola vai publicar, em breve, uma tradução desta obra). Ver também a reedição da obra clássica de F. Ogereau, Essai sur le système philosophique des stoiciens (La Versanne: Encre Marine, 2002).

[17] Cf. J.-J. Duhot, Epicteto e a sabedoria estoica, trad. M. Perine (São Paulo: Loyola, 2006).

[18] Cf. E.Voegelin, Order and History, 1: Israel and Revelation, introd. Maurice P. Hogan (Columbia: University of Missouri Press, 2001).

[19] Cf. J.-Y. Lacoste, “História”, em Dicionário crítico de teologia, trad. P. Meneses et al (São Paulo: Loyola/ Paulinas, 2004), pp. 834-839. Ver também A. H. J. Gunneweg, História de Israel. Dos primórdios até Bar Kochba e de Theodor Herzl até os nossos dias, trad. M. Otternann (São Paulo: Teológica/Loyola, 2005).

[20] Cf. G. Reale, História da filosofia grega e romana, 8: Plotino, trad. H. C. de Lima Vaz & M. Perine (São Paulo: Loyola, 2008).

[21] Cf. A. Kenny, Uma nova história da filosofia ocidental, I: filosofia antiga, trad. C. A. Bárbaro (São Paulo: Loyola, 2008), p.146.

[22] Cf. A. MacIntyre, Depois da virtude. Um estudo em teoria moral, trad. J. Simões (Bauru: Edusc, 2001), especialmente o capítulo 5, pp. 97-140. Sobre essa obra ver: M. Perine, “Virtude, justiça, racionalidade. A propósito de Alasdair MacIntyre”, em Síntese (Nova Fase) 19(59): 391-412, Belo Horizonte, 1992. Ver também: B. J. Kallenberg, “The Master Argument of MacIntyre’s After Virtue”, em N. Murphy; B. J. Kal-lenberg; M. T. Nation, Virtues and Practices in the Christian Tradition (Harrisburg: Trinity, 1997), pp. 7-29.

[23] Cf. M.-A. Vannier, “Pelagianismo”, em J.-Y. Lacoste, Dicionário crítico de teologia, cit., p. 1376-1378.

[24] Cf. Agostinho, De Gn contra manicheos, De Gn ad litteram liber impefectus, Conf. XI-XII, De Gn ad lit-teram, De Civitate Dei, XI.

[25] Cf. M.-A. Vannier, “Agostinho de Hipona”, em J.-Y. Lacoste, Dicionário crítico de teologia, cit., pp. 68-74.

[26] Na exposição da ideia de ergon, na Ética a Nicômaco (I, 1097b-1098a), Aristóteles retoma quase literal­mente a reflexão de Platão em República, I, 352D-353B.

[27] Cf. H. C. de Lima Vaz, Escritos de filosofia, 4: introdução à ética filosófica I (São Paulo: Loyola, 1999), p. 100 e s. Sobre a ética de Platão, ver também: P. F. Lopes, A ética platônica: modelo de ética da boa vida (São Paulo: Loyola, 2005).

[28] Cf. E. Berti, As razões de Aristóteles, trad. D. D. Macedo (São Paulo: Loyola,2002), pp. 115-156.

[29] Cf. Aristóteles, Ética a Nicômaco, 1103a 14-26.

[30] Ibid., 1106b 35-1107a 1-2.

[31] Cf. A. MacIntyre, Depois da virtude, cit., p. 316. Tradução ligeiramente modificada.

[32] Ibid., p. 321. Itálicos do autor.

[33] A expressão se inspira em E. Weil, “L’anthropologie d’Aristote”, em Essais et conferences, I (Paris: Plon, 1970), pp. 9-43.

[34] Cf. Aristóteles, Política, I, 2, 1253a 9ss. A tradução de anthrópos physei politikon zoom por “o homem é por natureza um animal de cidade” é de B. Cassin, Aristóteles e o logos. Contos da fenomenologia comum, trad. L. P. Rouanet (São Paulo: Loyola, 1999), p. 49.

[35] Cf. E. Well, Logique de la philosophie (2 ed. Paris: Vrin, 1967), p. 5.

[36] Cf. C. Larmore, As práticas do eu, trad. M. S. Gonçalves (São Paulo: Loyola, 2008). 0 original, em francês, é de 2004.

[37] Ibid., p. 67.

[38] Ibidem.

[39] Ibid., p. 83.

[40] Cf. Aristóteles, Ética a Nicômaco, 1112 b31-32; e Ética a Eudemo, 1222 b28.

[41] Cf. Aristóteles, Política, I, 2, 1253 a9-17. Aristóteles diz, literalmente, que “só o homem sente o bem e o mal, o justo e o injusto”, e que “é a comunidade destes sentimentos que produz a família e a cidade” (to mónon ágathoú kaI kakoú kai dikaíou kai adíkou kai tõn állon aísthesin échein he dé toúton koinonía poief oikían pólin).

[42] Cf. C. Larmore, As práticas do eu, cit., p. 147.

[43] Cf. A. Kenny, Uma nova história da filosofia ocidental, I, cit., p. 302.

[44] Cf. Aristóteles, Ética a Nicômaco, 1098 a 16-18.

[45] Cf. F. Ricken, O bem viver em comunidade. A vida boa segundo Platão e Aristóteles, trad. I. A. Lohbauer (São Paulo: Loyola, 2008).

[46] Cf. A. MacIntyre, Depois da virtude, cit., p. 363. A tese de que a identidade pessoal possui uma estrutura narrativa é também defendida por P. Ricoeur, Soi-même comme un autre (Paris: Seuil, 1990).

[47] Cf. C. Larmore, As práticas do eu, cit., p. 205.

[48] Cf. A. MacIntyre, Depois da virtude, cit., p. 366. Na tradução brasileira de J. Simões, accountability of the self é traduzido por “responsabilidade do eu”. Entretanto, a expressão inglesa parece-me exigir a tradução que adotei. Devo essa sugestão ao colega Marcelo Pimenta Marques, que é o tradutor de Justiça de quem? Qual racionalidade? (São Paulo: Loyola, 2008), a obra de MacIntyre que dá continuidade à reflexão de After virtue.

[49] Ibid., p. 369. Tradução ligeiramente modificada.

[50] Com esse neologismo, H. C. de Lima Vaz descreve a tendência da concepção do homem na filosofia con­temporânea, uma vez que, “na representação da sua situação em face da realidade, opera-se uma inversão na direção dos vetores que circunscrevem o lugar ontológico do sujeito: para o Homem universal esses vetores convergem, segundo a metáfora da reflexão sujeito-realidade; do homem pluriversal esses vetores irradiam, segundo a modalidade da abertura do sujeito às várias regiões do ser que se oferecem ao seu conhecimento e à sua ação”. Cf. H. C. de Lima Voz, Antropologia filosófica I (São Paulo: Loyola, 1993), p. 141

[51] A noção sartriana de aventura está ligada à sua crítica da sinceridade. Cf. J.-P. Sartre, Carnets de la drôle de guerre (Paris: Gallimard, 1983), apud C. Larmore, As práticas do eu, cit., pp. 25-30.

[52] Cf. C. Larmore, As práticas do eu, cit., p. 119. Ver inteiro “A reflexão prática”, cap. 5, desta obra, pp. 149‑ 181.

[53] Ibid., p. 226.

[54] Cf. L. Wittgenstein, Philosophische Untersuchungen, § 67, apud C. Larmore, As práticas do eu, cit., p. 226.

[55] Cf. E. Weil, Logique de la philosophie, cit., pp. 70-72. Sobre isso ver: R. Caillois, “Attitudes et catégories”, em Revue de Métaphysique et de Morale, n’ 58, pp. 273-291, Paris, PUF, 1953.

[56] Aristóteles entende por sophia a captação intuitiva dos princípios pelo intelecto e o conhecimento dis­cursivo das consequências que derivam desses princípios. Cf. Aristóteles, Ética a Nicômaco, 1141 a34-b2.

[57] Agostinho entende a sapientia como função da razão superior, destinada à contemplação das verdades eternas nesta vida e à contemplação de Deus na vida futura. Cf. Agostinho, De Trinitate, 12, 14.

[58] Sobre a phrónesis aristotélica, cf. M. Perine, Quatro lições sobre a ética de Aristóteles (São Paulo:Loyola,2006), pp. 17-49. A scientia agostiniana é definida como “a cognição de coisas temporais e mutáveis, necessária à administração dos negócios desta vida”. Cf. Agostinho, De Trinitate, 12, 12.17. E, também, A. Kenny, Uma nova história da filosofia ocidental, 2: filosofia medieval, trad. E. L. M. Bini (São Paulo: Loyola, 2008), pp. 245-251.

[59] Cf. C. Larmore, As práticas do eu, cit., p. 235.

[60] Este é o sentido da expressão que aparece na definição aristotélica da virtude moral: “A virtude é um hábito de decisão (hexis proairetike) que consiste no justo meio relativo a nós, determinado pela razão e por aquela pela qual decidiria o sábio (phronimos)”. Cf. Aristóteles, Ética a Nicômaco, 1106 b35 — 1107 a2. Minha tradução difere da que é proposta por M. Zingano: “A virtude é, portanto, uma disposição de escolher por deliberação, consistindo em uma mediedade relativa a nós, disposição delimitada pela razão, isto é, como a delimitaria o prudente”. Cf. Aristóteles, Ethica Nicomachea I 13 — III 8. Tratado da virtude moral, trad., notas e com. Marco Zingano (São Paulo: Odysseus, 2008), p. 51.

[61] Cf. E. Weil, Logique de la philosophie, cit., p.436.

[62] Cf. E. Weil, Philosophie morale (Paris: Vrin, 1969), p. 191. Ver também: M. Perine, Eric Weil e a compreen­são do nosso tempo. Ética, política, filosofia (São Paulo: Loyola, 2004).

[63] Cf. A. MacIntyre, Justiça de quem? Qual racionalidade?, trad. M. P. Marques (São Paulo: Loyola, 2008), pp. 375-396. Sobre essa questão no pensamento de MacIntyre, ver a excelente síntese de H. B. A. de Carvalho, Tradição e racionalidade na filosofia de Alasdair MacIntyre (São Paulo: Unimarco, 1999).

[64] Cf. E. Weil, Philosophie morale, cit., p. 192.

[65] Cf. C. Larmore, As práticas do eu, cit., p. 231.

[66] Este é o tema do extraordinário livro de M. C. Nussbaum, The Fragility of Goodness. Luck and Ethics in Greek Tragedy and Philosophy (Cambridge: Cambridge University Press, 1986).

[67] Cf. C. Larmore, As práticas do eu, cit., p. 232.

[68] Cf. Herádito, fr. 18. Literalmente o fragmento diz: “se não se espera, não se encontra o inesperado, porque é inencontrável e inacessível’ . Cf. G. Giannantoni, I Presocratici. Testimonianze e frammenti, I (Roma: Laterza, 2004), p. 200.

[69] Cf. E. Well, “What is a Breakthrough in History?”, em Daedalus, n-°- 104, pp. 21-36, 1975. Sobre o uso do conceito em história, ver M. Perine, “Tradição e revolução”, em Síntese (Nova Fase), 17(46):5-11, Belo Horizonte, 1989.

[70] Cf. E. Weil, Philosophie morale, cit., p. 221.

[71] Cf. C. Larmore, As práticas do eu, cit., pp. 254-255.

[72] Ibidem.

[73] Cf. M. C. L. Bingemer, “Por que virtudes?”, em E. Yunes & M. C. L. Bingemer (orgs.), Virtudes (São Paulo/ Rio de Janeiro: Loyola/Editora PUC Rio, 2001), P. 7.

[74] Faço aqui uma alusão à fala de Sócrates a Cálides no final do Górgias platônico (521 E).

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