1996

Entre Kant e Wittgenstein

por Claude Imbert

Resumo

Em 1890, as atenções voltaram-se para a episteme subjacente à lógica moderna, para a qual se encontrou uma solução complexa e discreta a um só tempo. Como exemplo, pode-se considerar a correspondência entre Bertrand Russell e Frege. Em 1903, a discussão passa a priorizar a extensão lógico-matemática de determinadas antinomias. É a crítica de ideias como classe, conjunto, coleção. O sistema simbólico – escreveu Frege – põe em risco toda a teoria dos conjuntos. Apenas dois anos depois, Russell escreveria On denoting, um artigo destruidor. Nascia a filosofia analítica, com suas denotações e funções quantificadoras. Acontece – como muito acontece com a lógica-matemática – de soluções trazerem mais problemas. Explora-os o Principia mathematica.

Com a crítica à ideia fregiana de que o conceito só existe mediante prova, assinalada pela própria escrita funcional, certos aspectos da teoria kantiana vieram à tona novamente. Trata-se do conflito entre a completude transcendental e a incompletude concreta, o que passou despercebido até 1930, momento em que se abalaram as certezas epistemológicas do criticismo. Nesse sentido, tudo começou com Frege, que apartou sintaxe e metafísica. A partir de 1879, Frege notabiliza-se pelo estudo de Carl Friedrich Gauss, sobretudo sua conjectura. Ao longo da década de 1890, ele enriquece sua sintaxe com o objetivo de responder ao programa dos “Fundamentos da aritmética”. A seguir, surgem as Investigações lógicas, arvoradas, de novo, em Gauss, a partir de conversas com Wittgenstein. Enfim, a separação entre pensamento, sintaxe e matemática.

Com a morte de Frege, vários pensadores do porte de um Russell, Gödell e Wittgenstein inauguraram o direito à continuidade. Afinal, “o gênio segue o caminho que a natureza escolhe para fazer conhecer as maneiras pelas quais aceita ser dita”.

 


(Os organizadores deste colóquio solicitaram que uma luz indireta fosse lançada sobre o tema em debate. Agradeço-lhes por isso. Algumas palavras de explicação me servirão de introdução.)

“Frege, mais uma vez?’’, poderiam objetar-me. Já não se disse tudo o que era preciso, ou que era suficiente dizer, depois que Russell o convenceu de uma antinomia? E por que voltar-se para o início do século, evocar uma história inteiramente local transcorrida nas fronteiras da matemática e da lógica, quando hoje se discute uma crise da razão de envergadura filosófica, que ameaça todas as ordens e todos os lugares do pensamento? Quando a concretude ou a experiência põem em xeque nossas conceitualizações, lentas e monótonas por definição? Quando uma história não é mais universal, e o comum de nossas vidas fomenta sua própria inteligibilidade, mas vira do avesso as consciências absolutas?

Concedam-me esse retorno à virada do século em favor de duas hipóteses. A primeira refere-se à maneira como uma contradição que afetava a busca de novos princípios para as matemáticas foi resolvida. Ainda que a restrinjamos à duração temporal que efetivamente teve, ela multiplica seus traços exemplares e talvez não tenha cessado de instruir. A longo prazo, o racionalismo terá aprendido com ela, como dizia Wittgenstein, referindo-se à lógica, a “tomar conta de si mesmo’’. A segunda hipótese tem a ver com a delimitação dessa história. Ainda que nos limitemos aos fatos, que os inscrevamos nos tempos e nos domínios (lógico, matemático, filosófico, linguístico e outros mais) em que de fato operaram, e por menos que sigamos pacientemente algumas de suas implicações, é possível que esse lugar-comum da pedagogia filosófica que se tornou o nascimento da lógica moderna, e o episódio da antinomia das classes que lhe serve de ornamento, esteja mais intimamente relacionado com nossas incertezas contemporâneas do que o admitiríamos a princípio. Por não perceber isso, a filosofia tentou em vão se convencer de que se tratava apenas de uma crise das ciências, buscando o argueiro para não ver sua trave, espezinhando algumas premissas impossíveis para não se inquietar com suas próprias operações.

Assim voltarei a essa contradição materializada no início do século nos confins da matemática e da lógica. Para a maioria dos matemáticos, se acaso perceberam sua ressonância, ela não era mais que um grão de areia numa máquina de alta precisão. Bastava eliminá-la. Para outros, a questão estava menos na contradição que em seu aspecto enigmático. A incompetência brutal de operações intelectuais tidas por elementares e ancestrais não os deixaria em paz. Daí que a crise tenha recebido duas soluções. A primeira, imediata, foi dada por Russell nos quadros da epistemologia clássica. Foi uma solução precária. A segunda, que levou mais tempo para ser formulada, naqueles anos do entreguerras ansiosos por resultados imediatos e pouco propícios a desvios, foi obscurecida ou protegida por sua singularidade. Desde então, suas consequências refluíram, incognito, da matemática para a filosofia. Seus efeitos chegam até os nossos dias.

É essencialmente para esse segundo episódio, em geral mal distinguido do primeiro, que gostaria de dirigir a atenção. Ao sublinhar um processo de laicização e de objetivação da razão, não estarei fugindo ao tema deste colóquio. Que eu possa contar com um pouco da indulgência do leitor por ter de começar evocando alguns dados em seu grau de abstração correspondente, com a promessa de não me demorar neles. A exposição terá três momentos.

Partirei da antinomia das classes e de sua solução breve. Seguir-se-á um retorno às intenções epistemológicas e filosóficas subjacentes à constituição da lógica moderna. Dada a responsabilidade implicada por sua crise, elas exigiram uma solução ao mesmo tempo mais complexa e mais discreta que a primeira. Essa solução teve uma amplitude e uma fecundidade completamente diferentes. Será necessário ainda considerar algumas de suas consequências que na minha opinião estão relacionadas à própria textura do racionalismo contemporâneo. O objetivo aqui não é encadear os dois episódios, mas estabelecer uma ponte entre a singularidade de uma crise, aflorada por uma contradição e denunciada com perspicácia por Russell, e todas suas ressonâncias. Veremos que a questão, ainda que suscitada por algumas cartas trocadas entre Frege e Russell, desenvolveu-se circularmente à maneira de uma onda, e em todas as direções do tempo e do saber. Ela ocupa um período filosófico que nos envolve, e se estende entre a herança do criticismo kantiano e os esforços de Wittgenstein (mas de outros também) para nos livrar de algumas “cãibras mentais’’.

A desordem instalou-se num domínio, o da lógica, que se acreditava além dos meteoros e das turbulências humanas. Ela perturbou nossa crença no a priori e afetou por um tempo a confiabilidade de nossas linguagens. Ocasião talvez de perdermos as ilusões a respeito do primeiro e de nos preocuparmos com as últimas.

1

Partamos do ponto de afloramento. Em 1903, Russell, filósofo e matemático inglês engajado na reconstrução axiomática do corpo das matemáticas clássicas, escreve a Frege, matemático de Iena que o havia antecedido no mesmo projeto. Dirigida a um interlocutor de discernimento, sua carta punha em evidência o que desde então chamou-se a antinomia das classes. Uma contradição envolvendo o conceito de classe de todas as classes colocava em perigo todo uso ingênuo do que era chamado ainda, e de maneira aproximadamente equivalente, classe, conjunto, coleção. Uma operação que aparentemente trazia em si sua própria evidência, uma noção que se supunha capaz de estender o senso comum para as matemáticas como outrora o fizeram a reta ou o círculo euclidianos, fazia tropeçar a inferência. Frege reconheceu sem demora que o sistema simbólico no qual se expunham suas Leis fundamentais da aritmética era vítima da mesma antinomia, e que esse defeito afetava toda teoria dos conjuntos ingênua.

Seguindo a mesma linha de pensamento, Russell engajava-se na busca daquelas noções que prometem o que não podem dar. Apenas dois anos mais tarde ele publicava “On denoting” (1905), um artigo destruidor sobre os operadores discursivos da referência. Esse ensaio foi com razão considerado como o manifesto da filosofia analítica. Ele propunha um método de decisão para as proposições em que figuram termos aparentemente definidos mas cuja pretensa objetividade é uma impostura. Assim a expressão “O presente rei da França” associa a designação própria ao artigo definido (o) e um sintagma (“presente rei da França”) que a ela se furta. Russell dissolve então todo enunciado em que figura tal expressão “denotante’’ em três proposições decidíveis empiricamente. O ponto técnico, mas essencial, está no uso de funções quantificacionais para distribuir as asserções de existência. Mas ninguém duvidava que elas tivessem um poder analítico aplicável de saída às opacidades discursivas. Esperava-se delas, em resposta às esperanças de Leibniz, um operador tão discriminante em sua ordem quanto o havia sido a luneta de Galileu para curar a fraqueza do olhar da carne. O exemplo que Russell escolhera, não desprovido de humor, tornou-se por muito tempo o paradigma da análise.

A proximidade temporal é esclarecedora. Russell havia — aparentemente, pelo menos — ajustado e apropriado para seus fins a lógica fregiana, ao encontro das quais suas próprias pesquisas o haviam conduzido. Simultaneamente, engajado com a ajuda de Whitehead na redação dos Principia mathematica, concebia diversos meios para evitar a antinomia das classes. A teoria dos tipos, sobre a qual fixou sua escolha, é o mais conhecido. Ele esboçava uma nova continuidade entre a ciência e a experiência, na qual sua lógica funcionava como um eixo de simetria. De um lado, os usos estritamente críticos corrigiam a linguagem comum de suas maneiras inadequadas, a exemplo da navalha de Ockham. De outro, a hierarquia dos tipos lógicos habilitava seus usos constitutivos. A fecundidade matemática do empreendimento devia em troca confirmar a solidez do formalismo russelliano e a legitimidade de seus decretos ockhamianos. Instalava-se um criticismo de um novo gênero, sem faculdades transcendentais, sob cujo governo a experiência ainda circularia de uma ponta à outra do saber. Nele, a análise impunha suas exclusões e suas traduções.

O conjunto faria por muito tempo jurisprudência, e ninguém contestava a arbitragem de Russell. Além disso ele era, de modo verossímil, o único a poder seguir e corrigir o empreendimento de Frege. Peano não se enganara ao recomendar-lhe os escritos do matemático alemão, particularmente os textos simbólicos que ele próprio havia desistido de ler. Num primeiro momento, o sentido matemático da escrita funcional de Frege era fortemente limitado, e seu sentido geral e lógico, mal revisado por Russell, achava-se mobilizado para os fins críticos da análise das linguagens comuns.

Duas décadas mais tarde, a perspectiva havia mudado totalmente. Por um lado, a teoria russelliana dos tipos era abandonada em benefício da teoria axiomática dos conjuntos. E sabemos que Zermelo havia trabalhado nela antes que fosse concluída a redação dos Principia mathematica. Quanto à quantificação fregiana, simplificada em seu simbolismo e tirada do contexto fundacional a que fora secundária e desastradamente associada, ela havia encontrado seu lugar natural na prática dos algebristas. Para citá-los, ela seria aí a “lógica subjacente’’ às matemáticas. Por outro lado, depois de o Tractatus ter estabelecido as condições de efetividade da análise russelliana, Wittgenstein passara a duvidar que esse “cálculo’’ tivesse capacidade de regulamentar o uso e o comum da experiência, a começar pelos enunciados acerca da cor. De resto, a análise não havia podido eliminar de maneira convincente os termos dêiticos, e Russell sabia desse fracasso. A exigência de extensionalidade chocava-se de frente com as coerções da enunciação. Estamos então no limiar dos anos 30, no momento em que o aparelho simbólico herdado de Frege era submetido à prova da metamatemática.

Todos sabemos que os dois primeiros teoremas de Gödel estabelecem a completude da quantificação da primeira ordem — essa sintaxe funcional a partir da qual os algebristas haviam feito sua gramática — e a incompletude de todo sistema que inclui a axiomática de Peano. Eles davam assim uma resposta negativa às hipóteses de Frege e de Russell. Sabemos menos que isso ocorre nos próprios termos de Frege. Gödel diria mais tarde, numa coletânea em homenagem ao autor dos Principia mathematica, o quanto a sintaxe de Frege primava em clareza e em exatidão sobre o simbolismo de Russell. Mais ainda. Segundo uma maneira rápida mas não enganosa de enunciar o teorema de incompletude, este afirma que, num sistema que inclui a axiomática de Peano ou seu equivalente, há uma proposição verdadeira em seus termos que, contudo, escapa às transformações e generatividades desse sistema. Ora, Frege havia intitulado sua primeira obra Begriffsschrift, precisando que entendia por conceito (Begriff) somente aquilo que importava para a prova. A hipótese que o orientava era portanto que uma ciência se iguala a suas provas, e que as provas, por sua vez, são cobertas por um desenvolvimento de sua escrita funcional. Desse modo havia aberto o caminho para a Beweistheorie hilbertiana. Meio século mais tarde, a resposta, negativa sobre o segundo ponto, sendo essa a incompletude, lançava igualmente uma dúvida sobre o primeiro. Ela excluía, em todo caso, uma concepção do conhecimento que se ufanaria de uma equação qualquer a priori entre o campo do saber e a unicidade de um sistema discursivo que permitisse o acesso a ele. Aqui Frege via-se julgado em seus próprios termos, e seu empreendimento confrontado com suas premissas. Estas revelavam então uma hipótese kantiana. Tal resposta havia submetido, deixando de lado os meios que Frege empregara, a completude transcendental promulgada in abstracto à prova gödeliana e ao resultado da incompletude que, embora dada in concreto, mesmo assim desempenhava o papel de um irrecusável contra-exemplo. Operando na primeira publicação fregiana (1879), independente das classes e de sua antinomia, tal hipótese não havia sido percebida antes da metamatemática dos anos 30. Essa difração inesperada desconcertava as certezas epistemológicas do criticismo. Ela distribuía a crise pelos diferentes níveis que havia permitido dissociar. A contradição das classes retornava a seu papel de advertência, mais próximo do paradoxo dos objetos simétricos que da antinomia da razão pura. Quanto ao incidente sintático que suspendia a operação transcendental, seu sentido filosófico não seria definido tão facilmente. Em todo caso ele excluía a possibilidade de redistribuir essa história entre um resultado metamatemático fechado sobre si mesmo e uma confirmação do criticismo em seus imperativos de limitação.

Assim, de acordo com o intervalo de tempo que consideramos, a aporia indicada por Russell muda de sentido. Ou ela adere à sua formulação local e depende de uma terapia imediata, ou, se levarmos em conta seus efeitos a longo prazo, os desenvolvimentos que a acompanham e os que ela suscitou trazem de volta o primeiro diagnóstico e deslocam as soluções possíveis. Tentarei agora indicar, sob os episódios brevemente descritos até aqui, os problemas que lhes deram seu sentido filosófico. Problemas que não pertencem mais à história da matemática, na qual, estando restrita à sua factualidade, a antinomia não terá sido senão um avatar menor.

2

Tal recorte no tempo não deixa de acrescentar um aspecto experimental à invenção dessas estruturas discursivas primeiras, mal discerníveis do pensamento, talvez sua realidade inalienável, cuja unicidade era garantida por toda a filosofia clássica sob o nome de lógica. Esse processo de laicização teve início assim que Frege decidiu oferecer uma formulação efetiva do “pensamento puro’’ (Formularsprache des reinen Denkens, tal era o subtítulo da Begriffsschrift). Esse primeiro passo se veria confirmado quando a consciência sintática, que tal processo tornara possível, tivesse prevalecido sobre as hipóteses transcendentais. É preciso também voltar brevemente à sequência dos escritos fregianos que articulam os primeiros episódios dessa laicização. Indicarei os aspectos cujos desenvolvimentos chegam até os dias de hoje. Eles delineiam claramente o excesso de intenções que confundiu as primeiras formulações até levá-las à contradição, excesso no qual as antigas vantagens e as novas possibilidades se recobriam aventurosamente.

Consideremos três momentos no enfoque daquilo para o que Frege, tendo afastado o termo lógica, a bem dizer não tinha nome, daquilo que Quine irá chamar teoria da quantificação e os matemáticos linguagem de primeira ordem. De 1879 a 1924, esses momentos ocupam meio século. Com o tempo, a sintaxe quantificacional cobraria por sua eficácia uma renúncia aos fins epistemológicos que a haviam suscitado. Vista sob esse ângulo, a obra de Frege expõe então claramente suas determinações. O ponto de partida seguia uma conjetura que Gauss havia confiado a Olbers numa carta de 1817, opondo à geometria o caráter propriamente a priori da aritmética. Isso não causa surpresa, num jovem matemático que havia estudado e defendido suas teses em Göttingen, numa universidade marcada durante muito tempo pelo ensino do princeps mathematicorum. O segundo período, isto é, a década de 1890, ao longo da qual Frege sobrecarrega sua primeira sintaxe para responder ao programa dos Fundamentos da aritmética, é claramente influenciado por Kant. Veremos como Frege se apropria do juízo sintético a priori. Vêm a seguir as Investigações lógicas (1916-24). Elas são contemporâneas das conversações com Wittgenstein, num momento em que Frege retoma a matemática de Gauss. Esses últimos são textos em graus diversos inacabados, bastante precisos porém para que o episódio fundacional apareça aí definitivamente encerrado. Entre a lógica conceitual dos transcendentalistas e o formalismo dos anglo-saxões, a sintaxe — conceito novo para os filósofos, que talvez ainda não o tenham reconhecido suficientemente — havia imposto sua intermediação e depois conquistado sua identidade.

Caracterizemos por suas opções materiais cada um desses momentos, cuja trajetória é agora clara. Em 1879, Frege quisera livrar-se das articulações e unidades próprias às línguas naturais. Tal era o sentido primeiro daquela “escrita da prova’’ ou Begriffsschrift. Ele introduzia, em troca, uma diversidade de funções suficientes para a expressão da ordem e da recorrência, noções que provinham da topologia e da aritmética. O sistema é então constituído de expressões primitivas e de suas transformações. Daí a propriedade generativa, própria aos sistemas do “tipo Frege-Russell’’, aqueles dos quais a gramática transformacional seria um exemplo mais flexível. Essas transformações, que as regras induzem dos axiomas, especificam a totalidade das expressões demonstráveis. Ao mesmo tempo, elas subordinam as demonstrações às escritas efetivas. Frege contentava-se com a generatividade do sistema, ao associar a cada fórmula a árvore genealógica de sua demonstração. Nenhum índice permitia até então entrever um conflito, nem sequer uma simples divergência, entre os recursos do sistema e as intenções definicionais e demonstrativas a que ele devia servir. Tal sintaxe não desmerecia portanto o termo com que Frege honrava seu sistema: nele havia de fato construção (Aufbau) dos conceitos de ordem e de sequência ordenada a partir de funções elementares, sem nenhum recurso à intuição espacial ou temporal. Por sua vez, o raciocínio por recorrência ajustar-se aos desenvolvimentos de uma sintaxe que se dirá feita “sob medida’’. A objeção de Poincaré, situando a recorrência fora das vias ordinárias da inferência, era aí anulada de antemão.

Certamente, era muito pedir ao mesmo tempo: prova, generatividade e transporte de conceitos “ingênuos’’ a uma gramática que possibilitasse sua análise (ou sua tradução) e associasse a eles um regime de inferência conveniente. Mas podia-se ainda querer conciliar Gauss com Kant, e pensar que as conjecturas do primeiro se inscreveriam, ao preço de alguns complementos, numa epistemologia clássica. Até por isso, a efetividade sintática se fizera pagar por seus serviços singulares reduzindo às suas próprias condições o demonstrável e o definível.

É talvez para contornar esse constrangimento que, por volta da década de 1890, ao mesmo tempo que empreende a redação das Leis fundamentais da aritmética, Frege modifica sua escrita. Por um lado, traduz seus símbolos e os defende como juízo de existência e juízo de recognição — termos autenticamente kantianos. Por outro, materializa, através de símbolos e de uma lei próprios, as noções semânticas de verdade e de objeto. Elas vinham substituir as constituições imateriais do sentido. Assim não se omitia nenhum dos pontos cardeais de uma constituição epistemológica que, embora reduzida a seu esqueleto, tinha sido provada havia muito, e em função da qual o objeto é determinado nos confins de seus predicados, e a existência é sancionada por um juízo. É nesse contexto que se introduz a lei V das Grundgesetze, na verdade uma equação que continha a antinomia denunciada por Russell. A intenção kantiana dessas modificações é sublinhada, o juízo de existência ocupando aí o lugar da modalidade, e a igualdade o da recognição. A interpretação existencial da quantificação encontraria aqui, por muito tempo, sua razão de ser, substituindo sem muito custo a experiência possível.

O peso de uma epistemologia clássica confirma-se quando nos reportamos aos artigos publicados na mesma década. Neles Frege justificava as modificações que haveriam de sobrecarregar seu sistema até o naufrágio. Elas o impeliam, sem que o soubesse, para a antinomia, mas aproximavam o uso do simbolismo funcional ao de uma língua natural. Se alimentaram as esperanças da filosofia analítica e, à custa de algumas modificações, as primeiras certezas de Russell, esses escritos paralelos sublinham também as duas intenções contraditórias que neles se cruzam. Revelam o que a compacidade do sistema simbólico não deixa transparecer, a não ser arrancando-lhe uma contradição materializada.

O artigo “Função e conceito” (1891) leva adiante uma identificação primeiro proposta por Kant. Todos sabem que a tabela dos conceitos categóricos da Crítica é herdeira direta da tabela das funções lógicas — funções concebidas por Kant de maneira bastante abstrata (ou liberal) para alinhar potencialmente tanto as funções lógicas clássicas da predicação como as sínteses matemáticas, e para extrair dessa coincidência as categorias da experiência. Mas desta vez a proximidade atuaria em benefício da função em seu uso matemático. A construção fregiana invertia as prioridades; nela o conceito se torna um caso particular de função. Certamente Frege havia ampliado o campo das funções em uso, havia incluído funções lógicas, entre as quais os hoje chamados predicados poliádicos, a igualdade e as fun ções de verdade. Mas assim a tabela kantiana das funções lógicas involuía numa economia sintática que lhe era mais que estranha, francamente hostil. Pois a extensionalidade de tais funções lógicas, intrinsecamente ligadas ao uso matemático, contradizia a operação sintética da apercepção originária, da qual Kant afirmava que toda a lógica depende.

Contemporâneo, o artigo “Sentido e denotação” (1892) refaz o que o outro havia desfeito, entronizando a equação como juízo sintético. Ele compensava a extensionalidade, requerida para as substituições, pela convergência das significações. Assim se escreverá: “O matemático do duque de Florença = o homem que descreveu as manchas do sol”, a saber, Galileu, segundo o modelo: “2+2=4”.

É aqui que a epistemologia de Frege atua contra os meios que havia se conferido. Ela onera com uma lei parasitária a sintaxe à qual se confiara. Pois postula de novo uma adequação entre o objeto do saber e os meios de chegar a ele. A igualdade induz um alomorfo da equação kantiana entre o objeto da experiência e as condições da experiência do objeto. Redefine um uso canônico da intencionalidade e, por fim, constitui o número como objeto. Mas, quando o criticismo dava sua fórmula aos sistemas fenomenológicos, e desse modo indicava seu fechamento, a equação fregiana, definida fora do regime categorial, aberta a todas as substituições de argumento, acabava permitindo uma antinomia da qual o juízo de recognição seria o operador.

A antinomia foi logo apontada, como sabemos, por Russell. Mas foi preciso mais tempo, e a intervenção de Wittgenstein, para que a analítica das línguas naturais, encorajada pelo artigo “semântico’’ de Frege e o manifesto de Russell, reconhecesse o caráter incompatível das duas sintaxes. Quanto à decisão prometida em “On denoting”, ela se remeteria, nos anos 30, ao estudo dos algoritmos e da calculabilidade. As máquinas de Turing representariam um equivalente seu hoje familiar e particularmente impressionante.

As Investigações lógicas, escritas, após doze anos de silêncio, entre 1916 e 1924, abriam um período bem diferente. Chegara o tempo do balanço. Limitemo-nos aos pontos principais dessas Investigações; destacarei três deles. O mais notável é o desaparecimento do sistema de escrita bidimensional a que Frege fora particularmente afeiçoado, traçando à mão grafismos que ninguém, ou quase ninguém, sabia ler. Ao dar a seu simbolismo as duas dimensões da página, essa exposição plana punha seu sistema em afinidade natural com uma geometria de régua e compasso, e suas construções axiomaticamente controladas. Em suma, delineava-se à margem de suas intenções, as mesmas em nome das quais Frege havia recusado os termos de lógica e de formalismo, uma analogia opaca entre a regularidade das figuras, o controle e a generatividade das provas, e o uso singular, prioritariamente matemático, que lhe era confiado. A economia sintática que aí se manifestava, não ainda identificada como tal, faria as vezes de uma intuição geométrica sem inscrever diferença verdadeira, e esse deslocamento parecia comparável às representações imaginárias no plano gaussiano. Ora, o empréstimo à aritmética da célula argumento-função não exigia de fato nenhuma bidimensionalidade. Os parênteses que usamos atualmente suprem isso com elegância e concisão. As dimensões sintáticas, especificadas pelas substituições, tinham um regime de composição próprio, independente daquilo de que eram o símbolo — números, segmentos, subconjuntos… Ao renunciar à escrita bidimensional, Frege aceitava tardiamente e de facto a independência sintática — que, de resto, lhe devia muito. Admitia-se que as dimensões matemáticas e as dimensões sintáticas eram de uma ordem diferente e que era inútil buscar um momento primeiro de coincidência entre o conteúdo do saber e sua expressão. O que havia sido a essência e, em última instância, todo o conteúdo do “logicismo’’. O que seria igualmente, e ainda por muito tempo, o conteúdo indeterminável do que Husserl chamava a origem.

Daí a importância de um segundo ponto. Doravante a quantificação não seria mais interpretada como uma figura lógica do real, indicadora de existência, e como porta-voz de um senso comum. Frege a introduzia no contexto de uma linguagem auxiliar, determinada pelo uso matemático, para o qual ele se apoderava do termo Hilfessprache (linguagem auxiliar). Enfim, um terceiro ponto é a separação lentamente alcançada entre o pensamento, o sintático e o matemático, que é confirmada por um fragmento, por certo enigmático em sua brevidade, no qual Frege se propunha obter uma definição dos números cardinais aritméticos a partir do plano gaussiano dos imaginários. Ninguém pode julgar acerca da viabilidade desse último projeto, mas ele testemunha suficientemente a lucidez adquirida.

Seu diário confirma essa nova consciência. Nele Frege lamenta ter sido enganado pela preeminência do conceito de objeto, e com isso ter tentado derivar o número cardinal do juízo de existência. A epistemologia kantiana encontrava aí seu limite, e com ela a hipótese de uma linguagem do pensamento puro, doravante esfoliada em diferentes sintaxes: “Mas pensar não é falar? Como é possível que o pensamento entre em conflito com a linguagem? Não é esse um conflito em que o pensamento entra em guerra consigo mesmo? A possibilidade mesma do pensamento não encontraria aí seu termo?” (fragmento datado de 1924-5).

Expressão derradeira de seu embaraço, Frege consignava a um conflito entre a linguagem, que havia provado sua resistência gramatical na produção da antinomia e depois autorizado sua multiplicidade sintática na última Investigação lógica, e sua primeira hipótese, a de uma linguagem do pensamento puro. Tal seria a última prova do lógico de Iena. E talvez a última retratação desse idealismo do qual Frege fora o último representante, nessa universidade que abrigara todas as suas metamorfoses.

3

Ficou-se portanto sabendo que o enfoque da sintaxe quantificacional podia ter vários aspectos. Ou teria a feição de uma crise da qual a filosofia faria o diagnóstico e divulgaria o tratamento. Ou se veria que uma invenção intelectual pode ir na contracorrente das imediaticidades filosóficas. Cabe a estas conciliar-se com aqueles mediadores discursivos da inteligibilidade, que não têm nem a medida das coisas nem a medida do sujeito transcendental. Kant teria portanto encerrado uma problemática debatida entre Platão e Protágoras. Mas não era tão fácil formular as novas questões.

Ficou-se sabendo igualmente que a escrita das funções quantificacionais fora exata a partir de 1879, e que então se havia entrado na efetividade dos sistemas discursivos. Ultrapassado esse limiar, restava legitimar sua diversidade e conhecer todas as suas coerções. A explicitação das regras, a eliminação dos elementos heterogêneos ou francamente parasitários iam requerer várias décadas e vários protagonistas — para nos atermos aos nomes citados: Frege, Russell, Gödel e Wittgenstein. Houve outros. Esse primeiro e singular trabalho inaugurava um direito de continuidade. Lembremos simplesmente que ele entrava em consonância com a forte invenção estilística que singulariza o século XIX literário.

Com o tempo, a constituição da lógica moderna havia mudado de sentido. Nela se vira um ponto de partida; verificava-se que era ponto de remate. A matemática herdada de Galileu — uma matemática pela primeira vez regida por uma relação funcional entre diferentes grandezas — havia adquirido sua sintaxe e imposto sua linguagem. Processo incrivelmente lento, mas ocultamente instigador em todos os manifestos de método ou de reforma do entendimento concebidos entre Descartes e Kant. Se recordarmos a definição kantiana do gênio — o caminho que a natureza escolhe para fazer conhecer as maneiras pelas quais aceita ser dita —, essa longa história, latente desde Galileu e bruscamente precipitada na virada do século, efetua e laiciza a função do gênio. Pois a gramaticalização de uma operação matemática, induzida pela física dos corpos pesados e em seguida pela física fundamental, sua passagem pelo plano cartesiano e depois pelo gaussiano, sua involução em sintaxe, não se antecipa nem se aprende — como tampouco o gênio segundo Kant. A não ser demasiado tarde. Não há nem ruptura, nem instante fundador, nem geração espontânea, mas uma produção estilística num sentido muito amplo, no sentido em que Wittgenstein usa o termo quando se interroga sobre o “estilo de Frege’’. Na visão do filósofo foi uma crise, uma vez que uma soberania lhe havia escapado, e ele se via despojado de um privilégio aristotélico (é ao filósofo, lê-se no livro g da Metafísica, que compete enunciar as regras do silogismo). Mas a matemática se viu dotada de certa autonomia, diante da qual ela não se comportaria mal — muito pelo contrário. O modesto empréstimo confessado no prefácio da Begriffsschrift, que permitira a Frege substituir a unidade semântica e epistemológica do sintagma sujeito/predicado pela sintagmação argumento/função, ou melhor, pela célula dialógica que une aquilo de que se fala e o que dele se diz, esse empréstimo aparecerá como uma angulação bem pequena. Mas a declinação não era mais recuperável. Aqui se encerravam um ou dois séculos de hesitação sobre a maneira correta de introduzir diretamente a matemática na filosofia, questão cujas etapas marcaram grande parte de sua história moderna: quer se trate de método, de aritmética da probabilidade, de grandezas negativas ou de sínteses a priori.

A essa produção de uma razão laicizada, acrescentemos alguns caracteres. Uma vez admitida a efetividade sintática, suas descontinuidades e, para dizê-lo nos termos de Frege, suas funções de vicariância (Hilfes sprache), a razão havia mudado de estatuto. Havia se renunciado à unicidade de um núcleo copernicano, responsável por toda verdade possível e seu depositário, que distribuísse sua autoridade às províncias afastadas do saber através das palavras de ordem do formalismo e da análise. Mais do que um núcleo de toda inteligência possível, a razão aparece doravante como o prisma de nossas linguagens separadas. No entanto estas se encontram ligadas umas às outras por sua genealogia e pelo fato, embora obscuro, de que uma sintaxe se aprende e se dissolve no anonimato de uma espontaneidade. Uma gramática, dizia Wittgenstein, é o que produz dimensões suficientes. Portanto estas não são nem necessárias, como o seria uma constituição transcendental, nem adequadas, como o quereria uma fenomenologia adâmica.

Havia-se renunciado a buscar mais uma vez a impossível equação apofântica entre a primeira consciência e a primeira enunciação. De resto, recordar-se-á que fora preciso introduzir nela um sistema de faculdades, e que essa naturalização de uma opção lógica havia requerido um bom século. Não fora preciso menos para que o sistema enunciativo, do Sofista às Investigações lógicas de Crisipo, adquirisse sua fórmula clássica. E para que o aparelho proposicional assim conquistado, o logoeides, como o chamavam os estóicos, se prestasse à exposição euclidiana.

Mas então é preciso admitir bem mais que o admitido por Neurath. Para ele, a dificuldade era reparar um navio a bordo do qual estamos, tendo que fazê-lo peça por peça e em pleno mar. De acordo com Wittgenstein, aqui perfeito observador da sequência de ensaios de Frege, não se trata mais de uma reforma que aboliria com o tempo seu ponto de partida e traçaria uma linha contínua de progresso. Resta evidenciar, aceitar nossas gramáticas separadas, e felicitar-se com isso. A força de Wittgenstein foi aqui mostrar o deslocamento lateral de um jogo de linguagem para outro, que não é nem o mesmo nem totalmente alheio. A invenção se faz por recobrimento e esfoliação, estando antropologicamente excluída a situação de tradução radical sobre a qual Quine fundou em última instância o direito soberano da análise. Essa nova relação de clarificação, definida entre sintaxes a princípio vizinhas, admite e mesmo supõe momentos indecisos, interferências e enfoques retroativos. Nenhuma posição metalinguística governará sua história. Mas ganhar-se-á por ter desdramatizado o episódio antinômico, reconhecido a mistura de duas sintaxes, o que custou a Frege o recobrimento perigoso de uma interpretação predicativa e de uma interpretação substitucional da igualdade. Compreender-se-ão suas hesitações em usar o termo lógica, a não ser adjetivamente. Ainda que criasse uma sintaxe quantificacional de início perfeita, ele a imerge num contexto que postula mais do que ela pode dar. Tal sintaxe inventa-se no enigma de uma relação “orgânica” com o cálculo das funções de verdade, é utilizada como substituto para representar alguns modos silogísticos, e permanece partilhada entre duas motivações extremas. Ora Frege tendia a limitar sua escrita a um formulário matemático suficientemente solto para exprimir a recorrência e a noção topológica de limite, que foram suas primeiras aplicações, ora esperava dela uma expressão do pensamento puro, para a qual buscava garantias atemporais e confirmações antropológicas. Ao cabo disso, não lhe restava senão provar às suas custas a singularidade da operação kantiana. Pois a identificação transcendental das funções lógicas e das categorias da experiência não era outra coisa, dizia Kant nas páginas muito pessoais do Opus postumum, senão o resultado de uma hibridação — portanto um composto de duas espécies que não teriam descendentes.

Tampouco nos surpreenderemos com alguns traços, mais insólitos ainda, na constituição do racionalismo. Sua gestação é temporal, externa, comprometida em seus simbolismos efetivos, passível de lentos retoques, e não decide quanto a seus bons usos. Mas nos deteríamos na metade do caminho se víssemos aí nada mais que a “reviravolta lingüística”, que passa ao primeiro plano nos anos 50. O reconhecimento da mediação sintática, a exterioridade do pensamento a si mesmo, a necessidade de julgar a linguagem do interior mesmo da linguagem já se haviam imposto amargamente a Frege bem antes. Ele fora o primeiro a deplorar o que Wittgenstein chamará a prisão da linguagem. Uma nota das Investigações lógicas lembra que o lógico não partilha a feliz situação de um naturalista, o qual pode pôr na mão de seu interlocutor uma amostra mineralógica. Isso não impede que a invenção gramatical, demasiado preguiçosa ou imprópria, se quiserem, para tomar iniciativas, certifique com atraso uma dissidência do sensível onde se agita a inesgotável exterioridade. Para a história na qual Frege desempenhou seu papel, falava-se então da aritmetização das matemáticas, para as quais as construções geométricas não eram mais suficientes. Era o tempo de Gauss, no qual o plano de representação havia definitivamente perdido sua identidade euclidiana. E por mais algum tempo honrar-se-ia seu primeiro título de aritmético, até que a topologia dos conjuntos e as funções associadas tivessem afastado as construções por régua e compasso.

Não seria difícil, mas demandaria um pouco mais de tempo, mostrar como a exigência de dimensões suficientes — o que define a gramática segundo Wittgenstein — encarrega-se da dissidência do sensível fora das categorizações gregas. Testemunha-o a gramática das cores que os manuscritos dos anos 30 de Wittgenstein contrapunham ao Tratactus. Para não falar aqui de uma lógica do sensível, essa gramática mostrava-se tão rebelde à predicação quanto à quantificação. Do mesmo modo, Merleau-Ponty iria contrapor Cézanne ao credo fenomenológico.

A questão prosseguiria até que nosso céu de tempestade se fragmentasse. O momento de crise da razão talvez não tenha sido senão aquele em que a velha pele da serpente se rompe, instante doloroso para quem havia investido nela todo o seu capital filosófico. Mas o consolo será tanto mais rápido se considerarmos que, ao contrário da imagem pronta que acabo de usar, esse invólucro agora demasiado estreito terá sorte melhor que secar à beira do caminho. Dito de maneira mais simples, nossa poderosa herança grega, uma vez envolvida nessa história das determinações intelectuais de última instância e de primeiro uso, na história dessas gramáticas e dessas lógicas cujo tom ela própria havia dado e que o estoicismo constituíra em natureza humana, essa herança retomará sua importância. E ela conservará seu lugar, numa rede não necessariamente tão rica quanto a multiplicidade dos jogos de linguagem, mas servindo talvez como uma genealogia de nossas constituições intelectuais. Assim teríamos ganhado uma nova prudência e um novo lugar de exercício filosófico. Entre a unicidade lógica dos antigos e a invisibilidade proliferante do que não se constitui mais em mundo, o lugar e a ocasião estão abertos para essas porosidades gramaticais que filtram e domesticam sua estranheza.

Matéria antropológica ou de ciências humanas? Elas já trabalharam muito aí. E quem se escandalizará com isso?

Tradução de Paulo Neves

Revisão técnica de João Vergílio Cutter

 

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