1986

Eu vi um Brasil na TV

por Maria Rita Kehl

Resumo

A TV Globo, desde que passou a transmitir em rede uma programação única e de produção centralizada, cumpriu um papel importante: se tornou um eficiente veículo de integração nacional. Suas imagens únicas percorrem o Brasil e contribuem para transformá-lo em um arremedo de nação, cuja população, unificada não enquanto “povo” mas  enquanto público, articula, uma mesma linguagem segundo uma mesma sintaxe. Entretanto, enquanto um terço de sua população se integra de fato numa ordem capitalista dominante e tem condições de participar, bem ou mal, da distribuição de bens produzidos por essa ordem, dois terços se integram apenas ao nível do imaginário.

O sinal da TV Globo do Rio de Janeiro (Canal 4) foi ao ar pela primeira vez em abril de 65, um ano depois do golpe militar de 64. No começo de 1966, com uma mudança na concepção do que poderia vir a ser o veiculo televisão, a emissora deixa de ser dirigida por gente do meio artístico e jornalístico e passa a ser comandada por homens de publicidade e marketing, tendo na cabeça Walter Clark. A partir de então, a Globo passou a ser pensada como um empreendimento comercial, a programação passou a ser pensada em função das estratégias de comercialização da televisão e o que importava não era fazer arte, era fazer o melhor negócio possível, fazer uma programação líder, distribuindo os recursos entre o maior número de programas possível e mantendo um padrão de qualidade homogêneo entre eles.

Depois do golpe militar o governo brasileiro mudou os termos de suas relações com o empresariado nacional e a coincidência entre o estilo empresarial de Roberto Marinho e o estilo do novo governo foi fundamental para o sucesso da TV Globo. Com a ajuda valiosa da empresa norte-americana Time-Life, a TV Globo torna-se uma das primeiras emissoras do mundo em tecnologia e padrão de qualidade.

Em depoimento a Funarte, Otto Lara Resende, um dos ideólogos que assessorava a direção da Globo, afirmou: “O modelo da Globo é o modelo de uma cadeia americana, até na publicidade. Tudo, até o linguajar, é americano, a determinação de que um documentário tem 40 minutos, porque a atenção do espectador comum dura 12 minutos por segmento, tudo isso vem estudado e cronometrado dos EUA. A tecnologia é americana.”

A relação da Globo com o capital e a tecnologia norte-americana não só tornava a empresa rentável e independente de auxílios estatais diretos, como permitia que ela se estruturasse segundo um modelo empresarial multinacional, compatível com a mentalidade do governo militar, desde seu início.

Com a melhoria da qualidade e incremento da programação nacional em horário nobre a partir de 1970, a Rede Globo se consolida. Trata-se, nesse período, de uma indústria moderna, fabricando um produto de ponta — o Padrão Globo de Qualidade —, veiculando um discurso emergente — a ideologia desenvolvimentista — e divulgando as novas realizações do ‘milagre’ econômico. Nesse período também as telenovelas da Globo modernizam sua linguagem, ultrapassando os limites impostos pelos estúdios e pelo modelo de teleteatro e superando sua dependência em relação aos dramalhões mexicanos e cubanos que lhes deram origem. Apesar de a fórmula básica da telenovela ser a dos boletins europeus do século XIX, a imagem adequou-se as exigências de credibilidade dos tempos modernos. A Globo passou então a investir o talento de seus autores no lucrativo terreno da realidade brasileira.

Os autores e diretores de telenovelas passam a falar cada vez mais em realismo, realidade brasileira, vida real, procurando imitar em suas obras as aparências da realidade e favorecendo ainda mais a identificação emocional dos espectadores com os dramas vividos na tela. Na tentativa de resolver uma suposta contradição entre ficção e realidade, criada muito mais no plano das relações com a censura do que no plano estético, os autores falam em acrescentar as suas novelas “doses de realismo” ou “níveis de realidade”.

Nos enredos das principais novelas que a Globo levou no horário das 20h nos anos de 1970 a 80, vai ficando clara a evolução do namoro entre a telenovela e a realidade brasileira, assim como os limites dessa aproximação. Destaca-se a imagem do herói, à maneira do herói romântico do século XIX: o herói da novela das oito também é o homem (ou a mulher, mais para o final da década) que perdeu a noção de totalidade — a identificação com que comunidade de origem —, perdeu as raízes e se encontra sozinho, frequentemente em conflito diante do resto da sociedade. Mas na novela (ao contrario do herói romântico que em geral leva seu individualismo ao limite, encontrando um fim trágico e solitário), o maior desejo do herói desajustado é a reintegração, e nessa busca ele se desloca em dois sentidos: o da ascensão social e o da modernização de seu comportamento.


Eu vi um Brasil na TV

Se a TV Globo cumpriu nos últimos 16 anos (desde que passou a transmitir em rede uma programação única e de produção centralizada, em setembro de 1969 — quando estreou o “Jornal Nacional”) um papel importante, de fazer deste país fragmentado que é o Brasil alguma coisa parecida com uma nação civilizada, isso se deve ao fato de ter-se tornado um eficiente veículo de integração nacional. São cinco emissoras geradoras em rede (o número máximo de emissoras para um mesmo grupo proprietário, permitido pelo Código Nacional de Telecomunicações vigente), mais 36 emissoras afiliadas (maneira tranquila de se contornar a limitação de geradoras imposta pelo código, uma vez que a geração da programação é totalmente centralizada em São Paulo e Rio) e centenas de estações repetidoras municipais. Esta imensa rede transmite uma única programação para cerca de 75% dos 15 milhões de aparelhos de televisão existentes no país,[1] ou seja, para dois terços dos 75 milhões de telespectadores brasileiros. Em 1980, são 50 milhões de pessoas recebendo (nos horários de pico de audiência) os sinais emitidos pela Globo diariamente. Sinais que percorrem 4 220 quilômetros do território brasileiro, “do Oiapoque ao Chuí”

O aspecto propagandístico dos números acima pode encobrir sua significação. Essas imagens únicas que percorrem simultaneamente um país tão dividido como o Brasil contribuem para transformá-lo em um arremedo de nação, cuja população, unificada não enquanto “povo” mas enquanto público, articula, uma mesma linguagem segundo uma mesma sintaxe. O conteúdo dessa linguagem importa menos do que seu papel unificador, uniformizador: a integração se dá ao nível do imaginário. Ligados, em cadeia nacional, na fala (geralmente apaziguadora, veremos) da rede Globo, estamos de alguma forma pertencendo a um todo unitário que nos contém e nos significa enquanto brasileiros de um outro Brasil. Não mais o país agrícola representado pelo Jeca Tatu, não mais o “subdesenvolvido” cantado pelas esquerdas que chegaram a ter um papel cultural importante na década de 60.[2] Trata-se agora do Brasil moderno, urbano, industrializado. Trata-se de um país que ingressou (a reboque, mas esse é outro papo) na era mais avançada do capitalismo. Nós, o público global, brasileiros de um outro Brasil, nos vemos refletidos todos os dias nas imagens de uma sociedade de consumo. Enquanto público e enquanto mercado consumidor: assim se di a integração dos brasileiros via Embratel.

Televisão e integração nacional: a inclusão de subculturas isoladas entre si e distantes dos centros de produção cultural, numa visão de mundo clara, ordenada, unificada. Publicidade e integração nacional: a inclusão de subculturas isoladas entre si etc. etc., numa ordem de desejos, símbolos e hábitos próprios de uma sociedade de consumo. Na esteira dessa “integração”, vamos nos acostumando a pensar que existe uma possibilidade de evolução social justa, que vai no sentido do inculto/despossuído ao aculturado/consumidor; que essa evolução é fruto do trabalho dos meios de comunicação, motivadores fundamentais de desejos de progresso entre os até então marginalizados; e que tais veículos de propagação da modernidade são movidos em interesse do mesmo progresso, pela verba publicitária das empresas produtoras dos bens de consumo cuja posse (ou cujo mero desejo de posse) virá integrar os marginalizados nos estatutos da civilização. Um círculo supostamente progressista que se fecha — e gira sobre si mesmo.

Alguns dados utilizados pelos publicitários no traçado de estratégias para o alcance de seus objetivos mostram-nos, entretanto, que a esperada “evolução natural” da justiça social no país não se dá através desse eixo produção/comunicação/consumo, O que as empresas de publicidade consideram como seu público significativo, e que inclui as chamadas “classes” A, B, C e D segundo critérios de avaliação do índice Potencial de Consumo (IPC) de cada uma, são apenas cerca de 40 milhões de brasileiros.[3] Dos 126 milhões de brasileiros recenseados em 1980, apenas menos de um terço pode ser, considerado mercado consumidor, em termos do que interessa à publicidade e, consequentemente, à televisão e a toda a indústria cultural. E mesmo que a televisão atinja residualmente grande parte dos outros 86 milhões, ela não se dirige a eles. Não trata de seus assuntos — eles não importam.

Assim se cria uma nação esquizoide: enquanto um terço de sua população se integra de fato numa ordem capitalista dominante e tem condições de participar, bem ou mal, da distribuição de bens produzidos por essa ordem, dois terços se integram apenas ao nível do imaginário. São os consumidores potenciais (por enquanto, e televisão ainda não alcança a metade deles) das imagens, mas não dos bens concretos, de um país “em desenvolvimento”. Assim se cria uma realidade política também esquizoide: se os objetivos econômicos dos pretensiosos Planos Nacionais de Desenvolvimento não foram alcançados, e o milagre brasileiro há muito deixou de existir, por outro lado os objetivos políticos da Política Nacional de Cultura, traçados no governo Geisel/gestão Ney Braga (pós-milagre, portanto), estão sendo cumpridos, com a contribuição fundamental da maior rede de televisão do país, a 6º do mundo.[4]

O PND fala em integração nacional, “com significado primordialmente econômico-social; destina-se, do ponto de vista da demanda, a criar um mercado interno capaz de manter o crescimento acelerado e autosustentável e, do ponto de vista da produção, a permitir a progressiva descentralização econômica” (“Estratégias do Desenvolvimento Nacional” e “Política de Integração Nacional”). Não é preciso uma análise dos rumos da economia nacional na última década para se constatar que a integração nos termos propostos acima não se deu.

Já, o PNC, de 1976, propõe: “A plenitude e a harmonia do desenvolvimento (do país) só podem ser atingidas com a, elevação da qualidade dos agentes do processo que a integram. Uma pequena elite intelectual política e econômica pode conduzir, durante algum tempo, o processo de desenvolvimento; mas será impossível a permanência prolongada de tal situação. preciso que todos se beneficiem dos resultados alcançados. E para esse efeito é necessário que todos, igualmente, participem da cultura nacional. Dessa verificação resulta, desde logo, a conclusão de que a Política Nacional de Cultura não se destina a uns poucos brasileiros, mas a todos os brasileiros”.

Como a visão militar a respeito da cultura é bastante atrasada, o PNC, ainda em fins da década passada, só consegue conceber uma política cultural “entrelaçada com as políticas de segurança e desenvolvimento; significa, substancialmente, a presença do Estado como elemento de apoio e estímulo à integração do desenvolvimento cultural dentro do processo global de desenvolvimento brasileiro”. Tal visão, entretanto, pode ser adaptada, dentro ainda dos interesses governamentais, a uma dinâmica social mais moderna e mais ajustada à realidade da tal sociedade de consumo (que pressupõe um certo liberalismo, ideológico ao menos), que se pretende seja a brasileira. Em 1977, Eduardo Portela (ainda não ministro da Educação) discursa na Escola Superior de Guerra. Em sua conferência sobre “Política Cultural e Desenvolvimento”, Portela demonstra uma visão mais liberal do papel da cultura, que a seu ver deve ser um bem como outro qualquer, adquirido como em supermercados. “A Cultura deve ser constante e ilimitada — civilizadora das cidades /…/ Assim como numa grande cadeia de supermercados, os bens culturais devem ser cada vez mais acessíveis à população”. O papel do Estado, para Portela, deixa de ser centralizador e controlador da produção cultural para ser o de “viabilizar um sistema cultural efetivo”. Assim, “o sucesso de um Plano Nacional de Cultura mede-se pelo índice de consumo cultural, mais do que de produção. É necessário integrar culturalmente a sociedade. A cultura é a grande força motriz da sociedade”.

É dentro dessa visão que podemos compreender o papel da Rede Globo no desenvolvimento da sociedade brasileira nos últimos 20 anos. Não diretamente controlada, mas viabilizada pelo Estado, a televisão é a grande cadeia de supermercados distribuidora de bens simbólicos, que realizou o sucesso do PNC não pelos índices (ou a qualidade) da produção cultural, mas pelo seu consumo. Foi a grande distribuidora de renda simbólica desse país. Foi a concretizadora, ao nível do imaginário, dos sonhos e promessas do milagre brasileiro — que concretamente não se cumpriram.

Uma televisão moderna para um país nem tanto

O sinal da TV Globo do Rio de Janeiro (Canal 4) foi ao ar pela primeira vez em abril de 65, um ano depois do golpe militar de 64, que atrelou definitivamente a economia do país ao capitalismo internacional. Nessa época, Roberto Marinho já representava o modelo do empresário sólido e, em termos do que interessa (sua capacidade administrativa), responsável. O Jornal 0 Globo existe desde 1925, e 40 anos depois já estava fortemente estabelecido no Rio de Janeiro e no país. A Radio Globo foi inaugurada em 1944, e estava começando a liderar a audiência nacional no mesmo ano da inauguração da emissora de televisão.

A princípio, a inauguração da TV Globo não representou nenhuma ameaça às outras emissoras de televisão já estabelecidas . Nos seis primeiros meses de existência, a Globo não se diferenciou do modelo de televisão “tradicional”, pegando o último lugar na audiência carioca. A direção da nova emissora, formada por profissionais de rádio, TV e jornalismo (Rubens do Amaral, Abdon Torres, Mauro Salles), não fez nada que distinguisse externamente a Globo de suas concorrentes. Mas um modelo de empresa de comunicações mais avançado em relação As outras emissoras de televisão já estava sendo implantado na Globo. Alguns de seus profissionais (o próprio Mauro Salles, por exemplo) haviam se preparado nos Estados Unidos para gerir a nova emissora.

A virada da Globo se dá no começo de 1966, com uma mudança na concepção do que poderia vir a ser o veiculo televisão: a emissora deixa de ser dirigida por gente do meio artístico e jornalístico e passa a ser comandada por homens de publicidade e marketing, tendo na cabeça Walter Clark, homem que pensou a televisão nos termos da indústria da propaganda. A partir de então, a Globo passou a ser dirigida por critérios que os atuais ideólogos da emissora qualificam como “profissionais”, ou seja: pensada prioritariamente como um empreendimento comercial, e só em consequência disso com um veiculo divulgador de arte, cultura, entretenimento, informação. A programação passou a ser pensada em função das estratégias de comercialização da televisão. Aliás, a primeira coisa que a Globo organizou em termos mais eficientes foram as formas de relação com o anunciante. Em consequência disso, mudaram as estratégias da concorrência pela audiência.

Explico, baseada em entrevista com o jornalista e publicitário Mauro Salles: na época “selvagem” da televisão brasileira, o preço e a colocação dos anúncios eram barganhados um a um com cada anunciante, e os resultados dependiam do poder e das manobras de parte a parte. Nessa época, todas as emissoras concorriam pela audiência no horário nobre (das 18 h As 22 h), horário caro, bastante concorrido pelos anunciantes. Os outros horários eram abandonados e, em consequência (ou como causa?), tinham poucos anúncios. A Globo introduziu o sistema de “rotativos”: padronizou o prego do tempo de comercial e passou a negociar apenas com “pacotes” de horários, isto quem quisesse anunciar no horário nobre era obrigado também a colocar sua propaganda em outros horários. Ao meio-dia, às 16 h e As 23 h, por exemplo. Assim se preenchia o tempo comercial dos horários ditos não nobres Em consequência, a estratégia de concorrência pela audiência se modifica. A Globo passa a penetrar lentamente nos outros horários, os horários “abandonados” pelas outras emissoras. Um telejornal na hora do almoço. Filmes infanto-juvenis à tarde. Uma sessão de cinema (“Sessão das Dez”, apresentada por Célia Biar) à noite. No dizer de Mauro Salles, a Globo foi “cercando pelas bordas” o tal horário nobre, ganhando audiência em outros horários até que se tornasse uma emissora familiar aos hábitos do espectador e, assim, ficasse mais fácil penetrar o horário mais concorrido. No dizer de Boni, a Globo foi formando o hábito em seus espectadores, e como na sua opinião o segredo da televisão esta na formação (skineriana) de comportamentos condicionados, o caminho do sucesso da Globo se traçou por aí.

A revista Briefing de publicidade (setembro de 80), em número especialmente dedicado à televisão brasileira e suas relações com o mercado publicitário, introduz, no capitulo sobre os 30 anos de TV no Brasil, uma parte dedicada à Globo — na opinião do articulista, uma emissora que se pauta pelo profissionalismo desde o início: “/…/ Além disso, uma direção altamente profissional entrava em cena. Acabava a fase em que os vales eram concedidos pelo proprietário da emissora, que também negociava caches e assinava cheques /…/. Um americano que durante muitos anos havia cuidado da área administrativa de emissoras de TV nos EUA e América Latina, Joe Wallach, foi contratado para gerir a área administrativa da Globo, implantando um sistema mais empresarial de gestão. Um homem de vendas, bastante calejado pelo mercado. José Ulisses Arce, ficou responsável pela área de vendas, mas no mesmo nível hierárquico que o da administração e o da produção e programação, que seria contratado algum tempo depois, o Boni. Como regente dessas três áreas ficava Walter Clark, com a visão de homem de marketing que era, cuidando de integrar o que ele mesmo definiu como o tripé que sustenta uma emissora: produção, programação, vendas e administração”.

Uma nova filosofia começava a ser implantada. Em vez de fazer a melhor programação possível, não importando a que custa fosse, a Globo começava a raciocinar que o que importava não era fazer arte, era fazer o melhor negócio possível (sic), o que envolvia a produção de um bom produto que fosse um sucesso de vendas: no caso da TV, a audiência. Se de um lado pode parecer que o resultado final era o mesmo — bons programas —, de outro, a coisa era muito diferente: o que importava não era envidar todos os esforços e recursos para fazer um programa que fosse o melhor da TV brasileira, conquistasse a liderança da audiência, mas sim fazer uma programação líder, distribuindo os recursos entre o maior número de programas possível e mantendo um padrão de qualidade homogêneo entre eles (grifo meu). A horizontalidade da programação começava a ser buscada na TV brasileira. Rompia-se a barreira do chamado horário nobre para se lutar pela conquista dos horários vespertinos, noturnos e, bem mais tarde, matinais. A audiência — repetia-se muito na Globo — é um hábito. Não é um programa mas o conjunto deles, o que conquista a liderança”.[5]

No Rio, a audiência da Globo cresceu de 28% em 1965 para 49% em 68. Em 66, ela já tinha passado na frente das outras emissoras. Em São Paulo, a conquista foi mais lenta. Em 67, a Record tinha liderança de audiência. Em 68, a Globo põe seu primeiro programa entre os dez mais assistidos pelos paulistanos: o programa Silvio Santos, aos domingos.

No Rio, em 1968, a Globo tem nove entre os dez programas de TV mais assistidos, e em 69 põe três entre os dez mais assistidos em SP: além de Silvio Santos, o programa de Dercy Gonçalves e o “Toppo Gigio”.[6] Como se vê, sua entrada “pelas bordas” é lenta fora do Rio de Janeiro, mas constante. Some-se a isso a incompetência gerencial da Record, da Excelsior, da Tupi, que, já com cerca de 10 anos (a Tupi com 15) de experiência, continuavam a ser planejadas aleatoriamente. Quando algum programa dava certo (os festivais da Record e da Excelsior, algumas telenovelas da Excelsior e da Tupi, alguns humorísticos), era mantido no ar e espichado de maneira a render o máximo de dinheiro e audiência, até que se esgotasse antes que houvesse alguma outra coisa planejada para entrar em seu lugar. Se um programa não “pegava” em pouco tempo, era tirado do ar sem ter chances de se firma lentamente no gosto de público. A Globo fez tudo ao contrário, e aí está o que se chama o seu espirito profissional, que logicamente só se torna viável quando a empresa tem muito dinheiro para bancar os riscos. Segundo Roberto Marinho, a Globo reinvestiu em si mesma 100% dos lucros durante 14 anos.[7] Com uma mentalidade de planejamento a longo prazo, bancava durante muito tempo programas de audiência estável, porém baixa, e ao mesmo tempo não deixava que se esgotassem comercialmente seus filés. Chegou a tirar programas do ar em momentos de boa audiência, para manter a expectativa do público e do anunciante em torno do horário, antes que o interesse pelo programa se esgotasse, deixando uma impressão de decadência que seria contraproducente, tanto no que se refere à relação do público com a emissora quarto no referente à confiança do anunciante..

De onde o Sr. Roberto Marinho tirou dinheiro e segurança necessários para bancar os riscos de seu empreendimento sem comprometer o sucesso a longo prazo da empresa por necessidades de lucro imediato é assunto a ser discutido. Por um lado, é verdade que o governo brasileiro mudava os termos de suas relações com o precário empresariado nacional, depois do golpe. Ao paternalismo e personalismo nas relações de favores e poder (que marcaram o estilo de homens como Chateaubriand, por exemplo), sucedem-se relações mais adequadas aos termos do grande capital. O jornalista Gabriel Romeiro[8] é da opinião de que a coincidência entre o estilo empresarial de Roberto Marinho e o estilo do novo governo foi fundamental para o sucesso da TV Globo: “Até quase o fim da década de 60, televisão não era um negócio importante no Brasil. Até esse momento não se apresentava, por exemplo, a questão dos monopólios. As empresas subiam e desciam na audiência (restrita a uma faixa da classe média) — e tudo bem. Na década de 70 é que a televisão passa a ter um alcance mais amplo, atingindo as classes populares etc. Coincide com a expansão da Globo, que aliás, desde sua implantação, sempre investiu muito em todos os avanços tecnológicos possíveis. Pintava novidade lá fora, eles traziam.”

Na pesquisa sobre os anos 70 (Televisão), financiada pela Funarte em 1979 e editada pela Europa, Santuza Ribeiro e Izaura Botelho expressam ideias sobre o momento político em que a Globo foi implantada, que coincidem com o pensamento de Romeiro: “A década de 70 é representativa das rearticulações políticas e econômicas que se processam a partir de 68. Uma nova aliança se redefine, na medida em que os setores ‘tradicionais’ que apoiaram o movimento de 64 – burguesia rural e setores médios da população, de orientação direitista — vão sendo progressivamente aliados do poder em favor dos setores ‘modernos’, ou seja, a grande indústria, a tecnocracia etc. O conglomerado Roberto Marinho configura-se, evidentemente, como ‘grande empresa’ nesse período. E de maneira análoga ao que se processa entre os setores da classe dominante, a Rede Globo assume situação de monopólio, enquanto emissoras mais ‘artesanais’ se esfacelam. (…)”.

“(…) É no inicio da década de 70 que se consolida a ‘inflexão para cima’ na economia brasileira, cujo marco é 1968. Delineia-se a estratégia governamental, a qual, sob o pano de fundo de uma política econômica desenvolvimentista, implanta sofisticados aparelhos ideológicos e repressivos (…) Vivencia-se um momento de superestimação dos padrões de racionalidade, de pragmatismo, de eficiência, de onde emerge o tecnocrata como protótipo do realizador de um novo trabalho político (…)”

Continuando com a opinião do jornalista Gabriel Romeiro: “Esse governo investiu muito em comunicações, de maneira geral. Isso tem a ver com o projeto de Política de Integração Nacional, com a preocupação de não deixar regiões afastadas do país sob influência de rádios e comunicações de outros países etc.

Não creio que o governo quisesse o monopólio da Globo em 69, quando ela se torna rede nacional. Mas esse mesmo governo expandia a rede Embratel pela nação e desejava que pelo menos uma emissora chegasse lá. No caso, quem tinha mais condições era a Globo – só isso. Não é que o governo era de caráter totalmente diferente dos anteriores: modernizante, aboliu o paternalismo de suas relações com os empresários em geral, e essa mentalidade modernizadora do país, de 64 para cá, deu certo, num sentido (mesmo tendo marginalizado 40% da população). Na área de comunicações, a modernização é escandalosa, e o Brasil deixa os outros países da América Latina muito longe. A Globo é uma das primeiras emissoras do mundo em tecnologia e padrão de qualidade. Enquanto as outras emissoras começaram com homens de rádio, ela começa com Boni, que é um publicitário, um homem que vive no cruzamento dos negócios com a comunicação, e que entende dessa descoberta americana que é o marketing, a coisa ideal para esse novo veículo que estava nascendo: o estudo das estratégias para se vender imagens! O que estou querendo dizer é que o governo se deu bem com Roberto Marinho e vice-versa, porque ele era o empresário talhado para o momento; empresário sério e “de visão”, bem ao contrario do Sr. Assis Chateaubriand, personalista, trambiqueiro e empirista em seus empreendimentos. A Globo, desde o início, foi uma empresa vertical, centralizada. Nunca houve espaço para improvisações. Existiam modelos a ser aplicados e transformados em ‘princípios de televisão’. Não há espaço para criatividade nos ‘baixos escalões’: não se pode correr risco.” E eu acrescentaria à fala de Romeiro: a não ser os riscos previstos e calculados pela direção da emissora em seu tragado de estratégias de implantação/ampliação.

Para se entender de onde sai esse modelo multinacional de empresa, tão bem-sucedido no país, justo num momento em que a economia se abre ao capital multinacional em todos os setores, é necessário passarmos pelo capítulo das relações da Globo com o grupo norte-americano Time-Life. Desde 1962, a Globo associou-se ao grupo norte-americano Time-Life na forma de uma sociedade por quotas – um tipo de contrato que dispensa a publicação de atos constitutivos, balanços, alterações contratuais e atos que impliquem a distribuição de lucros a terceiros, o que permite que mantenha “testas-de-ferro” no Brasil, representando os interesses do grupo multinacional.[9]

A TV Globo assinou o contrato com a empresa Time-Life, estabelecendo “uma sociedade em conta de participação de vida íntima, discreta e secreta”. Por esse contrato, a Time-Life tinha direito a 30% dos lucros líquidos anuais da Globo. A sociedade deveria prorrogar-se por 11 anos e depois seguir por prazo indefinido, até que uma das partes denunciasse a outra. A Time-Life tinha direito rescisão do contrato, se o governo brasileiro tomasse qualquer medida adversa ao seu investimento na Globo, após seis anos de sociedade. No caso de intervenção governamental, o grupo estrangeiro também tinha direito de transferir seus 30% de capital para o nome de qualquer outro testa-de-ferro brasileiro.

O direito à participação nos lucros do grupo TL estendia-se a qualquer negócio de liquidação feito pela Globo. Esse contrato foi emitido ao Contei a 30.07.1965 e mantido em sigilo. A 15.2.66 foi enviado à CPI, destinada pelo Ministro da Justiça Luiz Gonzaga Nascimento e Silva, homem de confiança da Globo e do TL, advogado da Globo. A CPI em questão foi indicada em resposta às denúncias do senador João Calmon, homem ligado ao capital das Emissoras Associadas (TV Tupi) e principal acusador do “escândalo Time-Life” até seu final, em 1969.

Os contratos firmados entre a TV Globo e o TL em 1962 incluíam também um de assistência técnica do grupo americano à Globo, por dez anos após o começo da transmissão da Globo, tendo o prazo prorrogado por tempo indeterminado depois de esgotados os 10 anos (sendo que o máximo permitido pela lei brasileira, em matéria de assistência técnica estrangeira a empresa nacional, é de cinco anos). Esse contrato (de assistência técnica) contorna o contrato principal, de não interferência, atribuindo ao TL assistência à Globo em: administração, programação, publicidade, controle do capital, orientação técnica, contrato e treinamento de pessoal, construção e operação de canais, compra e venda de material de propaganda. Além disso, o grupo TL ofereceu à Globo uma espécie de “gerente geral” no Brasil, o Sr Joseph Wallach, que mais tarde se naturalizou brasileiro e incorporou-se aos quadros administrativos da Globo, tendo sendo um dos pontos de apoio do “tripé” de executivos da emissora: Clark, Boni e Wallach.

Apesar da curiosidade em se obter a informação de quanto dinheiro correu entre o grupo TL e a Globo, parece que o principal saldo desse acordo, para a emissora, não foi econômico — mas técnico. Na opinião de Valter Avancini, ex-diretor do Núcleo de Novelas da Globo e atualmente reincorporado aos quadros da programação da emissora, em entrevista concedida a mim e a Beth Carvalho em 1979, a interferência do grupo Time-Life na Globo foi responsável pela mentalidade empresarial da direção da emissora, mentalidade inexistente na época (e até hoje) entre as empresas de comunicações, que não pensam a si mesmas em termos capitalistas modernos. A influencia do grupo norte-americano sobre a Globo foi marcante no sentido de criar um modelo empresarial para ela, usando e incentivando o aparecimento de talentos “nativos” para adequar o modelo multinacional à realidade brasileira — já que uma empresa de telecomunicações, em algum nível, precisa se identificar com a realidade do país com a qual “se comunica”.

Em termos do montante de dinheiro que correu entre a Globo e o TL, Sérgio Caparelli[10] cita a quantia de 5 milhões de dólares recebidos pela Globo em 14 parcelas; junho/62; fevereiro/65 e nos 12 meses entre maio/65 e abril/66, encobertos legalmente pela venda do prédio da Globo ao grupo Time-Life.

Em depoimento a Funarte, Otto Lara Resende,[11] um dos ideólogos que assessora a direção da Globo, afirma sem rodeios: “O modelo da Globo é o modelo de uma cadeia americana, até na publicidade. Tudo, até o linguajar, é americano, a determinação de que um documentário tem 40 minutos, porque a atenção do espectador comum dura 12 minutos por segmento, tudo isso vem estudado e cronometrado dos EUA. A tecnologia é americana. E esse o grande ‘enlatado’ da TV no Brasil (…). E todo Mundo pensionista de descobertas científicas, tecnológicas e pratica profissional da vida alheia. Dependência total.”

A CPI sobre o caso Globo-TL foi instalada em 1966, com a participação de Carlos Lacerda, denunciando os contratos secretos entre as duas empresas e mostrando a colaboração dos então ministros do Trabalho e da Justiça (Medeiros da Silva e Nascimento e Silva) nas transações ilegais. Em setembro de 66, a CPI decide que os acordos Globo-TL ferem a Constituição brasileira, pois um grupo estrangeiro não pode interferir na orientação de um empresa de telecomunicações; mas em março de 67 o governo Castelo Branco declara infundadas as acusações sobre o caso e fecha o inquérito. Por aí podemos pensar que o governo, ao fazer vistas grossas em relação aos aspectos ilegais do contrato (processo semelhante ao de tantas outras CPIs inúteis, destinadas a apurar corrupção nas relações entre a administração pública e grandes conglomerados econômicos), teria interesse em, no mínimo, dar margem a que uma grande empresa de telecomunicações se expandisse no país. A intenção modernizante do governo pós-64 e a recusa do modelo paternalista de relação com o capital nacional, explicam a benevolência do presidente Castelo Branco.

Para Luís Carlos Bresser Pereira,[12] as estratégias econômicas do regime instalado no Brasil em 64 eram as seguintes: concentração de renda da classe média para cima visando aumentar o mercado do bens de consumo de luxo (automóveis etc.); aumento do número de empregos e rebaixamento dos salários dos trabalhadores; estimulo às exportações; controle da inflação; estimulo à poupança; ampliação e reorganização das funções do Estado; fortalecimento da grande empresa nacional e redução de custos através do desenvolvimento tecnológico e aumento da produtividade.

Francisco de Oliveira[13] afirma que o regime militar adotou medidas de preparação institucional da economia para favorecer o desempenho dos oligopólios, ao que Luiz Eduardo Potsch[14] acrescenta: potenciar a acumulação e redefinir as relações entre empresa e Estado, limpando o terreno para a atuação do processo de concentração. E dentro desse quadro que se entende o interesse do governo Castelo Branco por uma empresa de telecomunicações estruturada segundo um modelo multinacional, que se promete independente do paternalismo do Estado.

A relação da Globo com o capital e a tecnologia norte-americana não só tornava a empresa rentável e independente de auxílios estatais diretos, como permitia que ela se estruturasse segundo um modelo empresarial multinacional, compatível com a mentalidade do governo militar, desde seu inicio, a respeito do que “é bom para o Brasil”.

Na ocasião do escândalo Time-Life, a Globo era uma emissora fraca, pouco rentável e de baixa audiência. Em setembro de 1968, sob continuas pressões de políticos como João Calmon (Associadas) e Carlos Lacerda, o presidente Costa e Silva volta a considerar ilegais os acordos e a Globo é finalmente nacionalizada em 1969, embora só em 1975 tenha terminado de saldar suas dividas de nacionalização. As formas de transferência de lucros da Globo para o grupo TL eram as mais diversas, superando os termos do contrato de assistência técnica. O prédio ocupado pela emissora no Jardim Botânico do Rio por exemplo (o primeiro do país construído especialmente para abrigar uma emissora de televisão), tinha sido vendido pela Globo ao grupo norte-americano, para o qual a emissora durante anos pagou aluguel.

O crescimento da Globo só começa por ocasião da saída do TL, em 69, e com o lançamento do “Jornal Nacional” e o boom das telecomunicações. Valter Avancini e Walter Clark sugerem que a nacionalização da Globo não se deu em função do (ambíguo) empenho moralizante do governo, mas por desinteresse do próprio grupo multinacional na transação: tal como estava, até 1967/68, a Globo não valia a pena para o TL, que facilitou a compra de sua parte pela empresa brasileira. “A Globo ficou isolada no final daquela história”, comenta Avancini — mas conquistou um know-how valioso para sua expansão. E Clark defende sua cria: “A TV Globo se desenvolveu no período mais difícil da economia brasileira. Ela foi criada, gerada, gestada no período de 66 a 67. O dinheiro do grupo TL não existia; o grupo TL garantia apenas assistência técnica. A campanha contra o acordo foi tão grande e a Globo era tão pouco rentável na época, que o grupo TL preferiu sair. A Globo nasceu num período de recessão no país; mas foi organizada dentro de um espirito altamente realista de administração (…) e teve seu crescimento num período em que o país teve grande crescimento”

O jornalista Hélio Ansaldo, diretor do Departamento de Jornalismo da TV Record, acrescenta uma opinião a favor da ideia de que o grupo TL não rompeu acordo em função das “pressões” do governo brasileiro: “O pessoal do TL não ligou nada para aquele escândalo todo. Eles só deixaram a Globo quando a matriz, nos Estados Unidos, decidiu acabar com suas subsidiárias no mundo todo. Foi uma política interna da empresa, talvez de contenção de despesas, que não teve nada a ver com o escândalo do Joao Calmon.” E acrescenta: “O crescimento das telecomunicações na última década foi expressão do empenho do governo em modernizar o país. Em geral, o governo foi imparcial no que se refere à concorrência entre as diversas emissoras, com exceção da atitude de tolerância que manteve em relação ao escândalo Time-Life.”

Para Mauro Salles, responsável pela criação do departamento de telejornalismo da Globo, em 65, “a grande mudança introduzida pela Globo (saldo da relação com o grupo norte-americano) foi a mudança de conceito quanto ao que é uma empresa. Desde a regra mais simples — o que entra deve ser maior do que o que sai — até o sentido do planejamento do que vai acontecer daqui a dois, três, cinco anos, o sentido do investimento em programação, o sentido de buscar experiências no exterior que sirvam para o Brasil”.

As falas do profissionalismo: Roberto Marinho, Boni, Walter Clark, Mauro Salles. Homens que falam da televisão numa linguagem empresarial que nada tem em comum com os códigos de quem pensa o veículo em termos de produção cultural, ideologia, educação — embora saibam também pensar em sua responsabilidade de “comunicadores sociais”, quando vem ao caso. A reprodução literal de alguns trechos de falas suas é mais reveladora, dos parâmetros que orientam o conteúdo da programação da emissora líder em audiência no país, do que as análises que se façam a respeito.

Roberto Marinho e Roberto Irineu Marinho:[15] “A posição hegemônica alcançada pela Rede Globo foi obtida em função de ela ser uma empresa que se preocupou com planejamentos, investimentos e orçamentos a longo prazo. Optou por uma administração profissional e não pessoal, não preocupada apenas com o aqui e agora. Essa hegemonia não foi consentida: foi conquistada por uma empresa em que o dono investiu 100% dos lucros durante 14 anos”.

“A opção de produzir (internamente) a maior parte da nossa programação, ainda que mais cara, parece ter sido correta: é só conferir os índices de audiência da Rede Globo. Com isso não se deve criticar outras redes, que se dedicam a usar mais produtos estrangeiros. Para nós o ônus de uma produção brasileira dá resultado, porque conseguimos percentuais de audiência muito elevados. Mas se eles saíssem consideravelmente, a situação ficaria complicada. (…) Em televisão não se pode voltar atrás. Não podemos frustrar a expectativa e a satisfação do público. Queremos fazer uma TV que espelhe exatamente o que o público espera que a Rede Globo seja.”

Fala Boni, Superintendente de Produção, Programação, Engenharia e Jornalismo da TV Globo:[16] “O segredo da televisão é comum a outras empresas que produzem para o grande consumo. O posicionamento correto diante de seu mercado e a entrega de um produto adequado, capaz de conquistar a confiança dos consumidores. Isto é, com uma boa estratégia de marketing forma-se o hábito, que é consequência e não causa.”

“Para habituá-lo a ver nosso canal, precisamos colocar no ar um produto que você e o mercado estejam dispostos a consumir. E você e o mercado tem que confiar que, assim que aquele produto acabar, vai ser substituído por outro que mereça igual confiança. Na relação do hábito passa a existir também a afetividade. O espectador fica habituado a ver televisão porque passa a ter afeto por ela. E como é que se conquista esse afeto? Prometendo as coisas e cumprindo (…). O segredo da televisão está em como criar o hábito” (grifo meu).

“(…) Autonomia? Produtor não produz o programa que quer, nem aqui nem nos Estados Unidos. A emissora compra o produto ou o programa que precisa. Tanto, que a parte de produção da Globo nada tem a ver com a parte da programação. O Daniel Filho, o Vanucci, eles não põem no ar o programa que eles querem. Eles podem fazer o programa deles, podem achar perfeito, e quando vêm mostrá-lo aqui o programa pode ser vetado. Eles tem que voltar a refazer. Trata-se de um ensaio no sentido de preparar a emissora para portar-se apenas como compradora.”

Voltando a Walter Clark:[17] “Foi na Globo que o profissionalismo assumiu o comando da TV. Houve, é claro, uma feliz adequação ao momento histórico. A Globo se organizou a partir do momento em que o mercado publicitário teve seu grande arranque. E soube aproveitar essa oportunidade. (…)

Duas coisas foram importantes quanto ao aspecto profissional nesses tempos de implantação: uma foi a montagem de um sistema mais empresarial de produção, a partir do incêndio da emissora de São Paulo e da concentração dessa área no Rio, o que nos levou à necessidade de fazer o mesmo volume de produção com a metade dos equipamentos e dos estúdios. Outra foi a estruturação da CGC Central Globo de Comercialização, acusada no princípio de muito cara e sofisticada. O sistema deu no que deu: uma eficiência várias vezes maior em relação a qualquer outra máquina de vendas de televisão no Brasil, a um custo menor do que a comissão de vendas que se pagava antes na Globo e que era usual em outras empresas do ramo. (…) Se eu fosse montar uma televisão hoje, a última coisa na qual pensaria seria a programação, e a primeira seria a administração, a gestão do empreendimento” (grifo meu).

“Vocês me perguntam se a TV pede comando forte e centralizado ou o contrário. Eu digo: as duas coisas. Muita força no poder central, que deve efetivamente ter o comando, e muita descentralização para dar a liberdade de criação, sem o que a TV não existe. (…) Enquanto o repórter ou o contato comercial, que estão nas ruas, devem ter muita autonomia para não se perder, nem a notícia nem o negócio, a administração central precisa se fazer presente em todos os departamentos. E isso não só pela responsabilidade pública que a TV precisa ter, mas também pela importância de se ter uma visão de cima, da coisa como um todo.”

Manoel Carlos, atualmente contratado pela Globo como roteirista de novelas, relata como a emissora foi conquistando audiência lentamente nos horários não-nobres, e já em 1969 estava à frente da Record, em primeiro lugar em São Paulo: “No Rio foi mais rápido, no Rio ela se beneficiou daquela tragédia que houve em 66, aquela inundação em que morreu gente à beça. Foi o primeiro avanço da Globo, quando eles botaram as câmaras na rua e começaram a fazer entrevista, vigília a noite toda – foi aí que ela pegou a simpatia popular. Foi muito solidário e isso foi um golpe de mestre (grifo meu). Para fazer sucesso, é preciso bancar o fracasso. O Roberto Marinho foi o único empresário, à exceção do Simonsen, que bancou a experiência, bancou o fracasso. Boni e o Walter punham o programa no ar e não tiravam nem que fosse um fracasso.”[18] E quanto à outra chave do chamado profissionalismo da Globo, a centralização do comando: “Roberto Marinho nunca ia TV Globo. O Clark era diretor geral, dono, proprietário, presidente, tudo. E claro que Roberto Marinho devia ver os resultados, sabia que estava muito bem feita a estação. Com a saída do Walter, nós sentimos uma mudança muito grande na TV Globo. (…) A gente tem a impressão de que a Globo só sofreria mesmo um prejuízo praticamente irrecuperável com a saída do Boni. Aquilo é mantido no berro, no memorandum. Ninguém esquenta lugar e se acomoda na Globo por causa do Boni. (…) A Globo estimula muito a concorrência interna; as pessoas se matam lá dentro porque não tem com quem brigar lá fora (grifo meu). Se alguém que nunca dirigiu um programa de TV é chamado pela Globo, eles cercam a pessoa de 20 outras pessoas, dá 60 no IBOPE. Ela pode fazer isso; as pessoas ficam um pouco sem importância em termos de know-how, em termos de experiência pessoal, porque tem toda uma equipe que promove isso; ela não é do tempo artesanal da televisão.”

A centralização no comando interno da emissora passou a ser logo acompanhada pela centralização da programação no Rio de Janeiro. Roberto Marinho compra a TV Paulista (OVC) em 1966: é o início da rede. O início de uma outra mudança na maneira de se pensar a televisão brasileira. Mauro Salles explica: “Na década de 60, os homens de TV achavam que não podia copiar nada de fora: achavam que nossa realidade era diferente da do resto do mundo. Também não se podia fazer a mesma programação para dois Estados diferentes. Havia uma Excelsior de São Paulo e uma do Rio, uma Tupi de São Paulo e uma do Rio etc., com programações diferentes. Mas as comunicações são universais. O cinema e o disco mostraram que se pode vender o mesmo produto para Paris, Afeganistão e Brasil. A Globo foi fundada com essa mentalidade: aproveitar o know-how lá de fora. Além disso, logo se verificou que as coisas aqui dentro também podiam ser unificadas. E muito mais econômico, mais prático em termos de organização empresarial, produzir toda a programação num só lugar (no caso, o Rio) e emitir para o resto do país. Foi o que os homens da Globo tiveram a coragem de fazer, com a ‘ajuda’ acidental do incêndio, que destruiu as instalações da, TV Globo/SP. Planejamento e senso de oportunidade, investimento em tecnologia e know-how são suficientes para o crescimento de qualquer empresa. A Globo teve video-teipe desde a inauguração, e foi a primeira a comprar um editor eletrônico. Começou a raciocinar logo de cara em termos nacionais, e a investir nisso a qualquer custo”.

Sendo de oportunidade é qualidade considerada indispensável a qualquer empresário competente. Assim como as enchentes do ano de 1966 no Rio de Janeiro ajudaram a emissora a conquistar a simpatia popular naquele estado; assim como os programas de agrado popular — Dercy Gonçalves, Chacrinha, Raul Longras etc. — foram adotados nos primeiros anos como prato de resistência da Globo para auxiliar nos contatos iniciais da emissora com o público, sendo gradualmente dispensados e substituídos por uma programação midcult de musicais, variedades e telenovelas, uma vez que, em primeiro lugar, havia condições internas de se produzir nova programação e, em segundo lugar, a emissora se. concentrava estrategicamente em torno de um público-alvo de classe média em ascensão; da mesma forma, um incêndio que destruiu as instalações da TV Globo-SP em 1969, obrigando a centralização da emissão (a princípio, provisoriamente) no Rio, serviu como ponto de partida para a consagração dos princípios defendidos acima por Mauro Salles: centralizar a produção é mais barato, propicia melhor “controle de qualidade”, facilitar a definição da tal horizontalidade da programação e, eliminando-se alguns pruridos éticos incômodos, a respeito de destruição de subculturas regionais, prova facilmente não ser verdadeira a ideia de que o “povo”/público só gosta do que identifica como pertencendo à sua realidade mais próxima. A hegemonia do “Ipanema-way-of-life” nos anos 70 para todo o Brasil se deu porque a Globo provou na prática que, com um pouco de sedução (ou de glamour, como diz Avancini), os prezados telespectadores não se importam em — ou até preferem — adotar como referência as imagens e a linguagem de um mundo que não é o seu. A ausência dos “pruridos éticos” fica justificada na fala de Homero Icaza Sanchez, ex-diretor do departamento de Análises e Pesquisa da Globo: “Vou lhe contar por que é rede: porque é econômico, só isso. Se não fosse econômico, não seria rede. Sem uma rede nacional, não se pode cobrar por um minuto de comercial o que a Globo cobra”.[19]

O governo quer a rede, mas não o monopólio?
A Rede Globo de Televisão foi definitivamente implantada a 1º de setembro de 1969, com a primeira transmissão do “Jornal Nacional”. Na ocasião, além da central no Rio de Janeiro, Roberto Marinho já havia comprado a emissora geradora de São Paulo (1966) e a de Belo Horizonte (68). Com a compra da geradora de Brasília (1971) e, finalmente, Recife (1972), consolida-se, a apenas sete anos de sua inauguração, a maior rede nacional de emissoras de televisão, com mais 36 filiadas e centenas de estações retransmissoras pelo país. O Sistema Globo de Comunicações inclui, além da Rede Globo de Televisão, do jornal, do Sistema Globo de Radio com 17 emissoras AM e FM: uma editora (Rio Gráfica), uma empresa de promoção de espetáculos (VASGLO), usando e abusando evidentemente dos atores e artistas popularizados através da televisão, a SIGLA — Sistema Globo de Gravações Audiovisuais, a TELCOM, indústria eletrônica, a Galeria de Arte Global e a Fundação Roberto Marinho, criada para prestação de serviços à comunidade e cuja manutenção alivia as Organizações Globo de uma parte dos impostos que pesam sobre a receita do conglomerado.

Além da introdução do video-tape no país, sem o que a ideia de rede nacional não seria viável, a criação do Sistema Nacional de Telecomunicações teve papel fundamental na expansão da Rede Globo. O plano de distribuição de canais de televisão VHF previa a instalação de, no mínimo, um canal em cada cidade importante, visando a integração do país. A Embratel foi criada por lei em 1962, mas só começa a operar em 1967. Nos anos 70, o governo investe na criação de canais de microondas, estações repetidoras, ampliando a Rede Embratel, da qual a Globo foi a emissora que tirou maior proveito, espalhando rapidamente seu sinal pelo território brasileiro. Segundo Mauricio Shermann, em entrevista concedida à Funarte em 1981: “A Embratel fez apenas dois links brasileiros, e a Globo aluga um deles em tempo integral.” E claro que nenhuma empresa poderia arcar com as despesas das instalações das torres retransmissoras de sinais de televisão (de 60 em 60 km para transmitir sinais nítidos, ou, forçando um pouco a qualidade da transmissão, no máximo de 100 em 100 km, como fez a Embratel), de modo que a Embratel, é a dona de todos os links, impondo as regras do jogo da transmissão em rede por todo o país. Ao mesmo tempo, aluga a quem pode pagar, o que na opinião de Mauricio Shermann é injusto: se é um serviço público, não poderia ser concedido a quem tem maior poder econômico, mas deveria haver algum tipo de concorrência ou sorteio para decidir qual emissora poderia ocupar o link em que horário etc. Na verdade, a primeira emissora a ocupar um link e transmitir em cadeia no Brasil não foi a Globo, e sim a Tupi, por ocasião da inauguração de Brasília, com incentivo (verbas e instalações de retransmissores) do governo Juscelino. Mas não soube ou não pôde aproveitar a oportunidade e depois da inauguração não mais foi usado o link instalado entre Rio e Brasilia, através de 1200 km, com sete ou oito torres de retransmissão.

Depois desse evento isolado, a preocupação governamental em incentivar a expansão dos serviços de telecomunicações pelo território nacional só foi retomada quando se articula a virada econômica do fim da década de 60.

Algumas noticias na imprensa, durante os governos Médici e Geisel, dão a ideia do empenho comum do governo e do(s) proprietário(s) da(s) emissora(s) em cobrir parcela importante do território nacional com um sistema unificado de telecomunicações. O Estado de S. Paulo, de 28.05.70, noticia: “A Globo e sua rede em expansão: A Rede Globo de Televisão formou-se rapidamente com três emissoras principais: SP, Rio e BH. A do Rio de Janeiro é a geradora, produtora de programas; (além das três emissoras) existem outras nove estações, associadas nas formas mais variadas possíveis.” Correio da Manhã, de 30.05.71: “Encerrou-se ontem a convenção das emissoras da Rede Globo de TV. O diretor geral Walter Clark fez discurso elogiando o governo Médici pela disposição em compor, via Embratel, novas tarifas para as estações. Assim, a política de integração nacional poderá ter melhor colaboração da iniciativa privada no setor de comunicações.”

Em 1974, a revista Banas anuncia o já então sucesso da rede: “Junto com Boni, a Central Globo de Produções entrou em ritmo acelerado, procurando vender para o maior número possível de emissoras sua programação. Nessa época, Clark já procurava apoiar o esquema da Globo na ideia de integração nacional. O grande mal da televisão brasileira sempre foi a falta de unidade no comando das empresas (…). Inicialmente, contando com a assistência técnica e financeira da organização americana Time-Life, a Globo foi montado sua infraestrutura. (…) Nos últimos dois anos (72/73), quando a Globo definiu sua posição de liderança, foram feitos os investimentos mais expressivos para sua expansão. Nesse período foi inaugurada a TV Globo de Brasília, implantada a rede do Nordeste e a cobertura do interior de São Paulo. Hoje (1974), a rede conta com seis estações geradoras, 11 afiliadas, 16 retransmissoras e mais oito estações em instalação. Todo esse império foi construído em apenas oito anos (…)”

Ainda no extenso artigo da revista Banas sobre a Globo (maio de 74), Walter Clark afirma: “A ideia de universo quantitativo e de integração nacional acabaram com a imagem de programas específicos para cada região. A Globo tratou de formular uma programação que induz a esse universo global.” O artigo conclui: “No final de 73, estiveram reunidos em São Paulo os diretores de todas as empresas afiliadas Rede Globo. Nesse encontro, os superintendentes e diretores da Globo transmitiram as suas afiliadas o planejamento e as estratégias da programação para 74. Foi ressaltado durante a convenção o pronunciamento feito pelo Ministro das Telecomunicações, no qual reconhece publicamente ser a Rede Globo de TV a única que cumpriu as exigências do governo federal: a permanência da transmissão eletrônica da recriação, educação e informação nas mãos da livre iniciativa, alicerçada numa sólida estrutura de empresa moderna.”

Em 1977, a revista Mercado Globe[20] publicava os números da cobertura da Globo pelo território brasileiro: “Nos 325 principais municípios brasileiros (isto é, de população superior a 50 mil habitantes, e que somam cerca da metade da população, na época), a Globo cobre 96% de uma população total de 57 milhões de pessoas. De 23 milhões de lares brasileiros, 19 milhões são polarizados pela Globo. Destes, 12 milhões (de lares) possuem receptor de TV, e sete milhões ainda não.” Segundo os números da revista, na Região Sul há 85 munícipios com mais de 50 mil habitantes, dos quais 82 são cobertos pela Globo. São 9800 mil habitantes, ou 1900 lares com aparelho de TV. Na Região Sudeste são 120 grandes municípios, 117 dos quais cobertos pela Globo, o que soma mais de 31 milhões de habitantes ou cerca de seis milhões de lares cobertos pela Globo.

No Nordeste seriam 75 grandes municípios, 62 com a Rede Globo. Mais de 10 milhões de habitantes, cerca de dois milhões de lares. No Norte, 18 dos 26 grandes municípios estariam recebendo a Globo, que atingiria quase três milhões de pessoas em 600 mil lares. E em último lugar a Região Centro-Oeste, com 17 grandes municípios, 15 com a Globo, mas também quase três milhões de habitantes e 600 mil lares.

Num outro número da revista Mercado Global,[21] comemorativo dos 27 anos da televisão brasileira (1977), em artigo editorial, são resumidos alguns fatores que decidiram a expansão da televisão brasileira (a revista não fala explicitamente da Globo) na última década. O primeiro deles seria o processo de urbanização sofrido pela população brasileira: se em 1950 encontrávamos 40% dos brasileiros das cidades e 60% no campo, em 1977 (data de edição da revista) essa proporção estaria mais do que invertida, e teríamos 65% da população urbana contra 35% no campo. Desse ponto de vista, a televisão surgiria como “fator de educação de um novo mercado de trabalho e consumo, favorecendo o abandono de velhos hábitos e a integração cultural”. Além disso, o articulista ressalta outros fatores. O surgimento do marketing como prática corrente, “em virtude da industrialização nacional e multinacional, da concorrência, e da acelerada introdução de novos hábitos de produção na cidade e no campo”. A aceleração da penetração do modo de produção capitalista no Brasil, e o consequente aumento da faixa produtiva e consumidora; a liberação do crédito ao consumidor, a partir de 68; a implantação de um mercado de bens duráveis e semiduráveis, e o incremento do mercado de bens supérfluos, gerando um amplo espaço para a publicidade. A TV entraria então como parte integrante no processo de desenvolvimento do país nos anos pós-60.

O empenho governamental em contribuir para que uma ou mais grandes redes de televisão se formassem na década de 70 refletiu-se além da formação da Rede Embratel, nas discussões acerca do anteprojeto do novo Código de Telecomunicações, elaborado em 74 para substituir o código em vigência, de 1962, e mantido em estudos até o presente. Em 30.10.74, o Jornal do Brasil noticia: “Nova lei poderá facilitar a expansão das redes de TV — O ministro Euclydes Quandt de Oliveira, das Comunicações, admitiu ontem, embora reticente, a possibilidade de que os empresários de rádio e televisão possam expandir suas redes de emissoras em número maior que a atual legislação permite, com base no novo Código Brasileiro de Comunicações. O projeto do novo código já está nas mãos do Ministro e sera enviado à Presidência da República. Com a modificação da legislação da radiodifusão insinuada pelo Ministro, poderá ocorrer o que vem sendo preocupação dos meios empresariais do setor, várias vezes já manifestada à imprensa: o monopólio da opinião pública brasileira por um único grupo econômico”.

“A modificação que está para ocorrer diz respeito ao Decreto-Lei, de 23.06.67 que, em seu artigo 12 — em vias de revogação —, limita em cinco o número de emissoras de televisão que um mesmo grupo pode controlar. Até o momento, essa legislação está detendo o crescimento de um único grupo — Globo — que possui exatamente cinco emissoras geradoras de televisão”. Mais adiante: “A Globo é a única com capital suficiente para instalar uma televisão em cada estado do país e poderá concretizar essa meta se forem revogadas as disposições legais. Se ela se expandir, dominará grande parte do mercado publicitário brasileiro, deixando para as outras duas, mais a Bandeirantes e a Jornal do Brasil (!) que ainda estão se organizando, o alento de brigar pelo segundo lugar.” O artigo conclui que tal monopólio da opinião pública seria motivo “mais do que suficiente” para que o Governo intervenha estatizando as empresas de telecomunicações.

A alteração no Código de Telecomunicações não faria muita diferença para a Globo, ao contrário do que pensava o articulista do JB. Em primeiro lugar; a proposta ampliaria apenas de cinco para seis o número de emissoras de rádio e televisão pertencentes a um único grupo empresarial.[22] Em segundo lugar, o recurso às emissoras afiliadas contorna perfeitamente a limitação imposta pelo código, e o temido monopólio pode assim expandir-se sem limites. As afiliadas são emissoras locais, de proprietários diversos, que preferem comprar em bloco a programação da Globo a produzir seus próprios programas. Como não existe nenhuma lei impedindo uma empresa de televisão de vender seus produtos (seria contrária aos “princípios da livre iniciativa”), a programação Global, pela preferência do público e consequentemente do anunciante, é reproduzida não apenas pelas cinco emissoras permitidas por lei, mas por 36 emissoras afiliadas. E o Código continua tramitando.

Em entrevista à revista Visão de janeiro de 75, o ministro Euclides Quandt garante que, pela definição política e administrativa da Radiobrás e da Rede Nacional de Televisão, o governo teria afastado a hipótese de investir contra iniciativa privada no setor. Quanto à política para a instalação de retransmissoras e repetidoras de televisão, o ministro considera o assunto complicado: “(…) se todas as soluções ‘apresentam vantagens e desvantagens’, há um aspecto da política geral já traçado com a intenção de se impedir que um grupo detenha o monopólio da opinião pública. Falando em tese, sem citar nomes, Quandt disse não ser possível aceitar como normal o controle da opinião: ‘Nenhum governo, forte ou fraco, permite isso. Mas as formas de ação governamental para impedir tal monopólio e os limites dessa intervenção são bastante polêmicas. (…) Deve existir uma certa restrição quantidade de emissoras ou ao controle que pode ser detido por uma só pessoa. (…) Mas (apesar da lei que restringe a cinco o número de emissoras de um só proprietário) além disso é preciso colocar mais alguma coisa, e é isso que está gerando discussões dentro dos próprios grupos que estão trabalhando no anteprojeto”. O ministro Quandt levanta, a seguir, as preocupações governamentais a respeito do poder econômico de uma única empresa (no caso, referindo-se implicitamente à Globo): “Penso que (o nível de audiência) está acima de 80%. Há um controle. Monopólio” — ressaltando a dificuldade do governo em limitar outras formas de expansão da rede, como a questão das emissoras pequenas que “se submetem” de livre e espontânea vontade ao monopólio global, transmitindo todos os programas produzidos por uma única geradora.

A questão também ultrapassa essa limitação legal por outros motivos. Afinal, o que determina o poder de penetração de uma rede não é só o número de geradoras/repetidoras que uma empresa possa ter, mas a sua política de produção/difusão. A Tupi, na época, contava com um número de estações maior que a Globo, mas só começou a trabalhar no sistema network, para obter alcance nacional, em 1973. A Globo já foi implantada visando uma grande racionalidade econômico-empresarial, o que implicava desde o início o projeto de rede. Assim, ficava muito mais difícil deter seu monopólio, sem outra emissora capaz de entrar junto com ela numa programação competitiva (em termos de IBOPE) a nível nacional.

Outra medida pensada para se deter o temido monopólio da informação, a obrigatoriedade de cada emissora local transmitir uma percentagem da programação de produção própria. “Não deve ser mais de 50%, mas 10% (que havia sido a proposta da Globo…) não tem sentido”, diz o ministro. “E irrisório.”

A evolução do debate a respeito dos perigos e inconveniência do monopólio da informação, motivado pelo anteprojeto ao nosso Código de Telecomunicações, no mesmo ano de 75, é interessante. Em fevereiro, o Jornal do Brasil ataca o poder da Globo em artigo sobre Política de Televisão afirmando que, “A recente manifestação do ministro Quandt de Oliveira sobre a televisão em nosso país deixa claro que o Governo não está satisfeito com o desempenho dos canais.” O artigo critica a qualidade da programação das emissoras, que teriam “falhado parcialmente nos seus objetivos de criatividade e expressão nacional”, chamando a atenção para o fato de que a política de concessões administrada pelo Governo “revelou-se infrutífera como instrumento fiscalizador e cobrador da responsabilidade do empresário”.

No artigo, em que o Jornal do Brasil investe também em causa própria, pois vinha se preparando para a possibilidade de conquistar uma concessão para ter sua emissora de TV,[23] o monopólio mais uma vez criticado, mas o que se pede, evidentemente, não é uma intervenção governamental no sentido de se restringir as possibilidades da iniciativa privada no setor, e sim um maior controle da qualidade e da responsabilidade social das emissoras de televisão, que “em vez de diversificar suas mensagens e oferecer alternativas (…) torna-se (a televisão brasileira) voz única — e voz sujeita ao condicionamento prioritariamente comercial”. Passando por cima de peculiaridades das culturas regionais, a televisão teria contribuído, assim, “para o processo de desnacionalização de uma cultura que, por ser ainda jovem, por estar ainda em formação, não prescinde de consulta ao seu espirito, sem prejuízo das correntes universalistas que compõem a imagem do homem atual”.

A participação da ABERT Associação Brasileira de Emissoras de Radio e Televisão — nas discussões sobre o novo Código, em defesa dos interesses dos proprietários de emissoras e contra as restrições, por parte do Governo, formação de grandes redes nacionais, vai redefinindo os rumos da questão. O presidente da ABERT, Almirante Adalberto de Barros Nunes, em artigo para O Diário de São Paulo, de 27.6.1975 (“Radio e TV estão unidos”), dizia que: “(…) introduziria o projeto (do novo Código) mandamentos que tornariam inexequíveis as transmissões em rede, única solução viável para o problema dos custos de realização, adotada invariavelmente, sem exceção, em todos os países, desde os mais ricos até os menos desenvolvidos”. 0 pronunciamento do Almirante resumia a disposição dos empresários de radio e TV, reunidos em almoço no Iate Clube do Rio de Janeiro, ao qual estiveram presentes Edmundo Monteiro, Paulo Pimentel, Walter Clark, Roberto Marinho, João Saad, Paulo Machado de Carvalho (o pai e o filho), entre outros, defendendo os interesses da chamada iniciativa privada.

Já antes disso, ao ser consultada sobre o anteprojeto, a ABERT lançara proposta de vir a ter participação no julgamento de processos de cassação de emissoras, o que o ministro das Comunicações recusou, pois a Associação, não tendo poder concedente, não poderia atuar no mesmo nível do governo, representando apenas o interesse das emissoras e devendo ser ouvida somente durante o processo de aplicação de penalidades, em defesa de seus associados.

O debate, entretanto, vai deixando de girar em torno das limitações diretas que o governo poderia impor, via Código, expansão econômico-empresarial das emissoras de televisão, e vai se fixando na questão da qualidade da programação e da responsabilidade educativa de seus proprietários. Em conferência pronunciada para os estagiários da Escola Superior de Guerra, em julho de 75, o ministro Quandt teria dito: “Não há monopólio na televisão brasileira. O que existe, atualmente, é uma programação realizada por determinado grupo de emissoras, que esta tendo maior aceitação por parte do público”. Em pequena nota seguindo a notícia da conferência do ministro na ESG, o jornal O Globo anuncia a instalação, pela Embratel, de um terceiro sistema de telecomunicações, ligando as regiões Norte, Centro-Oeste e Sul — o tronco Vitória-Salvador. Anuncia também a inauguração do tronco Cachoeiro do Itapemirim-Governador Valadares, que descongestionaria o trecho Belo Horizonte-Rio, para os serviços de telefonia, telegrafia, telex e televisão.

O interesse governamental em expandir o alcance das emissoras de televisão pelo território nacional talvez tenha sido maior do que a suposta necessidade de “impedir a alienação” dos brasileiros via televisão. O jornal Última Hora, de 12.09.1975, anuncia que o governo (estadual) “vai levar a TV a todos os municípios paulistas”: “O governador Paulo Egydio Martins esta decidido a implantar, no período de sua gestão, o sistema integrado de comunicações que lhe foi indicado no relatório do Grupo de Trabalho que criou, por decreto, junto a Secretaria do Interior. (Explicações sobre o Grupo de Trabalho, criado para elaborar sugestões quanto à participação do Estado nos serviços de telecomunicações.) O Sistema integrado, proposto pelo Grupo de Trabalho, teria como coluna vertebral quatro grandes troncos de microondas (a serem utilizados por todas as emissoras de televisão): um no Vale do Paraíba, outro em Ribeirão Preto, um terceiro em Bauru (com ramificações em Presidente Prudente e Araçatuba, para total cobertura das regiões Oeste e Noroeste) e um quarto no Vale do Ribeira. Assim todos os 571 municípios paulistas poderiam receber imagem e som perfeitos de todos os canais de televisão”.

A revista Mercado Global, de março/abril de 1978, publica os dados sobre a cobertura da Globo no Estado de São Paulo. Com uma de suas geradoras na Capital (TV Globo/SP – Canal 5) e retransmissoras em cidades importantes como Campinas, Ribeirão Preto e Bauru, a Globo cobria já em 78 a totalidade do estado de São Paulo: 53 cidades recebendo a imagem da SP1 (Grande São Paulo) e 451 recebendo imagens da SP2 (interior), o que significava potencialmente, em oito anos, um total de quase 20 milhões de espectadores (12 milhões na SP1 e quase oito milhões na SP2).

Em 1978, a Globo já contava com 25 emissoras afiliadas (além das cinco geradoras de SP, Rio, BH, Brasilia e Recife), sendo no mínimo uma em cada estado, com exceção de Paraíba, e Rio; Grande do Norte, cobertos pela TV Globo de Recife.

O governo, apesar das preocupações expressas com o perigo que poderia representar o monopólio de uma só emissora etc., só tomou uma medida efetiva para diminuir seu poder — a abertura de novas concessões — em meados da década passada, processo concluído em 1981 e tendo Como ganhadoras (ao contrário das expectativas da Editora Abril e do Jornal do Brasil) a Bloch e o grupo Silvio Santos. Dentro das mais estritas normas da “livre iniciativa” (em nada afetadas pela possibilidade de corrupção durante o processo), a Globo esta sendo afetada, em 1982, não por restrições legais à sua expansão, mas pela feroz concorrência do Sistema Brasileiro de Televisão (Silvio Santos). E pelo recrudescimento da censura (federal), podando as novas ousadias com que a emissora tenta combater o nível “popularesco” de sua concorrente, que entra no mercado lançando o mesmo tipo de programação com que a Globo também entrou, nos anos 60.

Além do interesse pela existência de uma rede nacional, o governo Médici fez outro investimento em telecomunicações que acabou favorecendo a Globo: pressionou as emissoras para começarem a transmitir em cores. O governo comprou o sistema alemão PAL (hoje PAL-M) para transmissão em cores, interessado que estava na transmissão da Copa do Mundo de 74, em rede colorida. Uma tentativa de repetir o clima de euforia gerada pela vitória em 70, quando a Copa foi transmitida pela primeira vez ao vivo pela televisão, só que em preto e branco? O fato é que em 1971, a TV colorida começou a ser implantada no Brasil, “representando enormes gastos em relação à preto e branco”, segundo Mauricio Shermann. Esse desequilíbrio favoreceu a Globo, a única com condições de fazer os grandes gastos que a implantação da cor exigia. “As outras emissoras tinham equipamento preto e branco tão bom quanto a Globo. Mas uma câmara colorida custa uns 140 mil dólares, enquanto uma p&b custa de quatro a cinco mil. Ou seja, uma câmara para cor vale mais de 20 branco e preto. Os teipes (para TV) preto e branco custam de oito a 10 vezes menos que os coloridos. Em equipamento de luz, se você compra dez quilos para gravar em preto e branco, tem que comprar de 60 quilos pra cima só para a cor começar a funcionar. A economia das emissoras, que já estava ruim, foi para o brejo só para satisfazer a vontade do governo de ter a Copa do Mundo em cores”. Teve. E o Brasil perdeu.

Na opinião de Álvaro Moya,[24] a cor foi o único elemento que diferenciou a Globo do que já fazia a finada TV Excelsior antes de 1969. “A Globo nada fez além de continuar a Excelsior, sem inovar nada /…/ A grande coisa que a televisão fez nesse momento foi a cor, a cor é realmente uma das coisas melhores que a televisão fez /…/ e a Excelsior trabalhava em branco e preto.”
A Globo não foi a primeira emissora a transmitir em cores,[25] mas a primeira novela colorida foi sua: “O Bem Amado” (1973), de Dias Gomes, no horário das 22 horas. E desenvolveu a cor rapidamente. O Boletim de Programação da primeira semana de março de 74 já anuncia: das 16 horas de programação diária da Rede Globo, oito horas de transmissão já eram em cores. Em maio do mesmo ano, o “Fantástico” era transmitido inteiramente em cores, segundo o Boletim de Programação de 03.05.1974. A televisão em cores coincidiu com (e influenciou) o boom nas vendas de aparelhos de televisão no Brasil. Se em 1970, com a Copa do Mundo ao vivo e tudo, o número de aparelhos de TV vendidos foi de 816 mil, havendo cerca de 4 milhões de lares com televisão (cerca de 25 milhões de telespectadores) em todo o Brasil, em 1973 foram comprados um milhão e 300 mil aparelhos. Em 74, outro milhão e meio são vendidos para primeira Copa do Mundo em cores, mas somente 322 mil são coloridos. O prego dos aparelhos coloridos força a compra, ainda bem maior, de televisores em branco e preto. Em 76 são vendidos 650 mil aparelhos em cor. Na revista Mercado Global de dezembro de 77, onde se encontram os dados acima, Roberto Duailibi, publicitário da DPZ, afirma que “a qualidade visual a que os espectadores estão acostumados pela própria TV Globo está exercendo uma influência fundamental na cultura visual da população, que não aceita mais certos padrões exteriores (?) de pobreza, que antes eram impostos (…)”. cor, sem dúvida, contribuiu para a glamurização da imagem de um país que, na década de 60, era representado na música, no cinema e na produção cultural em geral como miserável e subdesenvolvido. A estética brilhante e clean da publicidade e do “padrão-Globo-de-qualidade” foi se tornando hegemônica e inviabilizou em poucos anos a estética do cinema novo e do CPC.

Se considerarmos esse fato somente, já teria valido a pena, do ponto de vista do governo, ter permitido a expansão sem precedentes da Rede Globo: ela teria sido a principal responsável pela tarefa de modificar a representação imaginária desse país, criando o ideal de limpeza, modernidade, “bom gosto” (ou bom comportamento) e alegria consumista com o qual grande parte da população se identifica até o presente.
A responsabilidade social dos senhores comunicadores
Em outubro de 74, editorial do jornal 0 Globo, assinado por Roberto Marinho e reproduzido no Boletim de Programação da Globo[26] (5 a 11.10.1974), o proprietário da já então maior empresa de comunicações do país reclama, na deflagração daquilo que na época se chamou de “crise do petróleo”, e que hoje sabemos ter sido o início de uma crise econômica de longo alcance, do “silêncio dos políticos e empresários (…) homens de empresa que deveriam e poderiam assumir uma posição de vanguarda, difundindo pelo país um clima de confiança na superação dos efeitos negativos que hoje se refletem mais agudamente no balanço de pagamentos, na elevação dos custos, na retração do mercado”. O editorial conclui que as empresas Globo (jornal, radio e TV) teriam a tarefa de difundir no país um clima de confiança, otimizando o mercado adotando para o futuro o lema de “Comunicação, Integração e Desenvolvimento”. O mesmo Boletim noticia a participação da Globo no IX Congresso da ABERT[27] em cujo encerramento o presidente Almirante Adalberto de Barros Nunes discursou dizendo “A iniciativa privada aceitou o desafio do soerguimento do Brasil (…), cabendo-lhe agora cooperar decisivamente com o governo como agente do desenvolvimento nacional”.

Não seria preciso afirmar que a Globo nunca representou diretamente uma ameaça ao governo militar sob o qual ela se implantou e cresceu. A “ameaça” do monopólio, discutida no capítulo anterior, tem mais a ver com a possibilidade de perda de controle por parte do governo, ante o poder econômico de uma empresa hipertrofiada do que com a oposição real que a Globo lhe fizesse. Walter Clark, por exemplo, em diversas falas, associou a história da Globo com a do regime implantado em 1964. “(…) Por isso, tomo como marco inicial o período pós-revolução, para falar em televisão como empresa. Evidentemente, nossa atividade sofre, ainda, efeitos residuais daquele período de loucura inflacionária. Como inúmeros outros setores, aliás”, dizia ele em conferência realizada para o Centro de Estudos do Pessoal do Departamento de Ensino e Pesquisa do Ministério do Exército, em 1.9.1972.[28] “Com certeza a rede de televisão que dirijo foi beneficiada com a coincidência de ter sido planejada e inaugurada no período 64, quando o País tomou novos rumos. Podemos nos incluir no chamado ‘milagre brasileiro’ (…), que hoje já está mudando para ‘modelo brasileiro”.

Analisando o pensamento dos chamados “homens de comunicação”, principalmente os ligados à Rede Globo, nos anos 70, fica clara não somente a tal sintonia de interesses entre o governo e os empresários das telecomunicações naquele período, mas também a maneira como as telecomunicações podem ajudar na dominação “pacifica”, disciplinar, muito além da simples propaganda que veicula pelo país todo (como fez a AERP). “Motivação política, formação da vontade nacional, são tarefas impossíveis sem uma ampla sistemática de comunicação social, livre e apoiada em todas as mídias, em todos os veículos”, discursava Mauro Salles para a Escola Superior de Guerra em 04.09.1974,[29] quando propunha que o governo substituísse o binômio “desenvolvimento e segurança” por “desenvolvimento, integração e segurança”.

Baseados no conceito de “opinião pública” — “o acordo dos espíritos sobre todas as questões de interesse nacional”, segundo o mesmo Mauro Salles em outra conferência para a ESG em outubro de 75 —, os ideólogos das comunicações cumprem, continuamente, a tarefa de “reproduzir” ideologia em resposta aos, movimentos sociais e demandas latentes entre os setores, digamos, de vanguarda da população. Assim, na citada conferência de 1975, por exemplo, Salles reconhece que “(…) a fome e a marginalidade não são o caldo de cultura para a formação de uma opinião pública sadia”, e por isso “vimos o II Plano Nacional de Desenvolvimento, anunciado exatamente a um ano atrás, dar nova ênfase aos objetivos sociais de governo e, em termos econômicos, apontar fortemente para o mercado interno como plataforma cada vez mais necessária à continuidade do processo brasileiro”.

A televisão é o ponto de confluência onde se deve resolver simbolicamente a relação entre o poder político, o poder econômico e as necessidades da população. O poder político concessionário (e consequentemente policialesco), o poder econômico do qual a TV depende mais que qualquer outro veículo pelos seus altos custos e sua voraz necessidade da publicidade, e o “poder público”, tão abstrato durante a década passada, mas que justamente por isso se manifestava nem tão passivamente quanto possa parecer, em suas opções de consumo — inclusive cultural — de comportamento. “captando o emergente” entre a massa da população que lhe interessa como público que uma emissora de televisão bem planejada procura orientar os conteúdos de sua programação, capitalizando tais tendências em interesse dos outros dois poderes citados. “A importância desta indústria de propaganda, em termos de comunicação e opinião pública, é que ela tem que realizar sua missão econômica de ponte entre quem produz e quem consome”, diz Mauro Salles, “além de realizar a sua missão social de estimular o crescimento do homem e educá-lo para os novos serviços e os novos produtos. A propaganda comercial realiza, além disso, a importante missão política de custear a parte mais importante de nossa indústria do conhecimento” (a televisão).

A maneira de realizar essa tripla tarefa, de disciplinar a população de um país, atender (a nível ideológico) a suas demandas e questionamentos e transformá-la em propulsor da economia, se resume em perfeição, na definição de Walter Clark, em palestra proferida na Convenção Nacional do Grupo Bandeirantes em Contagem, Minas, a 06.07.1976;[30] “Esta é a importância maior da comunicação em um sistema produtivo: transformar a população em mercado ativo de consumo, gerando a disposição ao consumo, relacionando cada bem, produto ou serviço ao extrato social a que está destinado, atingindo simultaneamente a todos os extratos e imprimindo maior agilidade ao mecanismo produtivo.”

A fala de Clark é uma pérola em matéria de educação de massas. À televisão caberia disciplinar a luta de classes (e, quem sabe, torná-la obsoleta), indicando as diversas camadas da população “os produtos a elas destinados”, estimulando desejos compatíveis com o poder aquisitivo de cada uma e abolindo desejos “fora do lugar” de forma a propiciar níveis de gratificação consumista adequados a cada classe. Nada de frustrações ou de aspirações inquietantes. O país funcionaria como um organismo perfeitamente ajustado, com funções diferenciadas dentro do grande mecanismo do mercado, regidas pela grande orquestradora de desejos que é a Rede Globo de Televisão.

Novamente em conferência pronunciada na Escola Superior de Guerra em agosto de 77[31] (e não é à toa que essas figuras palestram tanto para os homens da ESG), Mauro Salles faz uma análise do papel da comunicação social, que resumo a seguir: o crescimento da população brasileira e a distribuição desigual do crescimento entre as diferentes regiões: aumento proporcional da faixa etária abaixo dos 20 anos – 60% da população brasileira. A grande marca do analfabetismo: 13 milhões de brasileiros (em 77). O mercado ativo brasileiro engloba cerca de 40 milhões de pessoas. São 30 milhões de brasileiros produtivos, 42 milhões de eleitores. Distorções regionais influindo no panorama da opinião pública.

“É tarefa urgente da economia brasileira e do parque de comunicações sociais do país: incorporar ao mercado de consumo o quarto estrato da população – cerca de 20 milhões de brasileiros” (observação: dado otimista, se comparado com as porcentagens fornecidas pelo publicitário Celso Japiassu e citadas no começo deste trabalho). “São os subbrasileiros, de responsabilidade de toda a nação. Na miséria, na fome, na opressão e na desesperança não existe opinião pública.”

Depois de analisar o mercado consumidor brasileiro, o alcance da indústria da comunicação como um todo, o alcance sem concorrentes da TV Globo e os dados da indústria da propaganda, o conferencista prossegue, falando da importância de se investir em comunicação social: “São 30 milhões de estudantes brasileiros. Estudantes, consumidores e futuros líderes em suas comunidades. Temos que estar preparados para seus novos símbolos de status, não ligados apenas à posse, propriedade, moda e dinheiro. Olhar para a frente para atender a essa geração que é produto da Nova Sociedade da Informação.”

“A Indústria Cultura realizou algumas revoluções pacíficas nos últimos 20 anos: o fenômeno hippie, a contracultura, a conscientização do consumidor como força política, a luta ecológica e por melhor qualidade de vida, a política do lazer, a explosão do turismo internacional, a destruição dos preconceitos sexuais, a emancipação feminina, a revolta contra a massificação da moda. Por tudo isso, a propaganda precisa mudar urgentemente sua ética, para responder às novas questões dessa geração conscientizada que surge. Será que os homens de propaganda têm consciência das responsabilidades sociais, que precisam ser entendidas ao lado de suas responsabilidades econômicas? E significativo o fato de que a abertura, a distensão política, começou pelos meios de comunicação, pulmão da sociedade, que respira suas reivindicações.”

“Contem o presidente Geisel, as Forças Armadas, os legisladores, com o apoio de todos os meios de comunicação social deste país, que acima de seus debates e controvérsias colocam sempre seu compromisso de orientar e conduzir a opinião pública na sua luta permanente contra a radicalização, em busca dos caminhos da Justiça, da Ordem e da Democracia”.

Complementando a proposta de Mauro Salles em 77, resumo também o ensaio do professor Carlos Alberto Rabaça, Diretor de Comunicação da Shell e chefe do Departamento de Comunicações da UFRJ, na revista Mercado Global de janeiro/fevereiro de 78 — “Informação Pública e Democracia”.

“Os governos democráticos têm o dever de informar. É importante considerar a influência da informação na formação de focos de intranquilidade pública e perigo para a segurança nacional. A informação tem a função de prevenir a insegurança causada pelo silêncio, quando suspeitas e temores permitem o desenvolvimento de manobras nocivas à tranquilidade do país. Essa tranquilidade social é indispensável para a mobilização das massas em apoio As grandes realizações políticas e econômicas. O poder público necessita desse apoio e deve prover condições para a mobilização das massas”.

“O silencio nas informações, o retraimento governamental geram inevitavelmente retração e cautela nas atividades econômicas. O medo de que o governo vá contra o planejamento privado faz com que o investidor entre em compasso de espera, o empresariado se acautele e haja menor aceleração nos investimentos. Por outro lado, o controle ditatorial da informação ou a publicidade governamental mentirosa indispõem os homens públicos contra o governo. A informação governamental com técnicas de comunicação social disponíveis não precisa do monopólio da informação. A mobilização da população para tarefas de desenvolvimento é beneficiada pelos processos de participação governamental no grande debate sócio-politico-econômico. O governo precisa de órgãos especializados em comunicação para alcançar diferentes camadas de público e assim dispensar o recurso a práticas que levam ao emprego indevido de verbas e ao protecionismo velado. Mas a influência governamental é muito diferente da prática da censura ou do monopólio da informação.”

“O governo precisa de canais próprios de comunicação, mas sem delimitar a ação da iniciativa privada. Ao exemplo de países democráticos, diria que é salutar o contato dos homens de governo com o público via jornalistas, por exemplo. Uma sociedade democrática depende da liberdade de informação e do livro curso das ideias e opiniões. Mas esse processo nunca deve se dar desvinculado das necessidades de controlar seus limites, na procura dos ideais sociais de liberdade com responsabilidade.”

O pensamento desses dois “comunicadores sociais”, afinados com os ideais de crescimento econômico e “desenvolvimento harmonioso” da sociedade brasileira, sob a batuta dos interesses empresariais e com a “colaboração de todos”, ilustra a necessidade de que uma grande empresa de comunicações como a Globo esteja em sintonia com a realidade nacional. Todas as tendências da Globo, a partir do momento em que firmou (por volta de 73) o padrão visual e as normas para a sua programação nacional, se explicam pelo pensamento de Mauro Salles e Rabaça. A Globo nacionaliza sua programação, ao mesmo tempo que lhe dá um tratamento atual e realista, usando geralmente temas de interesse jornalístico ou “extraídos de fatos verídicos”. Seus diretores perceberam que melhor que omitir os problemas da sociedade, que a televisão quer atingir, é capitalizá-los, dando o enfoque predominante para o tratamento desses problemas, antes que “setores mais radicais” lancem mão. A fala da televisão sobre as questões sociais seria o que o professor Rabaça considera como “informação”, ao contrário das falas minoritárias e dotadas de menos credibilidade (quem pode contra a credibilidade de um Cid Moreira grisalho e engravatado que, além de falar em tom sereno e tranquilizador sobre o que vai pelo mundo, tem o poder de mostrar com imagens “reais” a comprovação de seus pontos de vista?), que seriam “desinformação”, perigosos focos de subversão, insegurança e descontentamento.

As reivindicações por “mais realismo”, “menos ilusão”, “menos fantasia”, feitas por setores minoritários (elites culturais urbanas) do público e pela própria crítica, serviram como orientação à estratégia de programação da Globo, que buscou exatamente, ao nível formal, tratar da realidade brasileira, colocar o “povo” no video, não omitir nem mesmo os fenômenos trazidos pela vanguarda social (como a libertação sexual, movimentos ecológicos, drogas etc., que constituem excelentes chamarizes para faixas do público que se sentem atrasadas e marginalizadas), ou de insatisfação popular.

Assim, a Globo ingressou na fase da abertura política com propostas que previam a necessidade da distensão governamental, para melhor controle e apaziguamento dos setores insatisfeitos da população — buscando a tal “integração harmoniosa” da nação brasileira. Como uma esponja, o “pulmão da sociedade” a que se refere Salles, ela aspira e absorve tendências e necessidades emergentes, canalizando-as para sua programação e orientando assim o debate que a sociedade faria em torno desses fatos. A Globo dá a versão dominante — e a versão se torna politicamente mais importante que o fato. Atuando dessa maneira, a indústria cultural exerce um controle da informação/opinião muito mais eficiente do que censurando e emitindo temas emergentes – o que seria um estilo mais compatível com a prática repressiva dos governos militares.

Um poderoso instrumento de vendas
A frase é de Paulo Afonso Grisolli, diretor de “casos especiais” e séries para a Globo:[32] “o compromisso ético-social da empresa que faz televisão não tem que ser maior do que a da empresa que faz macarrão”. A comparação tem duplo efeito. Primeiro, porque a mensagem do vendedor de macarrão, veiculada pela televisão, pode ser tão nociva ao público quanto a mensagem de algum programa. Ambos têm o mesmo alcance de público e, talvez, a mensagem comercial, por ser mais sintética e elaborada com fins exclusivos de convencer, seja mais “penetrante” que o conteúdo de um programa. Em segundo lugar, Grisolli está estabelecendo outra comparação: a mercadoria produzida por uma emissora de televisão é um bem de consumo que pode ser comparado a qualquer outro — daí o “macarrão” cultural da Globo ter uma responsabilidade ético-social tão grande quanto qualquer macarrão comestível por aí: “a fábrica de massas de macarrão, ela põe drogas conservadoras que podem ser perniciosas, mas que estão na faixa do consentimento ético. Também neste produto, nesta bolha de sabão que a gente fabrica violentamente, todos os dias, a quantidade de corante ou o que valha que a gente está pondo no produto (deve estar) nessa faixa do ético”…

A comparação é apenas literária, mas ilustra bem a relação intrincada que existe entre a indústria cultural — principalmente no caso da televisão e a publicidade. Os objetivos se confundem; a ética é a mesma; a linguagem se confunde; simbólico e concreto se confundem. Os ideólogos da televisão falam, ao traçar as estratégias políticas para o veículo, em transformar o público em mercado. O Departamento de Pesquisas da Globo utiliza técnicas de pesquisa em publicidade para avaliar o sucesso de sua programação e traçar rumos para programas futuros. Boni fala em vender um produto em que o público confie etc. etc. A televisão anuncia a si própria, continuamente. E os homens de publicidade, por sua vez esperam que a programação da emissora em que anunciam interesse o maior público possível, quase independentemente da ideologia dos programas, pois para eles a principal mensagem é a publicitária. “A televisão comercializa basicamente o tempo”, diz Dionísio Poli, diretor de Comercialização da Globo, em palestra proferida no I Seminário do Grupo de Atendimento a Veículos de Comunicação,[33] “ou melhor, o tempo e a audiência que consegue captar para cada segundo desse tempo. O anunciante compra um tempo de contato corn o público, que é diferente, dependendo do horário em que seu anúncio é veiculado. Baseado no tempo e na audiência, estabelece-se o custo por mil (aparelhos ligados) preciso considerar também o comportamento da demanda, isso é, a qualidade, em termos de potencial consumidor, do público por cada faixa de horário”.

Por ser um veículo de grande alcance, em que o tempo comercializado para publicidade tem o maior rendimento (em termos de pessoas atingidas) para o anunciante, a televisão passou a ser a mídia que concentrou os investimentos publicitários na década de 60. De 1962 a 1976, o investimento publicitário em televisão cresceu de cerca de 25% do total do investimento, para mais de 55%,[34] enquanto o volume de verbas publicitárias destinadas a outros veículos (rádio, revistas, jornais) decaiu percentualmente em quase dez pontos, no mesmo período.

A televisão popularizou-se com muita rapidez. Em 30 anos,[35] o total de aparelhos de TV no Brasil cresceu de dois mil em 1950 para cerca de 20 milhões (estimados) em 1980. Em 1977, a televisão concentrava 55,8% das verbas de publicidade. O investimento publicitário nos meios de comunicação distribuiu-se de modo a criar uma indústria cultural altamente polarizada. A participação das verbas em outros meios caiu, com exceção do cinema, que manteve uma pequena fatia estável de 0,6%. Isso significou, também, o declínio da viabilidade econômica de todos os outros veículos de comunicação no Brasil.

Analisando as 130 principais linhas de produtos mais importantes em publicidade[36] no ano de 1977, a televisão fica com 62,8% das verbas; em seguida: as revistas com 17%; os jornais com 9%; o radio com 8,2%; e os demais com 2,2%. Em relação aos dez principais anunciantes brasileiros, a televisão fica com 85% da verba para publicidade, sendo os restantes 15% distribuídos entre os demais veículos. Essa verba é absorvida em 73% nos mercados de SP e Rio, ficando os demais estados brasileiros com 27%.

A concentração se acentua quando verificamos que, em relação aos dez maiores anunciantes brasileiros, a Rede Globo absorve (ainda em 77) 85% dos investimentos, ficando na época 11% para a Tupi e 4 para as demais emissoras.

Um exame dos tipos de produtos mais anunciados na televisão leva-nos a conhecer melhor o público que ela privilegia e, até mesmo, o tipo de estética que, a partir dos comerciais, se imprime ao veículo. Na pesquisa acima, tínhamos os dez maiores anunciantes de 1977: Gessy-Lever (cosméticos), Nestlé (enlatados e chocolates), Souza Cruz e Phillip Morris (cigarros), Moinho Santista (tecidos), Caderneta de Poupança Delfim, Ford (automóveis), Rio Gráfica (editora e discos), Estrela (brinquedos) e Johnson & Johnson (produtos infantis).

Nos dados do publicitário Celso Japiassu, em exposição feita à equipe de pesquisadores da Funarte em 1981, verifica-se a predominância entre os primeiros colocados, do mesmo tipo de anunciantes: cosméticos (Gessy-Lever ainda em 1º lugar, Johnson & Johnson em 6º e Colgate-Palmolive em 7º), fabricantes de cigarros (Souza Cruz em 3º, Reynolds em 5°, Philip Morris em 14º) e bancos e cadernetas de poupança (Caixa Econômica Federal em 8º lugar, Banespa em 9º, Delfin em 16º). Entre os outros grandes anunciantes estão algumas cadeias de lojas e supermercados, como a Mesbla e o Pão de Açúcar, laboratórios farmacêuticos, indústrias de alimentos enlatados, refrigerantes e laticínios. Com exceção dos anunciantes das grandes cadeias de lojas, como a Mesbla ou as Casas da Banha, de clientela mais popular, a grande maioria desses anunciantes busca um mercado de classe média ou média alta, que pode ter acesso a produtos supérfluos ou se “beneficiar” das vantagens oferecidas pelas grandes financeiras.

Ainda utilizando as informações por Japiassu: a televisão utiliza dois dados fundamentais como critérios para definição de sua estratégia de classificação, pesquisa e alcance de público. Os mesmos dados utilizados para publicidade, aliás.

O primeiro é o fato de o Brasil ser um país “jovem”, com 60% de sua população na faixa dos zero aos 29 anos de idade, ou 50% na faixa dos zero aos 19 (o que é anunciado em geral com grande orgulho, esquecendo-se de que tal fato reflete não somente a “fertilidade” de nossa população, mas também a baixa expectativa de vida para os mais velhos…). Em segundo lugar, as pesquisas estabelecem o índice de Potencial de Consumo da população brasileira, considerada enquanto “mercado” ou “alvo” para a publicidade e, consequentemente, para a televisão. Já vimos que, segundo critérios de IPC, apenas 40 milhões de brasileiros se incluem nas “classes” A, B, C e D estabelecidas pelas pesquisas.

A Pesquisa sobre Concentração Econômica e Mídia, coordenada por Fatima Jordão em 1978, baseada no censo de 1970, indica a distribuição desses 40 milhões de consumidores pelo território nacional. Em 1970, 66% dos domicílios urbanos no Brasil que estavam ligados à rede elétrica concentram-se na Região Sudeste. Apenas 16% das residências dessa região não dispunham de energia elétrica, número que subia para 51% na Região Nordeste. A Região Sudeste também concentrava a maior expansão da rede de Água e esgotos. Em termos de indústria e comércio, a Regido Sudeste ocupava 70% de sua mão-de-obra, contra 17% na Região Sul e 13% no Norte/Nordeste e Centro-Oeste. Os índices de concentração de renda indicavam os seguintes potenciais de consumo: Sudeste 67%, Sul 15%, Nordeste 12%, Norte 1,6% e Centro Oeste 3,4%. 65% das vendas do país estavam concentradas nos estados do Sudeste, contra 18% no Sul e 17% no Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

Os dados de Japiassu, baseados no censo de 80, indicam ainda um potencial de consumo bastante concentrado em termos regionais. Temos, por exemplo, entre os cinco milhões de habitantes do Norte do país, apenas 2,39% considerados no nível 1 de IPC, e 2,03% no nível 2. Dos 37 milhões do Nordeste, 17,2% estão no nível 1 e 14,6% no nível 2. E na Regido Sudeste que se concentra o maior IPC do país.

A pesquisa coordenada por Fátima Jordão concluía que, “apesar do inegável progresso que a penetração da televisão vem conquistando nos últimos anos hoje a imagem transmitida pelas principais redes de TV cobre praticamente todo o território nacional —, grande parte da população não dispõe de poder aquisitivo para adquirir um receptor de TV, ainda que branco e preto: 50% do total de domicílios existentes no Brasil não possuem aparelhos de televisão (1978). Dos demais 50% que possuem, a maioria de 80% encontra-se localizada na Região Sul e Sudeste!”.

Assim, fica claro que, apesar das críticas e demandas por maior diversificação na linguagem da televisão, maior regionalização na programação etc., por enquanto o sistema implantado pela Globo — rede nacional centralizada no eixo Rio-SP e produzindo para um público cujo referencial é exclusivamente paulista e carioca — é ainda o de maior rentabilidade com o menor desgaste possível. Só assim se cumpre a exigência de produtividade definida por Walter Clark: “uma, eficiência várias vezes maior em relação a qualquer outra máquina de vendas de televisão no Brasil, e um custo menor do que a comissão que se pagava antes na Globo e que era usual em outras empresas do ramo”.[37] “Temos no Brasil uma estrutura comercial compatível com o estágio do negócio publicitário brasileiro, um dos mais evoluídos do mundo.”

Por outro lado, as agências de propaganda que trabalham visando a esse público privilegiado e investindo a maior parte de suas verbas em televisão são, na maioria, empresas multinacionais. Ainda dados de Celso Japiassu: houve uma progressiva desnacionalização das agências a partir de meados da década de 60. Hoje, entre os 20 maiores anunciantes para televisão, só cinco trabalham com agências nacionais (DPZ, MPM, Pão de Açúcar, Integral e Norton). A maioria das agencias é norte-americana, e algumas são inglesas. Se o publicitário Roberto Dualibi tem razão em suas afirmações ufanistas sobre a influência “educativa” do alto padrão visual da televisão (referindo-se Globo) nas tendências estéticas da população, que não mais aceitaria padrões “exteriores” (?) de miséria e imperfeição, podemos concluir que esses padrões são predominantemente norte-americanos, dada a grande maioria de agências multinacionais (i.é, americanas) que anunciam predominantemente, como vimos, na Globo, já que os maiores anunciantes brasileiros investem 85% das suas verbas para televisão na Globo e preferem o serviço publicitário daquelas agências.

Para Japiassu, a publicidade brasileira tem-se dirigido cada vez mais às camadas mais ricas da população. As mais pobres só se veriam retratadas nas raras propagandas que se destinam a vender produtos baratos (Arapuã, Casas da Banha, Jumbo Eletro, Rede Somar etc.). Talvez, seguindo as atuais tendências de divisão do público entre a Globo e a TVS (ficando a preferência das classes mais baixas na segunda, enquanto a Globo se reprograma para conquistar uma faixa ainda mais alta das classes médias e da burguesia), essa concentração/estratificação se defina cada vez mais. As pesquisas de publicidade procuram captar as tendências emergentes na população, mas sempre referidas aos tais 40% de consumidores. Dentre essas, as grandes cadeias de televisão se dividem de acordo com o público-alvo de cada uma. A programação de uma emissora que sabe recorrer às técnicas de pesquisa de mercado para atingir seu público segue as mesmas normas da publicidade. Os dados expostos acima condicionam, dão o feitio e o conteúdo da programação de uma emissora como a Globo, que não dá um passo sem consultar seu Departamento de Análises e Pesquisas. A publicidade faz da televisão sua imagem e semelhança.

Ainda um último fator que influencia, segundo interesses da publicidade, a linguagem e os conteúdos de programação da televisão brasileira: a urbanização do público-mercado. Segundo a revista Briefing (set. 81), as regiões da grande São Paulo, Grande Rio de Janeiro, Grande Belo Horizonte, Grande Porto Alegre, Grande Curitiba, Grande Salvador, Grande Recife, Grande Fortaleza e Distrito Federal concentram 46,56% dos domicílios com televisão existentes no Brasil, embora sejam apenas 30,47% do total de domicílios brasileiros. Enquanto as capitais representam altíssimo percentual de domicilio com televisão, nunca inferiores — exceção feita As capitais dos quatro territórios nacionais — a 60%, a maioria significativa dos domicílios situados no interior dos estados (exceto SP, RJ, MG, RS e ES) não tem televisão. No conjunto brasileiro, somente 56,6% dos domicílios têm televisão, ao passo que nas capitais a média sobe para 83,6%.

Esses dados não significam que, nessa grande maioria de domicílios interioranos sem televisores, as pessoas não vejam televisão. A instituição dos televizinhos ainda existe nas pequenas cidades, e até mesmo nas praças públicas as prefeituras dos interiores do Brasil andaram instalando aparelho de TV[38] para que suas populações não fiquem à parte da sintonia coletiva que realiza simbolicamente a nação. Mas significam o baixo poder aquisitivo das populações das cidades do interior, que exatamente por isso são marginalizadas enquanto público-alvo da publicidade e da programação em geral.

Marginalizadas não apenas por aí, aliás. Em artigo para a revista Isto É de 13.08.1980, o professor Antonio Candido comenta a tragédia da “cultura brasileira e seus municípios-zero”. Reproduzo parte da reflexão de Antonio Candido, para nos auxiliar a formar o quadro da marginalização nacional, do qual a televisão é somente um sintoma – e o mais contraditório deles, já que, como veículo de massa, se propõe a integrar a nação: “Quando traçou, no jornal Leia, o perfil do leitor brasileiro, o presidente da Câmara Brasileira do Livro, Mário Fittipaldi, mencionou as localidades habitadas no país onde não existe qualquer manifestação cultural (obs.: no que se entende por cultura dos letrados, evidentemente), isto é, não tem rádio, televisão, imprensa periódica etc. São chamados municípios-zero. O espantoso é que dentro dos 3951 municípios brasileiros, Fittipaldi encontrou 1897 que são zero. Os percentuais de tais municípios de trevas são os seguintes: 60% no Norte, 65% no Nordeste, 46% no Leste, 32% no Sul e 51% no Centro-Oeste /…/ Fittipaldi encerrava suas observações com a seguinte frase: ‘é gravíssima a indiferença do poder público para com um item de infraestrutura tão importante'”.

Em conferencia já citada, Mauro Salles afirma que, com o desenvolvimento do marketing no Brasil, “a população ganha uma nova importância como fator de demanda, aceleradora do mercado interno em um momento (1975) em que o consumo privado, de acordo com o II PND, tem que crescer a taxas de 8 a 9% ao ano, sem o que não será possível cumprir os imprescindíveis objetivos de elevação do nível de vida média do brasileiro”. Mas que “brasileiro” e esse? o próprio Salles responde: “Nós, homens de mercado e, de certa forma, os profissionais de comunicação aplicamos aos 106 milhões de habitantes do país uma aritmética diferente, tirando dessa população os inativos, os menores, os velhos e os que ainda estão à margem da sociedade de consumo, e chegamos a um Brasil consumidor que pouco ultrapassa os 36 milhões de habitantes”. Mais adiante, examinando dados do economista Hélio Jaguaribe sobre índices de marginalidade absoluta (capacidade de consumo restrita à alimentação básica, ou seja, capazes apenas — quando muito — de sobreviver) e marginalidade relativa (capacidade de consumo não superior ao estrito atendimento das primeiras necessidades), Mauro Salles diminui sua cifra, concluindo que “os consumidores nacionais, em termos de marketing, seriam apenas 25 milhões (grifo meu), o que é pouco para absorver a produção do complexo industrial e comercial instalado no país”.

Ao mesmo tempo (pasmo: do que é capaz ideologia!), há um cinismo generalizado quando, diante desses dados, homens como Mauro Salles, o próprio Roberto Marinho e outros profissionais das “comunicações” afirmam sua “fé na iniciativa privada como o fez o presidente Geisel” ao dizer que “a empresa privada é o mais eficaz instrumento para o desenvolvimento do Brasil”. Ao que se aplica o raciocínio de que, para que os brasileiros se “desenvolvam”, é necessário apenas motivá-los para o consumo — e portanto para o trabalho, a produtividade e a ascensão social. “É que temos em conta que esse mercado interno, que tem que crescer tanto na horizontal quanto na vertical, precisa ser excitado permanentemente a agir como forma de demanda, ampliando as faixas dos consumidores que vão estimular os novos investimentos. É que pela educação e pela informação, na medida que deixam de ser os marginais do consumismo, deixarão de ser os marginais da opinião.” Assim Mauro Salles conclui suas reflexões sobre a importância da indústria da propaganda na referida palestra.

Um poderoso veículo de vendas (II)

A modernização que a TV Globo introduziu na maneira de se pensar a televisão estendeu-se também para as relações da emissora com os anunciantes. A ponto de a revista Briefing referir-se a duas fases na publicidade em televisão: “Pré e pós-Globo”. A Globo impôs a ideia de que quem deveria fazer televisão era a própria emissora, acabando logo de início na década de 60 com o sistema dos patrocinadores, verdadeiros donos dos horários e produtores de “seus” programas. O primeiro sistema de vendas de tempo de comercial era o “patrocínio americano” — “o comercial do patrocinador ocupava a primeira posição no break e era inserido onde não constassem concorrentes seus”.[39] Em seguida, a Globo introduziu o sistema do “rotativo”, em que o anunciante, ao escolher a inserção de um comercial seu no horário nobre, tinha que comprar inserções comerciais em alguns outros horários de menor audiência — que só assim se pagavam minimamente. Segundo a revista Propaganda de abril de 1980, em número dedicado a televisão, a Globo começou a inverter o sinal do controle sobre a venda de publicidade para a TV. De uma época em que os anunciantes decidiam tudo, passa-se a uma fase em que os departamentos comerciais decidem, impondo suas normas aos anunciantes.. A Globo teria imposto uma política de preços (“preço justo”, conforme o texto da revista Propaganda), promovido uma “limpeza” no padrão visual dos comerciais, rejeitando aqueles que considerava de baixo nível, e imposto uma limitação nos intervalos comerciais: abaixo dos 15 minutos permitidos por lei (que até então eram frequentemente desrespeitados). A Globo teria conseguido uma tabela de pregos tão vantajosas que passou a limitar seus intervalos comerciais em 12 minutos – com pequena margem de “estouro”, claro.

No mesmo artigo (sobre a história da Globo), Roberto Duailibi afirma que a Globo teria influenciado o padrão de qualidade da publicidade para televisão, impondo um padrão clean. Mas não tão unificador quando o padrão de sua programação para atender melhor aos mercados regionais, a Central Globo de Comercialização realiza um mapeamento do país e continuamente verifica se os comerciais locais estão entrando na regido certa, transmitidos pela afiliada ou re-transmissora certa etc. Para os critérios de eficiência publicitária, o Brasil volta a ser um país de grandes diferenças culturais regionais, e a Globo toma todo o cuidado para que um comercial que deve atingir as cidades do nordeste do Paraná se diferencie, em linguagem e elementos motivacionais, de um outro (às vezes do mesmo produto) que visa as cidades do sudoeste de Sao Paulo.

Por sua alta eficiência, a Globo hoje impõe os pregos mais altos da televisão brasileira – mas que se tornariam mais vantajosos em termos de seu “custo por mil” . Celso Japiassu forneceu alguns pregos de 1979, esclarecendo que, nos três anos que nos separam daquelas cifras (em 1982), o preço de 30 segundos de comercial teria subido cerca de três vezes. Enquanto a Globo (com 53% de audiência nacional em horário noturno) cobrava Cr$ 424.170 por 30 segundos de comercial, a Record, segunda colocada com 16% de audiência, cobraria quase dez vezes menos — Cr$ 46.500. Isso, por um anúncio para todo o país. Em termos de preços locais, no Rio, por exemplo, a Globo cobraria Cr$ 241.380 por 30 segundos para 58% da audiência noturna, enquanto a Bandeirantes, com 8% da audiência, cobraria Cr$ 65.000. Entre 1972 e 77, os pregos dos comerciais na Globo nos horários de novelas e shows aumentou 487% contra uma inflação, no mesmo periodo, de 295% – ao mesmo tempo que o preço relativo do comercial para o anunciante diminuiu em 10%, já que o número de domicílios atingidos pela emissora cresceu em 36% e a audiência em 21%[40].

Hoje, a Globo já não vende comerciais no esquema “rotativo”. Vende módulos para a semana toda, a pregos variados conforme a audiência e o prestigio do programa, isto é, a qualificação dessa audiência. Por isso o módulo da linha de shows seria o mais caro, embora perca em audiência quantitativa para alguns módulos de novelas.[41] Homero Sanchez, ex-diretor do Departamento de Análise e Pesquisa da Rede Globo, explica[42] a importância da qualificação da audiência: “Por incrível que pareça, é importante para qualquer rede de televisão que o nível de sua programação seja elevado. No dia em que a senhora tiver público no Brasil que assista a uma programação culta com a mesma audiência que assiste a uma novela, por exemplo, aí o Roberto Marinho não será mais milionário: sera bi ou trilionário. No dia em que a televisão brasileira tiver um conteúdo elevado, o anúncio não será do supermercado ou do bacalhau. Será do Rolls-Royce, do champagne. O mais importante para uma estação de televisão é que o nível de sua audiência se eleve. Mais caro o patrocinador, mais caro o produto”.

O Departamento de Pesquisas da Globo foi criado por Boni em 1971, funcionando como auxiliar das áreas de produção e programação, analisando comportamentos, tendências e demandas dos espectadores, baseado em amostragem das grandes cidades brasileiras. De acordo com a revista Senhor, de julho de 1980, a equipe de Homero Sanchez enfrentaria diariamente um volume de 75 mil entrevistas, provindas de diversos institutos de pesquisa, inclusive da própria Globo, além do IBOPE. Um dos tipos de pesquisa de opinião, encomendada pelo Instituto LPM Burke, promove discussões altura dos capítulos 21, 41 e 61 de todas as telenovelas, com um universo de 20 mulheres de diferentes atividades (SP e Rio), recomendadas pela Globo. As conclusões dessas discussões a respeito de todos os detalhes das novelas — do roteiro aos figurinos, do cenário à interpretação dos atores — são analisadas pelo DAP e enviadas ao Boni, centralizador de tudo, que a partir dali mandaria ordens e contra-ordens para autor e direção da novela.

Falando à revista Briefing, Homero Sanchez define a importância da pesquisa para a televisão como “fundamental”. “A TV é feita para uma audiência que só se pode conhecer através da pesquisa (…) E não é conhecer só o gosto da audiência no momento da pesquisa. Isso faria a TV cair na inércia e não inovar. E preciso descobrir as expectativas da audiência, suas necessidades não-preenchidas, a nível consciente e inconsciente” (grifo meu).

Assim, a televisão seria capaz de se antecipar as demandas em massa do público, captando o emergente através de suas pesquisas e transformando-o em mito via TV, de acordo com a definição de Barthes, que não poderia estar mais bem aplicada do que nesse caso: “o mito é uma fala roubada”. O trabalho da equipe de Homero Sanchez seria o captar (roubar…) demandas (inconscientes?) ainda não transformadas em fala social, ainda latentes e inexpressas ou mal expressas, ou expressas por minorias, e transformá-las na versão que a Globo (via Boni) consideraria ser a fala conveniente. Cumpre-se assim o papel político já analisado anteriormente, ao mesmo tempo (ou em consequência — como precisar?) em que se cumpre uma exigência comercial: captando o emergente, a televisão polariza a atenção e o desejo das multidões, que se veriam, ainda que contraditoriamente, projetadas no video.

“Para dar uma ideia do nível tecnológico em que estamos, posso usar uma comparação: a pesquisa sobre TV da Globo está tão adiantada quanto a pesquisa sociológica nos EUA”, prossegue Sanchez, “e a pesquisa sobre TV nos EUA está tão atrasado quando a pesquisa sociológica no Brasil (…). A Central Globo de Comercialização pode fazer o que quiser dessas pesquisas. Quanto a terceiros, não há nenhum acesso a não ser nossos anunciantes, que podem receber informações e dados da CGC (…) Quanto à influencia da pesquisa na produção e na programação, eu digo o seguinte: a pesquisa faz parte da produção e da programação. Ela fundamenta o processo, está dentro do processo”.

Sinval Ledo, diretor de serviços de marketing da Globo, explica com mais detalhes a função da pesquisa em relação comercialização em televisão:[43] “Hoje importa à emissora de televisão não só vender seus índices de audiência, vender um planejamento, mas importa que ela venda um mercado, uma praga como um todo; nesse sentido é que o Departamento de Pesquisa tem que estar constantemente municiando o anunciante e a agência sobre o que está ocorrendo em Fortaleza, em Recife (…) se o mercado de Porto Alegre é igual ao de Curitiba? semelhante ao de Santa Catarina? Esse tipo de informação para o anunciante, para a agência, torna mais fácil a venda do tempo comercial porque você consegue deslocar muitas verbas para essas praças e criar, inclusive, verbas novas de propaganda para essas pragas, devido à dimensão, importância que essa praga assume num determinado planejamento de marketing”. Isso, o Sr. Sinval dizia já em 1974. A revista Mercado Global, criada nessa época sob sua direção, teve exatamente esse objetivo: informar (e motivar) o anunciante sobre as vantagens de se investir em cada região do país, atingida pela Rede Globo.

Seguem-se alguns textos exemplares da revista Mercado Global. No número de agosto de 77, dois artigos sobre “novas pragas” — Nordeste 2, a descoberta de um novo mercado e Mato Grosso, o grande celeiro — informam o anunciante sobre as boas condições de vendas em duas regiões do Brasil em que a Globo havia acabado de se implantar. Em maio de 77, inaugurados os retransmissores da Globo para os estados do Rio Grande do Norte e Paraiba, chamados NE2: estações repetidoras link implantadas em Cajá (RN) e Campina Grande (PB). São cerca de 625 mil novos telespectadores para a Globo. Seguem-se a análise dos estados de RN e PB, como mercados em potencial, e dados sobre a expansão do comércio da TV em cores depois da instalação da Globo/NE2 (o que indica que setores mais elevados da classe média passam a se interessar por televisão depois da implantação da Globo — uma emissora cujo “nível” de programação destina-se justamente as camadas de maior potencial consumidor, as que podem comprar TV em cores, por exemplo). A mesma análise é feita em relação ao estado de Mato Grosso, cujas perspectivas de desenvolvimento econômico são analisadas a partir de um incremento nos investimentos em agricultura, em vez de apenas em agropecuária. A Rede Matogrossense de Televisão é composta de três emissoras e 52 repetidoras, cobrindo 87% da população do MT ou 2 milhões e WO mil habitantes; o crescimento do consumo de eletricidade vinha sendo de 2% ao mês.

Em consequência da chegada da televisão, modificaram-. se os hábitos culturais da população das cidades matogrossenses: as pessoas passam a ver novelas noite em vez de ficarem sentadas nas calçadas. Criam-se novos hábitos de consumo: “o tipo de produto que se procura aqui é igual ao de outras regiões do país. Os jovens das cidades mostram os mesmos anseios: vestir jeans, comprar discos, possuir uma moto. As crianças são uma faixa importante de mercado: depois da chegada da televisão, muitas vezes elas pedem um, brinquedo que nosso comércio ainda não possui, tal é a velocidade com que a TV atinge as pessoas”.

No entanto, as estratégias de vendas via TV são diferenciadas para cada região do país. No Rio Grande do Sul, por exemplo, onde a cultura e as subculturas locais são muito arraigadas, não é tão fácil à televisão ir entrando de sola e divulgando hábitos de consumo a partir da hipótese de que as pessoas gostariam, sem dúvida, de imitar os modismos do Rio e Sao Paulo. A Mercado Global de março/abril de 77 analisa o(s) mercado(s) gaúcho(s), numa perspectiva muito diferente da utilizada para abordar o NE2 ou o Mato Grosso. Por um lado, o artigo valoriza o RS corno “uma das maiores rendas per capita do Brasil, cerca de Cr$ 2 mil (em 77), apresentando tendência acentuada a diversificar os hábitos de consumo. O Estado já representa o terceiro mercado consumidor brasileiro, onde, em 1970, 33% de sua população era economicamente ativa. (…) Mas o fato que chama a atenção é que o interior gaúcho concentra dois terços do que se chama Potencial de Consumo Genérico”. Assim, na sequência, afirma-se a importância de se investir no interior (em geral): “Esta ocorrendo uma espécie de conscientização, em termos nacionais, a respeito da importância do interior como mercado de consumo. São cada vez mais frequentes as abordagens comerciais diretamente sobre novos centros consumidores que surgem, crescem e se desenvolvem, transformando-se em verdadeiros pólos econômicos”.

O interior gaucho, entretanto, apresentaria uma dificuldade: a extrema diversificação de hábitos e gostos, baseados em tradições e diferenças históricas as quais os gaúchos seriam multo apegados. Naquele estado, portanto, a Globo implantou-se de maneira totalmente diferente do que fez no resto do país, de maneira a não ser menos bem-sucedida ali do que em outras regiões. A partir de duas opções implantar uma rede de repetidoras que levasse ao interior apenas o sinal da TV Gaúcha ou (a opção mais cara) formar um sistema regional, “através dos principais polos econômicos do Estado, adicionando em sua programação um toque local (grifo meu) à massa de informações transmitidas pelas estações de outros grandes centros como SP, BH, Rio e a própria TV Gaúcha, sediada em Porto Alegre”. “Optou-se no RS justamente por esse caminho. E seria então criada no Brasil a primeira Rede Regional de Televisão.” Nesse caso, o discurso se transforma. Para contornar a barreira que as populações do interior do RS poderiam opor à programação “massificada” da Globo, já não se utiliza da fala arrogante (como a de Mauro Salles) que afirma que as pessoas são iguais em todos os lugares, e que isso de respeitar culturas locais é bobagem. Agora, fala-se em respeito aos valores regionais: “A implantação da Rede Regional de Televisão foi uma forma de impedir que o homem do campo ficasse alienado do meio em que vive, produzindo-se localmente programas que abordassem temas sobre a vida da comunidade-polo.”

A programação da Rede Regional é prioritariamente a que a Rede Globo transmite para todo o país, mas há alguns programas produzidos localmente (diferentes em cada região) pelos seis canais do interior: TV Caxias, em Caxias do Sul; TV Tuiuti, Pelotas; TV Imembuí, Santa Maria; TV Erexim, em Erexim; TV Uruguaiana, em Uruguaiana, e TV Bagé, em Bagé. Duas outras estações, de Rio Grande e Cruz Alta, foram inauguradas meses depois da publicação daquele artigo. A Rede Regional de Televisão já apontava, em 1977, uma perspectiva para regionalização de mercados para o resto do Brasil, perspectiva indicada também no trabalho coordenado por Maria de Fátima Jordão em 1978 (Concentração Econômica e Mídia), em que um grupo de publicitários, examinando os dados da concentração econômica no Brasil, aponta, como saída para o esgotamento do mercado publicitário, o incentivo e o investimento em mercados regionais diferenciados: “outra possibilidade seria a da formação de pequenas redes regionais (ex.: Nordeste, Sul etc.) ligadas a uma rede maior, mas que tivessem major autonomia para a produção de programas. Temos a certeza de que dessa forma, além de contribuirmos para a possibilidade de manutenção e expressão de valores locais, estaremos também contribuindo para o melhor desenvolvimento da comunicação da propaganda em termos regionais”.

O artigo sobre o RS na Mercado Global também conclui que “depois de conhecermos os caminhos da imagem para o interior da Rede Regional de Televisão, fica a certeza de que um contato mais direto com as peculiaridades e potencialidades dessas regiões e desses mercados fartos com novas possibilidades comprovará a pujança do interior gaúcho”.

A ideia a se voltar a uma relativa “regionalização” na produção de programas, originada da necessidade de se explorar melhor as “diferentes pragas” do país, começa a ser pesquisada no fim da década de 70. Em 79, uma das séries da Globo — “Malu Mulher” — era quase inteiramente produzida em São Paulo, e a personagem procurava refletir uma realidade paulistana e não carioca. “TV Mulher”, inaugurada em 80, consolidou o “núcleo paulista” da Globo, que em 82 foi “prestigiado” com a produção de algumas minisséries (“Av. Paulista”, por exemplo). “Globo Rural”, criado em 79, procura atender a necessidades diferenciadas não das pequenas populações do campo mas dos grandes proprietários rurais.

Mas a necessidade de regionalizar a programação é recente e ainda inexpressiva, diante da outra realidade criada pela Globo – a de que todos os brasileiros, “no fundo no fundo”, gostam e aspiram as mesmas coisas. Voltamos a Mercado Global de janeiro de 78: Sergipe, uma lição de desenvolvimento. O artigo conta a implantação da TV Sergipe: “Alguns empresários queriam uma emissora de TV em Aracaju, em 71, 72. Como faltavam verbas para a instalação de uma emissora, os empresários locais abriram subscrições e ações entre a própria população, e criaram um movimento coletivo até a instalação da emissora. A TV Sergipe, afiliada Globo e pertencente à TV Aratu (BA), liderança total em audiência e marco do desenvolvimento econômico do Estado. Hoje (em 78) são 75 mil aparelhos e cerca de 375 mil espectadores. A TV Sergipe detém 80% da audiência, cobre 60% dos municípios e a partir de 78, espera-se, todo o Estado. (…) Com a chegada da televisão as coisas mudaram e hoje os empresários em Sergipe possuem uma mentalidade mais aberta (leia-se — aberta aos valores globais). Algumas empresas chegam a destinar 70% de suas verbas de publicidade para a televisão.”

Confirmando Grisolli: a televisão não precisa ter mais ética do que a fábrica — ou o vendedor — de macarrão. Em palestra para publicitários em dezembro de 74, Homero Sanchez aplica em momentos diferentes raciocínios de conclusões opostas. Falando sobre os métodos de pesquisa, explica a estratificação do público (e consequentemente da programação): “não é a mesma pessoa que assiste (a TV) de meio-dia as 18, não é igual à que assiste de 18 às 22, igual à que assiste das 22 às 24; há, em linha gerais, três ou quatro fluxos de audiência. (…) Quando entra o bolo de público, que é às 18 h 30 aproximadamente, aquela avalanche, aquela audiência que se mantém até às 22 horas com um declínio pequeno às 21 horas, que nós chamamos hora de conversar”.

“Esta caracterização, em primeiro lugar, dos fluxos de audiência e, em segundo lugar, da presença das pessoas, permitiu-se começar a pensar em termos de qual era o telespectador que assistia e coincidia nossa programação com o tipo de audiência que tínhamos em determinado momento. Isso não quer dizer — e eu chamo a atenção — que nossa audiência determinasse nossa programação, não; mas nós fazíamos questão de que nossa programação não fosse alérgica para a audiência diferenciada, não a atingisse e não a ofendesse.”

Mais adiante, Sanchez se refere a técnicas utilizadas para pegar as fatias mais resistentes dessa mesma audiência que ele não quer “atingir ou ofender”: “Com referência ao elemento jovem, (ele) constitui, em qualquer audiência, o que os americanos chamam ‘audiência contestatária’. Vocês pegam uma pesquisa de IBOPE, dos 13 aos 18 anos é o menor índice de audiência. E uma gente muito chata para pegar na televisão. A menina de 14/15 anos se fecha no quarto, bota a vitrola em altos brados, diz que está estudando, não está estudando coisa nenhuma, se a mãe descuida ela é capaz de estar fumando maconha, mas não vai ver televisão.”

Então, Sanchez relata a experiência de uma novela das 19 horas (“Minha Doce Namorada”) dirigida ao público jovem e que conquistou para a Globo, em 1970, a tal faixa resistente de meninas de 14/15 anos. A novela que se seguiu “Doce Namorada” se chamava “Meu Primeiro Amor”, de Walter Negrão. Era a vez de “pegar” o garoto adolescente: “Eu disse — Walter, vem cá, nós já pegamos a menina, e o rapaz está chateado, (…) você podia nos ajudar a pegar o rapaz. (E o Negrão:) Eu vou criar duas turmas no ‘Meu Primeiro Amor’. A turma da bicicleta, que são os mocinhos, e a turma da motocicleta, que são os ruins, ambos estão no ar, vamos ver se conquistamos o rapaz. Não pagou 10. Amarramos a menina e amarramos o rapaz. Mas isso não dura sempre, porque na seguinte novela (…) onde todo mundo era adulto, perdemos o menino outra vez, e a menina começou a balançar; quer dizer: a audiência é manipulável.”

A necessidade de qualificar e diferenciar a audiência, ou, como querem os programadores, “respeitar suas diferenças”, sobrepõe-se outra necessidade: a de se encontrar um denominador comum, nacional, acima de todas as diferenças — etárias, regionais, culturais, econômicas. Homero Sanchez define ingenuamente o “nacionalismo” em que se baseia a Globo para pautar sua programação unificada: “existe uma espécie de substrato anímico neste país que é muito importante, que é o que une a todos, o que permitiu que isto fosse esfacelado e dividido em 14 republiquetas, porque nós temos limites com 14 países e ninguém entrou para cá, nós entramos um pouquinho para lá mas ninguém entrou para cá, certo? Então é muito importante que nós estudemos esse substrato brasileiro, esse substrato anímico, de forma que nossa programação, sem pretensão (…) atinja e cumpra uma função de integração”. “(…) Nesse sentido, nossa programação tende não a conquistar o apoio das regiões pela exploração das características culturais da região; não, e fazer uma coisa de lastro nacional, que possa atingir o todo sem provocar uma reação.”

A imagem de uma classe média que realmente se ampliou no país durante a década de 70, os sonhos de ascensão social via milagre de felicidade e prestigio via consumo teriam sido os, tais fatores unificadores do imaginário nacional, na fase de maior expansão da Rede Globo, como se verificará mais adiante.

Finalizando a questão de como os ideólogos e programadores da Globo lidam com a contradição entre o “regional” e o nacional, que é a contradição entre a ideia de uma população diferenciada, dividida efetivamente em classes, culturas e formação histórica e a ideia de um público homogêneo e (quase) passivo à penetração das “novidades” e benesses trazidas pela TV, cito o pensamento de Eduardo Borgath, diretor geral da TV Globo de São Paulo, em uma apresentação no II Seminário de Técnica, Teoria e Prática de TV: “Essa polêmica de televisão nacional e televisão local, televisão de rede contra os chamados banheiros culturais locais (…) essa resposta eu dei a um deputado que, na Câmara, defendeu os valores locais. Ele dizia que a televisão extingue, termina com os valores locais. (…) Eu disse: Olhe, deputado, o senhor me cite que valores locais são esses. Que valores locais nós temos, por exemplo, em Lençóis Paulista a preservar, me cite — nós temos em Lençóis Paulista os seguintes valores a preservar’. Esta tudo lá preservado. Como preservar? Trazendo para o centro e irradiando para o Brasil inteiro (grifo meu), é a única forma de preservar. (…) Era a mesma coisa se, para preservar valores locais, nós não tivéssemos permitido a Pelé sair de Três Corações. (…) Se houver um sanfoneiro de grande talento em Caruaru, ele se chama Luiz Gonzaga, tem que ser trazido ao Rio de Janeiro, para São Paulo, ou para outro grande centro do qual ele vai irradiar sua música, seu talento e vai, então, poder ser preservado.”

Preservar, capitalizar, “trazer para o centro” a produção cultural passível de se transformar em mercadoria lucrativa. Preservar, adular, “respeitar” hábitos e tendências de populações passíveis de serem transformadas em bons mercados. Manipular o que já mercado ou mercadoria, conciliando interesses ideológicos e econômicos. E ignorar (frequentemente destruir) o que está fora dessas categorias. Essa é a lógica da televisão da propaganda. Esta é a lógica de toda produção cultural bem sucedida, em moldes capitalistas.[44]

Mais questões de ética: merchandising, campanhas e educação pela TV

“A mensagem do merchandising surpreende o espectador num momento de ‘entrega ao programa’. Ele está desarmado de seus mecanismos de atenção seletiva, em pleno ato de consumo de fantasia, de sonho, de entretenimento. E por isso é melhor atingido e penetrado. Um dos segredos da eficiência do merchandising parece estar nessa ‘entrega’. Justamente porque carece dessa vantagem é que o comercial convencional necessita da repetição.” Assim Stanley Chevalier, psicólogo, assessor da Diretoria Executiva de Comercialização da Rede Globo define o poder do merchandising para a revista Mercado Global, n° 34.

O truque é simples e muito rentável para a emissora: o galã da novela entra num bar e pede um refrigerante qualquer. Mas a emissora pode fazer um contrato com a Coca Cola; assim, o galã pedirá ao garçom “uma Coca” com a maior naturalidade, perfeitamente dentro do enredo, e a emissora terá acrescentado alguns milhões de cruzados nos rendimentos comerciais da novela. Em casos simples como esse, comuns há muito tempo em televisão e cinema, o autor da novela nem precisaria estar informado. Em outros casos, mais sofisticados (a Globo é a rainha da sofisticação comercial), modificam-se enredos inteiros para comportar alguns contratos de merchandising. Um personagem (Kadu Moliterno), fotógrafo, não contente em exibir longamente sua Nikkon durante vários capítulos, na novela “Agua Viva”, ainda consegue um bico para fotografar um loteamento qualquer numa praia deserta no Espírito Santo e lá se vai com a namorada (Glória Pires) demonstrar ao espectador incauto as maravilhas da região, comentadas e decantadas nos diálogos e grandes planos gerais de câmara. A ficção estaria perfeita se o tal loteamento não fosse real e não estivesse sendo lançado por ocasião da exibição daqueles capítulos.

Sendo o consumo e o desejo de consumo elementos constantes nas novelas mais recentes da Globo, nada mais natural que também o merchandising se torne personagem constante. Ainda em “Água Viva”, além da onipresente Coca-Cola, tivemos a moto do galã Fábio Jr. (closes “acidentais” na marca), os filmes que a milionária Stela (Tônia Carreiro) exibia em sua casa e cujos títulos eram depois exibidos durante vários capítulos, nas camisetas usadas pelos personagens jovens. Merchandising eram os microcassetes curtidos pela mesma Stela, que leva seu próprio som para dançar tango numa discoteca, dando um tom bem-humorado e ainda mais facilmente aceitável, para o espectador, na mensagem comercial; são os video-cassetes do outro milionário (Raul Cortez). Foram as longas cenas em que o rapaz pobre recém-empregado (Jorge Fernando) explicava entusiasmado a seus clientes (e o que é mais: fora de serviço, com o mesmo entusiasmo, a seus amigos) as vantagens de um novo programa de “poupalização” de uma determinada financeira, garantindo o dinheiro do freguês contra os efeitos da inflação.

Já em 1971, a novela “Primeiro Amor”, citada por Homero Sanchez, lançava nova linha de bicicletas no mercado jovem. Auxiliado cada vez mais pelo clima realista da novela e tornando ainda mais verídica a ambientação, o merchandising na programação nacional foi a grande descoberta da Globo, com arrancada definitiva depois da novela “Dancing Days” (1978) que, além de incrementar por todo o país o furor da moda discoteca, lançou ou contribuiu para afirmar algumas marcas. A discoteca do personagem Hélio (Reginaldo Farias), decorada inteiramente com anúncios luminosos coloridíssimos, participou efetivamente do planejamento da fábrica de jeans Staroup, que na época procurava penetrar no mercado carioca. André Ranschburg, diretor de marketing da Staroup, comenta em entrevista à Mercado Global, nº 45 (“TV — A Mídia”), que seu produto era pouco conhecido no mercado carioca e o investimento em propaganda da empresa no Rio de Janeiro era bem pequeno, “até que resolvemos fazer uma campanha na TV incluindo um merchandising na novela ‘Dancing Days’. A partir dessa experiência demos um salto tão grande em nossas vendas que saímos praticamente de um venda sem significância, no Rio, para uma participação hoje, um ano depois, que já representa 10% de nossas vendas nacionais. Quero salientar que nosso público alvo é a classe AB, homens e mulheres de 14 a 28 anos, e é claro que a, TV funciona mais do que outras formas de anúncios. Continuamos fazendo televisão e incluímos merchandising na novela ‘Feijão Maravilha’ para não perder o habito”.

Na novela “Os Gigantes”, de Lauro César Muniz, havia uma loja de ferragens e implementos agrícolas — a novela se passava no meio rural — que vendia uma determinada marca de rações, sendo suas qualidades elogiadas mais de uma vez em conversas da dona da loja com seus clientes. Em “Água Viva”, o merchandising atingiu a perfeição, fechando um círculo em que a novela abarca a realidade consumista, tornando o consumo não apenas uma mensagem que vem por fora, em intervalos delimitados, mas o próprio tema da vida e o motivo da alegria de personagens sedutores, bem-sucedidos e de cabeça “saudável” (no jargão da novela). Incorporando o consumo no enredo da novela, a televisão, além de lançar marcas específicas, reforça um valor, um desejo genérico, cumprindo uma das mensagens “integradoras” da TV: fazer de todo o público um mercado em potencial. Fazer do consumo uma ideologia. “Estão agora querendo obter a cumplicidade dos autores para o merchandising. Não sei como vai ser possível trabalhar”, queixava-se Lauro César Muniz na época em que estava escrevendo a novela “Os Gigantes”, poucos meses antes de concluir apressadamente a novela e ser demitido da Rede Globo.

O merchandising, além de mais eficiente como mensagem comercial e “efeito realista” na ambientação de novela ou seriado, é mais rentável para a emissora. No texto citado, o psicólogo-assessor-comercial Stanley Chevalier argumenta a respeito da justeza desse prego alto: “Algumas vezes, (os clientes) comparam o prego de compra de algumas presenças e/ou testemunhas de consumo do merchandising com o que poderiam comprar, com o mesmo dinheiro, ou comerciais, avaliando tudo em um total de segundos: ‘Mas vocês estão vendendo pouco mais de 50 segundos pelo prego de quatro comerciais de 30 segundos!’. Na verdade, não estão comprando pouco mais de 50 segundos e nem sequer segundos: estão comprando ideias e virtudes de merchandising que não podem ser medidas em segundos e cuja força de impactos os case-histories (!) de clientes bem-sucedidos atestam e comprovam. Pois seria acadêmico e tolo tentar estabelecer quantos comerciais vale uma presença de merchandising, simplesmente porque as duas formas se complementam e conjugam, formando um melhor resultado.”

Complemento ideológico perfeito do merchandising foi, na década de 70, a invenção das “campanhas” ou, como chama a Globo, seus “projetos especiais”. Nesse caso, tratava-se de associar uma marca não mais ao sonho de felicidade-consumo das telenovelas, mas a um valor cívico qualquer, um slogan humanitário que viesse de encontro a alguma carência social do momento. “Estabelecer um diálogo novo entre o grande público e as empresas que a ele se dirigem, através de um enfoque institucional (grifo meu), sem o objetivo básico da propaganda pura e simples”, dita o texto explicativo sobre os projetos especiais na Mercado Global, nº 35. Criada em 1973, a Divisão de Projetos Especiais elaborou campanhas que associavam o nome da Globo ao de empresas como Unibanco, Bradesco, Bolsa de Valores do Estado, Shell e outras, na promoção não apenas das empresas citadas (e da emissora) mas de atitudes e valores que o chamado senso comum “nacional” não poderia recusar. “O projeto especial visa através das empresas, influir positivamente na vida da comunidade, proporcionando ao anunciante a possibilidade de prestar um serviço comunitário ou cultural que só dignifica sua imagem junto ao público”, prossegue o texto da Mercado Global. “Em outras palavras, a criação e comercialização dos projetos especiais e campanhas de natureza institucional complementa a política de vendas sem com ela colidir ou se confundir.”

O que se confunde, evidentemente (como no caso do merchandising), é a cabeça do espectador. Como o merchandising uma marca de mercadoria qualquer deixa de ser apenas uma marca para se tornar um dos signos do mundo fantástico de aventuras, prazeres e ascensão social da telenovela, no caso das campanhas e “projetos especiais” uma marca deixa de ser apenas a marca (de um banco, um tipo de combustível, um refrigerante) para se tornar um dos guardiães cívicos da sociedade, associada a valores humanísticos que o próprio sistema operado por essas empresas contribui para extinguir.

Uma das primeiras campanhas, “Guie sem Ódio” (Globo/Unibanco), tentando contornar, em 1974, os problemas de violência no trânsito, teve tanta aceitação que o Unibanco tornou-se um dos principais adeptos dos Projetos Especiais. Em 75 repetiu a dose com a campanha “Mexa-se”, dirigida às populações sedentárias das grandes cidades, e que segundo o Diretor de Marketing do Unibanco, Antônio Fernando de Franceschi, falando à Mercado Global, teve adesão sem precedentes na história da propaganda brasileira. Adesão que Franceschi não especifica, pois além da criação de uma má consciência em relação ao que acontece com o próprio corpo, pouco poderia fazer o povo paulistano ou carioca ou gaúcho para se mexer, dada a realidade da vida nas grandes cidades brasileiras. A essa campanha seguiu-se “Ler é Viver”, ainda com o Unibanco. A Shell co-patrocinou uma campanha que visava à valorização do homem do campo, tema que a Massey-Ferguson também encampou com o projeto “A Terra e o Homem”, com cenas (idílicas) da agricultura no Brasil. Depois da criação do “Globo Rural”, o homem do campo foi várias vezes tema de campanhas da Globo, inclusive na grande propaganda de fim de ano (já tradicional) em 1980/81, quando os atores mais populares das telenovelas da emissora se espalharam por todo o país, mostrando e valorizando um homem-do-campo e uma agricultura dignos de fazendas-modelo, dignas das nossas melhores fantasias rurais e dos discursos do ministro Delfim Netto.

Voltando aos meados da década de 70, a Bolsa de Valores de São Paulo associou-se à Globo para a campanha “E Hora de Confiar”, que procurava reforçar a confiança do povo/público nas perspectivas (otimistas) do país. “Nosso maior interesse era influenciar os lideres da opinião pública, estando também interessados em falar com a maior quantidade possível de cidadãos de todos os níveis econômicos e sociais”, dizia o vice-presidente da Siboney Publicidade S/A, José F. Kfuri. “Descubra o Brasil”, em co-patrocínio com a Souza Cruz, e “Férias de Verão” (Banco Real), na linha de incentivo ao turismo — e, mais uma vez, de incentivo à má consciência da grande parte do público, “despertada” através da campanha para a importância de se tirar férias e viajar pelo menos uma vez ao ano… “Tire férias e deixe sua família descobri-lo”, dizia o texto da campanha do Banco Real. O mecanismo das campanhas é sempre o mesmo: responsabiliza-se o cidadão, ou melhor, a “falta de consciência” do cidadão, por circunstâncias das quais ele é de fato vítima: não ler, não fazer esportes, não tirar férias, não viajar com a família. Em 75, “Adote um Atleta”, “Defesa da Cidade” e “Volta Escola” foram veiculadas em São Paulo, sendo que a “Defesa da Cidade” foi feita também, com imagens regionais, em Recife.

O Centro de Promoção à Poupança foi mais ousado, criando um “Bônus Salva Vidas” para auxilio no diagnóstico precoce do câncer. “Uma imagem saudável para um produto saudável”, ou “uma associação da imagem do produto com o bem-estar da comunidade”[45]. Um estímulo à mobilização do espectador? Talvez o oposto: um estímulo para que o espectador descanse tranquilo em frente do aparelho de televisão, confiante de que as empresas privadas, o governo e o sistema de telecomunicações se associem em defesa de seus interesses, atentos aos estragos que o “desenvolvimento econômico” vem provocando na qualidade de vida dos cidadãos comuns. Um estímulo para que o espectador sinta que as instituições públicas e privadas estão cuidando dele antes que ele precise reclamar. Pois as “campanhas” não se seguem às palavras de ordem levantadas pelo ainda incipiente movimento de massas num Brasil quase calado força: elas se antecipam ao que possam vir a ser preocupações da sociedade, e mais uma vez rouba-lhe a fala; transforma em mito a Globo e as empresas que a ela se associam.

Na passagem de ano de 1978 para 79, entrada do Ano Internacional da Criança, a Globo promoveu sozinha sua maior campanha, arrecadando, numa mobilização em que ficou 24 horas seguidas no ar, dinheiro (20 milhões de cruzeiros, na época) e donativos materiais a serem distribuídos por uma dezena de creches e hospitais infantis em alguns estados brasileiros. Roberto Carlos comandou o espetáculo benemerente, estimulando os espectadores à participação com frases do tipo: “Voce amanhã vai se sentir mal consigo mesmo, cara. Voce não vai se sentir numa boa de não ter feito nada para ajudar as crianças…”[46] Dessa vez, a Globo ofereceu uma alternativa concreta má consciência de seu público, oferecendo-se a própria emissora como canalizadora da solidariedade nacional nos mesmos moldes (mas em dimensões muito maiores) em que se promovia, em 1966, coordenando o envio de donativos para as vítimas das grandes enchentes no Rio de Janeiro.

Na base de “campanhas de caridade” massivas como aquelas, o pressuposto de que a sociedade se divide entre necessitados e caridosos, os que precisam de ajuda e os que podem ajudar, sendo a justiça social consequência imediata da coordenação desses vetores contrários. A Globo, fazendo a ponte entre “os que precisam” (“Esse brasileirinho desamparado precisa muito da nossa ajuda”, dizia um dos anúncios publicados em jornais na semana anterior ao dia da campanha) e “os que podem” (e, pressupõe-se, só não ajudam porque não sabem como fazer), contribui para que, através de um imenso sanatório de pequenos garotos bem comportados, a sociedade de classes se reequilibre. Contribui para ocultar a natureza das relações entre esses mesmos despossuídos e seus protetores, relações produtoras e reprodutoras da pobreza. Contribui para incutir entre os despossuídos uma atitude de pacifica espera e conformada gratidão. Ou contribui para que os possuidores descansem em paz, tendo no dia 17 de dezembro de 1978 doado alguns mil cruzeiros, algumas roupas, joias ou alimentos para instituições de caridade que hoje, quatro anos depois, provavelmente, continuam exatamente onde se encontravam, nem melhores nem piores. E a maioria das crianças abandonadas brasileiras, por sua vez, continua onde sempre esteve: na rua.

“Educação à distância”

Quando se trata de conhecer a face institucional da Globo, é fundamental a referência à Fundação Roberto Marinho e seus grandes baluartes: desde 1978, o Telecurso de 2° Grau, e o Telecurso de 1° Grau — de 1981—, calcados mais uma vez na missão de integração nacional, só que nesse caso com consequências mais profundas, pois se trata de educação pela televisão, para todo o território nacional.

A Fundação Roberto Marinho (FRM) foi oficialmente fundada a 31.12.1977. Além dos telecursos, promove ou co-promove atividades cívicas ou de caráter considerado educativo — esporte amador, atividades de lazer — dirigido em convênios com algumas secretarias municipais — e as mais diversas campanhas, além de manter uma galeria de arte, a Galeria de Arte Global.

Quando a FRM foi oficializada, o Telecurso de 2° Grau já vinha sendo planejado há alguns meses. Trata-se de um curso supletivo pela televisão, com 15 minutos diários de aulas, apresentadas pelos atores globais, num padrão visual e de ritmo inteiramente compatível com o chamado “padrão global”. O Telecurso de 2° Grau é mantido em convênio com a Fundação Padre Anchieta (da TV Cultura de Sao Paulo), em cujos estúdios são gravadas as aulas, preparadas por professores e profissionais de televisão contratados pela Fundação Roberto Marinho. Foi lançado em São Paulo a título de experiência em janeiro de 78, e rapidamente estendido a Brasília (21.04.1978), Goiânia (28.04.1978) e Anápolis (28.04.1978), Rio de Janeiro (05.05.1978), e para o restante do país no dia 14 de julho do mesmo ano.

Por ocasião da comemoração dos seis meses de existência do Telecurso de 2° Grau, a revista Mercado Global, nº 43, de ago-set/78, publica artigo que justifica o fato de uma emissora privada ter assumido a responsabilidade pela educação a distância, “Num país de dimensões continentais como o Brasil”, em lugar das emissoras públicas, pertencentes as Secretarias de Educação dos Estados: “a televisão comercial empresta ao programa um dado de suma importância que é a audiência, e mais um aparato promocional para solicitar e motivar as clientelas do telecurso”; e já anuncia que, por volta de agosto de 78, os alunos aprovados em exames supletivos que se prepararam pela televisão superam em 16% os que se prepararam pelos cursinhos de madureza convencionais.

O Sr. Roberto Marinho, que por ocasião do lançamento do Telecurso de 2° Grau o anunciara como fator de “desenvolvimento harmonioso, mudança, modernização e igualdade de oportunidades”, no sexto mês de sucesso de mais uma iniciativa de seu conglomerado de empresas de comunicação afirmava que “independentemente da cor partidária das dimensões de cada município ou empresa, existem desafios comuns a todos. Principalmente a melhoria do padrão de vida do homem” e conclui ser a educação uma prioridade para administradores públicos e privados. Os números impressionantes dos brasileiros que dependem dos cursos supletivos para completarem o 2º ciclo escolar denunciam que a iniciativa privada estaria ali entrando para cobrir uma imensa área em que os serviços públicos abandonaram suas responsabilidades. No caso, a iniciativa privada faz o “favor”, ao Estado, de suprir aquilo de que ele não dá conta (a ensino regulamentar), mas também se beneficia com isso. Em 1978, a demanda pelo ensino supletivo no estado de São Paulo era de 400 mil pessoas; a Secretaria da Educação de São Paulo forneceu a Mercado Global os dados nacionais: 28 548 117 brasileiros dependeriam de cursos supletivos p ara o 2° grau em 1973, cifra que subia para 32 775 026 em 1978, considerando-se apenas indivíduos entre 15 e 39 anos fora da rede escolar.

A televisão apresenta a vantagem, para o aluno, de dar o curso de graça (em 78 os alunos gastavam apenas Cr$ 25 por fascículo, prego que atingiu Cr$ 110 em 1982), em pouco tempo (15 minutos diários!) e numa linguagem tão próxima à do espetáculo que a pessoa presta atenção com mais facilidade. Do ponto de vista do controle social, os telecursos (que seguem programação obrigatória estabelecida pelo MEC) apresentam a vantagem de “unificar as diretrizes educacionais por ser (a televisão) uma fonte única de onde emanariam instruções, sugestões e controles, evitando-se a dispersão didática e formativa.”[47] Ou seja, a integração/unificação/uniformização da informação ou da formação ideológica da qual a escola participa como elemento decisivo, por ser um ponto de reunião, de debates, trocas de ideias e encontro entre indivíduos com experiências de vida diferentes e vindos às vezes (no caso da escola pública) de faixas sócio-culturais diferentes. curso unificado pela televisão controla ou mesmo elimina boa parte desses “riscos”. Em São Paulo, por exemplo, uma das primeiras consequências do convênio entre a FRM e a FPA para o telecurso foi o fim dos telepostos mantidos pela Fundação Padre Anchieta, onde as pessoas se reuniam para assistir, num aparelho de televisão, as aulas transmitidas pela TV Cultura (bem mais maçantes que o curso global, é verdade), e depois discutiam dúvidas e aprofundavam questões com o auxílio de um monitor voluntário. Parece que o sistema dos telepostos ainda é mantido em cidades pequenas de todo o Brasil, onde o número de residências com televisão é muito pequeno, ou por algumas entidades de promoção cultural, como é o caso do SESI (Serviço Social da Indústria) de Minas Gerais. Mas, de modo geral, o primeiro efeito da educação pela televisão foi o fim do espaço coletivo e o isolamento das pessoas em suas casas para “participarem” pela TV de uma atividade que deveria ser coletiva. Isso, independentemente do conteúdo do Que está sendo ensinado pela televisão, já fator de controle social, possibilitando passividade e conformismo onde deveria haver indagação e formação do senso crítico.

A “culpa” entretanto não seria da Globo nem da FRM, que entraram nesse espaço deixado vazio depois de 14 anos de um governo que se diz “revolucionário”. Mas, o que as empresas do Sr. Roberto Marinho ganharam, dessa vez, com mais uma iniciativa que poderia ser atribuída ao afiado senso de oportunidade de seus administradores? Aparentemente, nada além de respeitabilidade (o que não é pouco para uma empresa de comunicação), aprovação governamental e sentimento de “dever cumprido.” Sem contar o fato de que a manutenção por uma empresa privada de uma Fundação sem fins lucrativos contribui significativamente para alivia-la de uma parte de seus impostos. O telecurso não é patrocinado. Quinze minutos diários no ar sem propaganda alguma, que passaram para 30 minutos diários depois do início do Telecurso de 1° Grau — para isso a Globo escolhe seus horários menos concorridos para transmitir as aulas, que em São Paulo, por exemplo vão ao ar as 6 da manhã de 2ª a 6ª feira.

O não-patrocínio se dá pelo fato de os cursos serem mantidos por uma fundação, e em obediência a uma portaria do MEC que exige de todas as emissoras particulares de televisão a manutenção de atividades educativas não-comerciais. No caso do jornal do Telecurso, mantido pela FRM e vendido nas bancas de todo país por Cr$ 110, o dinheiro arrecadado não vai para a Fundação — vai para a Rio Gráfica Editora, também de propriedade do Sr. Roberto Marinho, que imprime jornal e fascículos. A FRM não pode lucrar nada com essa venda, mas a proibição não se estende ao proprietário das Empresas Globo de Comunicação.

Magno Silveira, historiador, ocupando desde o inicio de 81 o cargo de diretor adjunto dos Telecursos da FRM afirma[48] que a “menina dos olhos” da Fundação já não é o Telecurso de 2º Grau, mas sim o de 1° Grau, mantido em convênio entre a FRM, o MEC e a Universidade de Brasilia. O convênio com o MEC é de cooperação técnica e financeira: “técnica, porque está dentro dos critérios do MEC e a supervisão dos cursos é de responsabilidade deles”, diz Magno Silveira “e financeira porque a educação distância está dentro dos objetivos do MEC, e como eles não mantêm nada nesse sentido, subvencionam uma parte de nossos custos”. Segundo Silveira, a FRM apresentou ao Ministério da Educação o projeto do Telecurso de 1° Grau, e o MEC aceitou o convênio sem abrir concorrência entre as emissoras privadas de televisão, porque foi um projeto que ia de encontro aos objetivos do Ministério e não existia (não existe) outra emissora com projeto similar no Brasil: “O MEC e acusado de financiar só a FRM, e a resposta é que foi a única Fundação que apresentou um programa de televisão educativo de bom nível.” Mais uma vez, a Globo leva vantagem por ser uma empresa competente que apresenta um projeto tecnicamente correto em consonância política com objetivos governamentais.

O Telecurso de 1° Grau difere do de 2° Grau por ter fugido ao padrão dos atores das telenovelas da emissora apresentando as aulas. “A motivação principal dos cursos é pedagógica, não é uma coisa novelesca”, diz Magno Silveira, acrescentando que só não se modificam os padrões do TSG pela dificuldade e os custos que representariam se refazer os termos do convênio com a Fundação Padre Anchieta. Quanto ao que significa uma aula pela televisão, Silveira define: “Não se trata simplesmente de aulas filmadas — fazemos as coisas de maneira a aproveitar as potencialidades do veículo televisão. As aulas publicadas no jornal do Telecurso são roteirizadas e transformadas em 15 minutos de programa, mas essas aulas pela TV sempre remetem à necessidade de se ler o que está no jornal. As aulas do rádio também partem das aulas escritas nos fascículos, mas são gravadas pelo Serviço de Radiodifusão Educativa do MEC, porque o projeto Minerva estava sem audiência.” Isso significa que, em lugar do antigo Projeto Minerva mantido pela MEC, as aulas que vão ao ar através de mais de mil emissoras de rádio por todo o país, diariamente, das 20h às 20h30, também são elaboradas pelos profissionais da FRM, seguindo o mesmo roteiro e os mesmos padrões que os telecursos. Além disso todas TVs educativas de outros estados do Brasil (Amazonas, Ceara, Espirito Santo, Maranhão, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul) veiculam as aulas do telecursos FRM — e as emissoras particulares não-afiliadas à Globo poderiam transmiti-las também: “por força do convênio com o MEC, somos obrigados a ceder gravações dos telecursos a quem pedir, gratuitamente. Só temos que pagar os direitos autorais dos professores”, esclarece Silveira, cuja opinião é que as outras emissoras particulares não transmitem o telecurso porque fariam propaganda da FRM — cujo logotipo abre e encerra os programas — involuntariamente.

Os Telecursos da Globo/FRM também tem seus opositores. Além das outras emissoras particulares de televisão, que reclamam da aparente proteção do MEC em relação ao Sr. Roberto Marinho, os proprietários de grandes cadeias particulares de cursos supletivos tradicionais fazem o possível para boicotar o poder das teleaulas. Em São Paulo, por exemplo, a Secretaria da Educação programou um exame supletivo em que só caiam perguntas sobre assuntos que não estavam incluídos nas aulas do telecurso. Como a televisão pública, é muito fácil elaborar exames que escapem ao programa das aulas da TV; no caso de São Paulo, reprovando os alunos dos telecursos, a Secretaria de Educação estaria protegendo interesses dos proprietários de cursos supletivos. Por outro lado, o recurso contrário também esta à mão: ninguém pode impedir que um colégio pegue as aulas gravadas pela FRM e passe a transmitir, com grande economia e muita publicidade, aulas em video-cassete produzidas nos estúdios da Globo. Na frente do Liceu Claretiano, em São Paulo, uma grande faixa anunciava, em 1982: “Supletivo com videocassete” — serão as aulas da FRM? Chegamos assim cada vez mais perto de uma realidade em que o ensino unificado não representa apenas uma padronização nos currículos ou nos programas escolares, mas em que uma mesma aula pode ser transmitida simultaneamente a todos os estudantes do país, via televisão.

Vejamos os dados fornecidos pelo Sr. Roberto Marinho em conferência à Escola Superior de Guerra, em junho de 81:[49] “Desde o seu início, o telecurso provocou um interesse inédito pela teleducação. Em São Paulo, por exemplo, ao término da primeira etapa do telecurso, as inscrições para os exames supletivos de 2º Grau superaram o número de inscrições para o 1º Grau. Esse fato se repetiria mais tarde em outros Estados.” E acrescenta os números das aprovações: “Nos exames de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira, o índice de aprovação dos candidatos que seguiram as aulas do telecurso foi de 29,1% contra 23,3% de outros cursos. Em História, a proporção favorável ao telecurso foi de 38,7% contra 22,8%. Em Geografia, de 48,1% contra 44,3%.”

O Telecurso de 1º Grau, inaugurado em março de 81, vem sendo transmitido por 59 emissoras de televisão e 800 de rádio, num total anual de 407 programas, segundo informações publicadas em folheto de divulgação da FRM.[50] Mesmo se dando o desconto pelo fato de se tratar de números divulgados por um folheto propagandístico, os três milhões de “alunos” do Telecurso de 2º Grau em 82 (675 000 pessoas só nos estados de São Paulo e Rio, em cada fase do curso, por exemplo) são um número assustador que denuncia a omissão do Estado na área da educação. Se a televisão supre ou não os efeitos dessa omissão, fica difícil comprovar num país em que até mesmo pessoas preparadas pela rede oficial de ensino revelam-se quase analfabetas ao prestarem testes para obtenção de empregos ou exames vestibulares. E o que torna o papel controlador da televisão ainda mais eficiente, seus recursos ainda mais poderosos e as ideias ou a ideologia que ela veicula ainda mais facilmente hegemônicas.

Destaques na programação

“Sem novela uma estação de televisão não vive; porque a novela dá audiência fixa. A base da vida da televisão é a novela.”

Walter Clark

O crescimento da rede Embratel no final da década de 60 coincide com o desenvolvimento da produção de telenovela dentro da Globo, que fez delas uma peça fundamental na estratégia de programação única para toda a rede. O orçamento do núcleo de novelas sempre foi alto em relação a outros núcleos da emissora. Em 1972, as novelas levaram 30% do orçamento da Central Globo de Produções. Em 1973, a Globo introduziu a cor em sua programação e começou a firmar seu padrão visual, o chamado “padrão Globo de qualidade” ou, para os da casa, “padrão Boni de qualidade.” Em 1975, a porcentagem de verbas destinadas à produção das novelas era de 53% do orçamento de produções, ou seja, Cr$ 3,2 milhões. Mas o investimento numa programação feita dentro da própria emissora, que tivesse uma linguagem própria, de nível midcult e de preferência identificada com o que se poderia chamar de “jeito brasileiro”, começou bem antes, com a entrada de Boni para a direção da emissora, como Superintendente de Produção e Programação, em 1966. Com ele entraram profissionais de comercialização (Ulisses Arce), criação (Borjalo) e jornalismo (José Armando Nogueira), trazidos também por Walter Clark — mas a programação básica da Globo não se diferenciava da de outras emissoras. De início, programas de auditório comprados de outras emissoras traziam para a Globo seu público cativo. Luiz Guimarães, diretor adjunto da vice-presidência de Operações da TV Globo/SP,[51] que conhece e trabalha na emissora desde a compra da TV Paulista em 66, lembra-se de que aquele foi o tempo do Chacrinha (feito separadamente, primeiro em auditório de São Paulo e transmitido ao vivo para SP, e depois o mesmo programa feito ao vivo no Rio para o público carioca), da Hebe Camargo, da Dercy Gonçalves (também transmitida ao vivo do Rio e de São Paulo, separadamente), dos humorísticos do Ronald Golias, do “Casamento da TV” de Raul Longras, e dos novelões cubanos e mexicanos adaptados, aqui, por Heloisa Castellar e José Castellar, Casquel de Madri (que também fez muitas adaptações de teleteatro para a Globo) etc.

Para Valter Avancini,[52] a Globo “assumiu a sua posição buscando todos os códigos de comunicação da época sem nenhum pudor. Ela mantinha ‘O Homem do Sapato Branco’ no ar, o Longras aqui no Rio, e Silvio Santos em São Paulo, a Dercy, o Chacrinha e as novelas mexicanas da Glória Magadan. Todos os códigos mais diretos de comunicação e de consumo”. Até o momento em que a emissora começou a estabelecer seu público privilegiado: o público de classe média, com poder aquisitivo em vias de ascensão, em meados dos anos 60. Foi então que, citando ainda Avancini, “se tomou consciência do comportamento do mercado, ou seja, não importava a um veículo como a televisão levar mensagens que não fossem mais dirigidas para ao público consumidor”. “Depois que ela (a Globo) estabeleceu um nível de audiência dentro desse mercado (popular) foi que aconteceu a conscientização de que esse mercado aberto não interessava, o importante era criar um tipo de comportamento que atendesse objetivamente ao mercado que podia comprar, que era a chamada classe média. A partir daí, a Globo começou a se estruturar, não em termos de conteúdo, mas em termos de estética. A estética da classe média, mantendo o mesmo conteúdo.” “Com isso nós passamos a ter um cuidado com os programas, ou seja, a vestir (sic) a programação.”

No entender de Avancini, a programação da Globo teria sido vestida pela eletrônica, pela alta qualidade tecnológica que vem sendo uma das preocupações da emissora desde o começo: “No seu comportamento de programa, no seu vivo, digamos assim, ela tem uma linguagem que foi determinada pelo equipamento, ou seja, a eletrônica criou a imagem da Globo. A possibilidade de estar atualizada com equipamentos criou a linguagem da TV Globo. A sua linguagem é representativa do tipo de câmara que ela tem, do tipo de croma que ela usa. O próprio jornalismo da Globo só é diferente dos anteriores pelo tipo de mobilidade do equipamento que acaba determinando a linguagem. O resto é igual. (…) Não é o profissional criando a partir do equipamento, é o equipamento se impondo e ele mesmo sendo a linguagem” (grifo meu).

A limitação da falta de equipamento e, consequentemente, a abertura de possibilidades, criada pela importação de tecnologia avançada, é um fato, a começar pelas mudanças determinadas no momento em que o video-teipe se introduziu no Brasil. Renato Corrêa de Castro, que foi diretor do “Fantástico” em São Paulo, de 1976 a 1980,[53] conta como o VT modificou toda a concepção da programação da Globo e de outras emissoras. Em 1965, quando a Globo foi inaugurada, o VT já estava no Brasil mas era muito pouco utilizado por limitações técnicas: a cabeça do gravador de VT só permitia algumas horas de gravação e tinha que ser recondicionada na Alemanha, custando tempo e dinheiro. Também era impossível se editar em VT, sem o Editec que se usa atualmente: as fitas tinham de ser cortadas e emendadas manualmente, com lupa ou microscópio e estilete, num processo lento e caro. O video-teipe ficou viável com o editor Editec, na década de 70, mas o primeiro aparelho Editec, na Globo, entrou em 1968 (na ocasião do incêndio nas instalações de São Paulo, a partir do qual se unificou definitivamente a programação — em 69 —, quando estava no ar a novela “A cabana do pai Tomas”, gravada em video-teipe e editada no Editec).

O VT condicionou uma linguagem muito diferente da programação ao vivo. Os cortes na edição permitem muito mais agilidade na sequência das imagens, o mosaico visual ininterrupto que hoje se conhece como a “linguagem da televisão” . Poderíamos afirmar que a televisão de McLuhan é a televisão do video-teipe — o resto repete a linguagem teatral no video, apesar dos intervalos comerciais. Com o VT, a Globo consolidou fórmulas e vícios. A improvisação foi desaparecendo e a espontaneidade também. A limpeza visual passou a ser tomada como sinônimo de boa qualidade da programação. A ausência de ruídos, acidentes, interferências, pequenos momentos em “branco”, dessincronias, imperfeições. A presença quase obrigatória dos malabarismos visuais, os logotipos que se fragmentam e explodem em mil partes coloridas para depois de alguns segundos de dança caleidoscópica se reunirem em nova forma, nova palavra, novo significado. A utilização também obrigatória da música acompanhando todos os tempos em que falta a palavra — a impossibilidade de silêncios. A voz em off anunciando o próximo programa, enquanto os créditos e a música-tema do programa que acabou de terminar ainda estão no ar. Tudo isso compõe a marca do padrão Globo, padrão que se torna mais forte que o conteúdo de sua programação na determinação da preferência (e da formação de hábito) do espectador. Uma emissora que promete não dar baixaria. Uma emissora à altura de participar do ambiente da nova sala de estar, onde o ouvinte de classe média dos anos 70 brinca de futuro executivo de sucesso, enquanto acompanha os comerciais de cadernetas de poupança.

Assim como o VT, a cor foi outro determinante do padrão visual da TV Globo. Luiz Guimarães nos informa que a Globo foi uma das últimas a implantar a cor aqui, porque o número de aparelhos coloridos era muito pequeno no país e não valia o preço de uma corrida para se investir no caro equipamento para TV em cores. Essa falta de pressa teria sido um fator favorável para que a emissora tivesse se preparado bem para transmitir em cores, adaptando seu material, seus cenários, figurinos e técnicas de iluminação, mandando alguns técnicos aprenderem na Alemanha a lidar com o equipamento colorido, criando cursos dentro da própria emissora para capacitar seus profissionais para o uso da cor. Para Renato Correa de Castro, a cor revela mais imperfeições do que o preto e branco, de modo que o uso da cor obrigou a emissora a melhorar o nível visual de figurinos, cenários e maquilagem. Até o padrão de beleza dos atores, que seriam protagonistas principais de novelas e shows, foi-se modificando para aproveitar as vantagens e evitar as desvantagens que a cor revela. A Globo poderia ter transmitido em cores desde 1971, mas levou dois anos se preparando, e só em 1973 ingressou no mundo das cores com um Caso Especial (“Carne de Baile”) e a seguir com a novela “O Bem Amado”, de Dias Gomes, no horário das 22 horas — uma novela em que a emissora investiu em qualidade para dar um salto em prestígio.

Voltando à década de 60 “e à “virada” no nível da programação em busca de um padrão mais ao gosto das classes médias, foi por volta de 1967 que o Boni começou a dispensar alguns programas populares e investir nos riscos de uma programação com cara culta. Teleteatro no lugar da Hebe Camargo. Novelas brasileiras em vez de dramalhões cubanos, mas novelas brasileiras com jeito de Ipanema, não de Quixeramobim. O fim da TV Excelsior, além de eliminar uma concorrente, possibilitou que a Globo trouxesse para seus estúdios atores e criadores de sucesso já garantido junto ao público. A dupla Francisco Cuoco-Regina Duarte veio, com fama já feita, das grandes telenovelas da Excelsior. Daniel Filho, que em 1970 era diretor geral do núcleo de novelas da Globo, veio da Excelsior. Ele dirigiu novelas cubanas feitas nos estúdios da Globo como se fossem passadas na França, na India, no Saara, até 1968 (primeira foi “A Rainha Louca”, de Glória Magadan, em 1967), quando começou a introduzir dados modernos e brasileiros no visual e na temática das telenovelas:[54] “Em 1968 eu dirigi uma novela da Janete Clair em que, embora sendo daquelas grandes temáticas melodramáticas, eu achei que podia acrescentar alguma coisa nova em termos de televisão. Botar um novo visual na novela, mesmo que a base fosse a mesma. A novela era ‘Véu de Noiva’, um novelão clássico, mas com dados modernos. Botei la corrida de automóveis, cenas de rua no Rio de Janeiro, uma linguagem mais coloquial, trilha sonora nacional etc. Também queria vender música dentro da novela, para dar um cunho brasileiro. Tinha a cena da atriz mergulhando na piscina e a cena se repetia várias vezes no ritmo da música. Na lua-de-mel da Regina Duarte e do Claudio Marzo, fiz cenas externas no Alto da Boa Vista e de repente a imagem congelava (com recurso de fotos, porque na época não existia o stop-motion). Enfim, comecei a mexer no visual das novelas e a tirá-las do estúdio para a rua, onde o espectador se reconhece.”

Assim, a programação se moderniza, apesar de ainda apresentar desigualdades. Silvio Santos ainda fica na Globo por muito tempo, até 1975. O programa Haroldo de Andrade foi ao ar pela última vez em dezembro de 73. Amaral Neto, uma “concessão” da emissora a pressões governamentais, passou do horário nobre para um horário de menor audiência, as 11 da noite de sábado, e depois para as 10 da manhã de sábado. Chacrinha saiu em 1972 e voltou quase dez anos depois para concorrer com a TVS nos sábados à tarde. Em relação à saída do Chacrinha e o estabelecimento da linha de programação envernizada que caracterizou a Globo durante 10 anos, o cineasta Walter Lima Jr. relata um episódio que a seu ver foi decisivo:[55] “Uma coisa bastante interessante aconteceu na época do governo Médici; num determinado momento, muita coisa mudou em termos dos meios de comunicação e principalmente no caso da televisão, estranhamente uma abertura se deu dentro do clima fechado que era o governo Médici.”

O que Walter Lima chama de “abertura”, não tão estranhamente quanto possa parecer, foi deflagrado com uma violenta intervenção do governo, na Globo e na Tupi: “/…/ havia uma programação do tipo Chacrinha e toda essa coisa que está voltando agora, toda essa programação de linha bem popularesca (…) e no mesmo horário em .que havia a transmissão via Embratel iam ao ar dois programas basicamente com a mesma proposta — o programa do Flávio Cavalcanti na Tupi e o Chacrinha na Globo. Num belo domingo apareceu no programa do Chacrinha uma pessoa extraordinária em quem baixava o santo, o seu Sete da Lira do Delírio (…) Eu fiquei impressionado com a presteza, a agilidade dele ir de um lado para o outro, porque ele foi da Globo para a Tupi, do Jardim Botânico até a Urca, e esteve no ar durante o espaço de uma hora e meia para o Brasil inteiro, e, segundo constava na ocasião, a dona Cyla Médici vendo o programa caiu em transe. Enfim, às dez e meia, onze horas da noite, as tropas, os tenentes, os capitães invadiram a Globo e a Tupi.”

“Essa noitada o pessoal foi para o Antonio’s e lá alguém teve a brilhante ideia, o dono da conta da Sheel, o Magaldi, de contemporizar com os caras, mudar a linha da Programação, fazer um programa cultural e batizaram o programa na hora de ‘Globo Shell Especial’, e foi assim que de repente se mudou muita coisa. E a essa figura, o seu Sete da Lira a quem a gente deve muita coisa.”

É bem provável que o incidente com a apresentação do Sete da Lira no programa do Chacrinha não tenha sido o principal determinante da criação do “Globo Shell” (futuro “Globo Repórter”) e mais tarde do “Fantástico”, em 1973, consolidando o que já vinha sendo a diretriz fundamental de toda a programação produzida dentro da emissora. Em setembro de 1972, um ano depois da criação do “Globo Shell” e ainda no governo Médici, o então diretor Geral da Globo Walter Clark fez um resumo da programação da emissora, em palestra para o Centro de Estudos do Pessoal do Departamento de Ensino e Pesquisa do Ministério do Exército, referindo-se orgulhosamente a “uma dosagem perfeita de humor, novelas, shows, filmes e informação, distribuídos equitativamente durante as 19 horas que permanecemos no ar”. Falando em “mobilização de talentos locais” e na produção de uma programação “genuinamente brasileira, catalizadora da cultura popular, dos nossos usos e costumes”, Clark afirma estar seguro de que a Globo cumpre a exigência do espectador de “uma programação descontraída, de humor e música, depois de um longo dia de trabalho”.

A elevação no nível da programação da Globo, coincidindo com o gesto midcult de uma classe média em ascensão, não é simplesmente consequência da vontade da direção da emissora de entrar em consonância com as diretrizes políticas do governo Médici. A criação do “padrão Globo de qualidade” está relacionada diretamente com a concentração de renda no início dos anos 70, com o estreitamento do mercado em direção às classes de média-alta para cima, e consequentemente com a mudança do público-alvo da TV. Citando a tese de Postch, em trecho referente à política econômica daquele período e suas consequências para as TVs: “Estabelecidos os novos padrões de competição, estavam abertas as condições para profundas alterações na estrutura de mercado e consequente concentração (oligopolização) cujos efeitos mais diretos serão a consolidação da Globo e a decadência definitiva da Tupi.”

Para ilustrar essa nova programação midcult, Walter Clark, na conferência citada, escolhe os seguintes exemplos: Jornalismo, quase duas horas diárias distribuídas durante as 19 horas de programação, de informações locais ou (em Rede) nacionais e internacionais. Transmissão de Eventos Especiais (“mesmo sem retorno comercial imediato…”), como as Olimpíadas de Munique e, em sintonia com os objetivos dos planos educacionais do governo, a transmissão de todos os eventos esportivos importantes: a Copa de 74, “assumindo integralmente o pagamento desses direitos (de transmissão) por nossa conta e risco em nome da Rede Brasileira de Televisão”; as corridas de Fórmula I e II que a Globo, além de transmitir, promove ou co-promove; os esportes amadores, torneios de basquete “de âmbito nacional e internacional”. Nessa palestra, Walter Clark citou o programa Amaral Neto como evento especial, ao lado do “Globo Shell”, “ambos produzidos em cores por equipes especializadas” para mostrar ao público a realidade brasileira. (Em entrevista concedida a pesquisadores da Funarte, em 1979,[56] Clark referia-se ao Amaral Neto em outro tom: “O Amaral Neto foi uma pressão da direita. Fomos obrigados a colocá-lo em horário nobre. Amaral Neto morreu com a abertura…”)

Cita ainda a cobertura dos festejos do Sesquicentenário da Independência e a transmissão das Olimpíadas do Exército. Como se vê, a Globo no governo Médici dançou (ou marchou?) conforme a música. Finalmente, cita o investimento da Globo na Area da educação, ainda em sintonia com objetivos governamentais: a adaptação brasileira do Sesame Street transformado em “Vila Sésamo” no mesmo ano de 72, que teria custado à Globo cerca de um milhão de dólares, segundo Walter Clark, e cuja produção norte-americana teria custado ainda mais — 8 milhões de dólares doados por fundações particulares e pelo US Office Education. A educação pré-escolar-padrão-Globo-US-Office-Education foi mais tarde incorporada pelo Projeto Garibaldi em Brasília,[57] tendo sido considerado eficiente em “quase” (sic) alfabetizar 70% das crianças testadas, em apenas 45 dias, além de ajudá-las a desenvolver “comportamentos próprios para a idade”.

Na área de educação infantil e juvenil, anos antes da criação do Telecurso de 2º Grau, a Globo implantou o núcleo das novelas das 18 horas consideradas educativas por levarem ao ar temas ligados à realidade rural (as primeiras foram “Bicho do mato” e “Meu pedacinho de chão”), e mais tarde — até hoje — adaptações de clássicos da literatura brasileira, como “Senhora”, “Helena”, “A Escrava Isaura”, “A Moreninha” etc. Não há nenhuma relação de qualidade entre o romance escrito e a adaptação novelesca, além do nome do autor e, evidentemente, alguns elementos do enredo e da ambientação da novela; mas as novelas das seis conseguiram criar uma aura de “cultura”, vender durante alguns meses milhares de exemplares dos livros a que se referiam, ampliar a audiência do horário (a primeira novela das seis, “Bicho do mato”, deu 32% de IBOPE, segundo Renato Corrêa de Castro, coautor junto com Chico de Assis), e cumprir com a orientação do Ministério da Educação que, embora não tenha exigido nada da Globo, teria apoiado a ideia de a emissora produzir novelas popularizando obras da literatura nacional.

Por essas e outras, a Globo não teria estabelecido os fundamentos de sua programação considerada de “bom nível” em função de pressões do governo ou por causa do acidente com o Sete da Lira, já estando em sintonia com as diretrizes governamentais há muito tempo. Mesmo quando o ministro Quandt de Oliveira investe contra a baixa qualidade da programação da televisão brasileira, a Globo não se sente atingida e seu diretor geral responde à imprensam que “na Globo, a filosofia não muda”: “As críticas dirigidas a toda a televisão brasileira não farão mudar a nossa filosofia. Estamos melhorando a cada dia que passa, colocando no ar programação de alto nível cultural, procurando distribuir cultura e informação para todo o país.” No mesmo artigo, de julho de 1974[58], há referências ao primeiro aniversário do “Fantástico”, que tentaria (com sua salada jornalístico-sensacionalista-espetacular) “fazer sempre o melhor para o maior número possível”. Mas apesar de tanta sintonia com as diretrizes governamentais, o entrevistado Walter Clark ainda se bate contra a censura: “A censura não poderia nunca ser melhor do que o IBOPE, porque nesse há a possibilidade de livre escolha, enquanto aquela é imposta sem opções.” Na entrevista à Funarte em 1979, Clark demonstra mais claramente os limites de seu entendimento com o governo, ao referir-se a alguns choques com o Ministro das Telecomunicações no governo Médici: “O Corsetti começou a implicar com a qualidade. O grande problema da cultura brasileira é Brasília, que é um núcleo provinciano com uma visão distorcida.”

Uma TV “Sabor bem Brasil”

“Em 8 de maio de 1975 o jornal O Globo publica artigo em que Walter Clark, mais uma vez Walter Clark (e sempre Walter Clark, até que o proprietário da Globo achou que seus poderes estavam se ampliando demais e cassou seu cargo de diretor geral, em 1977) afirmava, em debate na Comissão de Educação da Câmara dos Deputados em Brasília, que “a televisão brasileira já atingiu um nível de amadurecimento, a ponto de sua programação já ser solicitada no exterior”. Clark deu ênfase ao fato de que a Globo teria “nacionalizado” a maior parte de sua programação, que só no horário nobre das 18 as 23 horas — atingiria um “índice de 84% de programação nacional”,[59] observando em seguida que “a televisão encontrou seu papel depois de superada a fase de improvisação e de falta de estrutura administrativa, a partir de 1968, quando seus organizadores passaram a admitir o Brasil como uma verdade integrada, fazendo uma programação nacional”.

Em debate com os deputados, Walter Clark informou que o índice de nacionalização dos programas das outras emissoras no horário nobre (naquele ano de 75) era de 8%, enquanto a programação total da Globo apresentava 65% de produção nacional. A relação de custos da programação da Globo, segundo dados de Clark, era de 8% para os “enlatados” estrangeiros (leia-se norte-americanos) e 92% para a programação feita em casa.

Além disso, devemos considerar que a Globo sofisticou o tom de seu “nacionalismo”, mesmo no curto período de quatro anos do governo Médici, quando o ufanismo esteve em alta por aqui. Conservou sem a obviedade de programas como o “Amaral Neto, Repórter”; das campanhas cívico-patrióticas cuja linguagem se confundia com a das propagandas oficiais da AERP em estilo “ame-o ou deixe-o”, ou equivalente; do furor pedagógico da sua ampla programação esportiva. (…) Criou ainda uma linha de programas como “Som Livre Exportação” (1970), em que compositores como Wilson Simonal, Don e Ravel (“Eu te amo meu Brasil, eu te amo…”), Antônio Carlos e Jocafi (“Voce abusou”), Ivan Lins (“O amor é meu país”), faziam diretamente a propaganda de um Brasil pacífico e sentimentalóide que esquecia, ao som de um sambão-joia, as agruras do período pré-64 (ou melhor, pré-68), enquanto os dissidentes morriam espancados mas sem incomodar o ritmo da “marcha pacifica”[60] em que o país parecia caminhar. Programas como “Só o Amor constrói”, contando no mesmo tom sentimental, carregado de mensagens de otimismo e incentivo ao homem comum, a trajetória da ascensão ao sucesso de vários ídolos da televisão, entre lágrimas e doces recordações.

A própria telenovela tem seu período épico-ufanista. “Irmãos Coragem”, de Janete Clair (1970/71), foi o primeiro “épico” das telenovelas da Globo, o primeiro sucesso Globo em cadeia nacional, a primeira grande novela (“Véu de noiva”, em 1969, ainda foi uma novela pouca expressiva) a tratar temas que arremedaram a “sociedade brasileira” nos tempos atuais em vez de basear-se em romances históricos; o herói João Coragem (Tarcísio Meira), cowboy-garimpeiro empreendedor e honesto de alguma cidadezinha fictícia entre Minas e Góias, termina o último capítulo alegoricamente reunindo, com seu exemplo, a população da cidade em torno de si para a reconstrução coletiva da pequena Coroado, incendiada por um louco ambicioso, o vilão da estória.

Por esses tempos, a Globo já incentivava os brasileiros a se prepararem para a coleta dos frutos do “país que vai pra frente”, comemorando todos os fins de ano com o convite para a festança que se realizava no video e também entre alguns setores da classe média em ascensão. “Hoje é um novo dia de um novo tempo”, cantavam os atores globais reunidos num brinde aos brasileiros “em geral”: “Hoje a festa é sua, hoje a festa é nossa, é de quem quiser, quem vier…” O tom era de confraternização através da imagem televisiva. Quem fica por fora? Só “quem não quiser, não vier”. Os inaptos para a festa. Os incapacitados para o consumo.

A sofisticação do tom nacionalista da programação da Globo se dá no final da gestão Médici, ocasião em que a emissora firma definitivamente (isso é, por um longo período, que começa a dar sinais de seu final muito recentemente) sua linha de programação e a homogeneidade de seus padrões. Tanto no sentido horizontal (de segunda a sexta pelo menos, e no caso das novelas e telejornais, de segunda a sábado, o espectador encontra quase o mesmo tipo de programa de acordo com o horários: novela as seis e sete, jornal as oito, novela de novo, show às nove, novela às dez, jornal às onze etc.) quanto no vertical (durante um dia inteiro de programação, um padrão visual, os logotipos, o tipo de apresentação dos programas definem uma linha continua que age no sentido de criar o hábito no espectador e não quebrá-lo nunca), a TV Globo mantém a homogeneidade do que se poderia chamar o “tom editorial” da emissora. Quanto homogeneidade horizontal e vertical da programação da Globo, fala João Carlos Magaldi, Diretor de Comunicação da Globo, revista Briefing: “Comunicação da TV todo o esforço que a Rede Globo faz, utilizando seu próprio canal ou o de outros veículos, para divulgar sua programação. (…) Nossa comunicação se caracteriza por uma linguagem única (quer se trate de programas de entretenimento, informação ou educação) que traduz a filosofia da empresa. A Divisão de Comunicação, que surgiu há 10 anos (1970) e se estruturou em apenas seis, se compõe da Assessoria de Imprensa, do Departamento de Promoções, do Departamento de Programação Visual e da Agência da Casa. (…) A comunicação da TV Globo envolve as chamadas para um programa, aberturas e vinhetas, até campanhas de utilidade pública, boletins da programação e, claro, a programação visual que identifica e personaliza sua imagem. A identidade visual é tão importante para a TV quanto é fundamental o espectador criar afeto pelo veículo. A identidade visual funciona como elemento de personalização. Ela transmite ao telespectador todo o clima do veiculo, de forma única, exclusiva, e com intensidade suficiente para motivá-lo a permanecer fiel…”

Para Murilo Salles, fotógrafo de cinema que teve a experiência de participar da gravação da abertura de uma novela da Globo,[61] duas fórmulas definem o padrão visual da emissora. Em primeiro lugar, o fato de que se gasta muito dinheiro — “a Globo gasta uma fortuna imensa para ter o mínimo de qualidade”. “A qualidade global acontece em cima de um gasto exorbitante”, diz Murilo Salles. Em segundo lugar (ou sera esse o primeiro?) a ideia generalizada de que “pobre gosta de luxo”.

Embora seja apenas um palpite de Salles a ideia de que a Globo teria construído sua identidade visual e sua linha de programação em cima dessas fórmulas, elas nos permitem entender uma série de mudanças que a emissora foi sofrendo por volta de 1973, quando definiu melhor sua linha de programação. Que tipo de jornalismo faz, por exemplo, o “Globo Shell”, tão bem-sucedido que se transformou no semanal “Globo Repórter”, passando do horário das 23 horas para o horário mais concorrido das 21 horas em poucos anos? “O Globo Shell’ vem exatamente criar uma opção de qualidade as 11 da noite”, afirma Walter Lima Jr.,[62] “(…) naquele momento a opção do programa era a seguinte – a televisão no mundo, a televisão cultural, didática, tem um repertório muito grande que nunca foi consumido pela televisão brasileira; então voce imagina o que a RAI, a ORTF, a BBC, o Time-Life, o Reader’s Digest, a televisão japonesa, a alemã têm de produção de filme para ser exibido como programa cultural (grifo meu), então o ‘Globo Shell’ quando entrou no ar tinha um repertório natural, potencial enorme, tinha séries e mais séries de filmes que poderiam ser transados na televisão brasileira, devidamente adaptados aos formatos desejados pela direção da estação.”

Além da edição de programas “culturais” feitos para televisões europeias e norte-americanas (“A Aurora do Homem” e coisas do gênero), o “Globo Shell” e posteriormente o “Globo Repórter” criaram, dentro do mesmo estilo, reportagens brasileiras. Em conformidade com um dos objetivos da Fundação Roberto Marinho (a preservação dos patrimônios históricos nacionais), primeiro “Globo Shell” apresentou um documentário sobre a arquitetura em São Paulo e Rio. A experiência se consolidou com o “Globo Repórter”, que já não tinha o caráter de um “especial”: passou a ser um programa semanal (o GS era mensal), baseado evidentemente em constatações do Departamento de Análises e Pesquisas, que garantiam o público para as 11 da noite: um público formado principalmente por homens e por universitários, pessoas, portanto, que a Globo conquistaria facilmente com um bom programa jornalístico dentro dos limites impostos pela censura e pelo pesado clima politico da época. Alguns programas eram feitos dentro da própria Globo, que abriu espaço para cineastas como Walter Lima e João Batista de Andrade. Muitos eram comprados de uma produtora independente, a Blimp Filmes, do irmão do Boni — Guga. Programas de interesse literário como “Vida e obra de Guimarães Rosa”, “Manuel Bandeira e Oswald de Andrade” de produção da Blimp e direção de Rudá de Andrade e Mauricio Capovilla, “O barroco mineiro” e o “Romanceiro da inconfidência”; “As festas do folclore brasileiro”. Em março de 74, os Boletins de Programação da Globo anunciam a transformação do “Globo Shell Especial” em “Globo Repórter Documento” e um último programa com uma síntese dos melhores GS: “Estrada da integração” (sobre a Transamazônica), “Arte popular”; “Aldeia global”, “Onde Mora o Brasileiro”, “A Transformação do Espaço”, “O Som do Povo”. Seus autores: Rui Santos, Paulo Gil Soares, Domingos de Oliveira, Fernando Amaral, Walter Lima e Gustavo Dahl. O resultado: uma síntese idealizada do Brasil/74, onde elementos de realismo conferem mais credibilidade ao enquadramento que a televisão faz para nos descrever o país. O tom, não muito diferente do que conhecemos ainda hoje em algumas reportagens especiais do “Fantástico”: esse país tem suas riquezas e ainda muitos problemas a resolver, precisando para isso da competência dos tecnocratas e a colaboração do homem comum. Em meados de 74, o “Globo Repórter” passa para o horário das 21 horas, ampliando seu público para captar uma fatia dos espectadores acostumados aos programas humorísticos e musicais daquele horário. Na mesma ocasião, Walter Clark recebe do deputado estadual Nestor Nascimento o título de “Cidadão Benemérito da Guanabara”, pela contribuição da Globo ao “aperfeiçoamento da Cultura Popular dentro dos padrões modernos de informação e transmissão artísticas”.[63] Uma rápida passada pelos Boletins de Divulgação da Programação da Globo[64] dá uma ideia de como a emissora ganhava importância no quadro cultural brasileiro naquele mesmo setembro de 74. Na semana de 14 a 20/09, por exemplo, além da propaganda eleitoral obrigatória para as eleições de novembro, a Globo promete a mudança do GR para as 21 horas, em nova estrutura: um programa de História, um de Ciência, um de Aventura e, alternadamente, séries — Futuro, Pesquisa, Documento e Arte. Fala do Festival Abertura da MPB, onde os concorrentes agradecem a “oportunidade para os novos” aberta pela emissora; anuncia a promoção de um concurso universitário junto com a PUC do Rio, que dará um prêmio de Cr$ 10 mil para a melhor campanha que se inventar; e a participação da Globo, junto Bahiatursa, na promoção da Feira da Bahia, no Anhembi de São Paulo.

Só por curiosidade, vejamos mais alguns boletins sobre a programação desta época. Em 04.10.1974, o Boletim anuncia: o show musical “Globo de Ouro”, Superparada, que pretende “mostrar algo de novo ao público”. Um documentário especial para as 22 horas de domingo sobre “A Moeda”, promovido pelo Departamento de Projetos Especiais, objetivando mostrar a função das entidades bancárias, a necessidade do crédito (sic) com entrevistas ao Ministro da Fazenda e ao Presidente da Bolsa de Valores. A Secretaria da Educação na mesma semana tem um plano para utilização do programa infantil “Vila Sésamo” para promover educação pré-escolar em salas de aula, em circuito fechado de televisão (o Projeto Garibaldi); finalmente, anuncia a expansão da assistência técnica da Globo para prefeituras do interior de São Paulo que desejam criar retransmissoras para expansão da rede.

Na semana de 1 a 7 de março de 75, temos: transmissão de toda a linha de shows em cores; os humorísticos se revezando todas as segundas feiras: (o texto salienta a riqueza visual dos novos humorísticos da Globo). Além dos shows, anuncia-se naquela semana a transmissão simultânea de todas as novelas para todo o Brasil (a linha de shows, idem) via Embratel. A novela “Escalada” (Lauro César Muniz) está em sua segunda fase, em que o herói (Tarcísio Meira) parte para a capital tentando enriquecer durante o governo Juscelino. E o “Globo Repórter Atualidade”, a partir de 4 de março daquele ano, passaria a apresentar sempre um segmento dedicado aos problemas regionais de São Paulo, com reportagens produzidas aqui. A primeira, sobre o tema dos transportes urbanos, foi dirigida por Joao Batista de Andrade.

Os exemplos de programação poderiam seguir indefinidamente, mas o fundamental já pode ser demonstrado aqui. A Globo deixa de ser uma emissora de televisão voltada apenas para o entretenimento (embora o fator espetáculo não deixe nunca de fazer parte de sua fórmula de sucesso) para tentar dar conta da sociedade como um todo. Nisso se fundamenta sua preocupação com o caráter nacional de sua programação: já não se trata mais de simplesmente distrair os brasileiros com programas enlatados e telenovelas açucaradas, mas de estar à frente dos movimentos sociais emergentes — pelo menos ao nível da criação de seus signos —, controlando ideologicamente seus objetivos. O momento pedia que a TV cumprisse esse papel: a “crise do petróleo” de 1973 contribuia para acelerar o fim do momento de expansão da economia, aqui, e as classes médias, até então aliadas incondicionais dos projetos da burguesia multinacional para o país, começavam dar os primeiros sinais de insatisfação. A Globo tentava dar conta das questões emergentes, na tentativa de contribuir para a formação de um novo consenso social (do qual grande parte da classe trabalhadora sempre esteve alijada) ou para a renovação em termos reformistas do consenso criado entre 64 e 68. Ela já havia se imposto como fonte prioritária de informação, mediadora quase absoluta do contato de seu público com a realidade do país; assim, precisava sofisticar suas formas de se reportar a essa realidade, para continuar a satisfazer as demandas desse público que, sobretudo nos tempos de intensa repressão, desmobilização por que havia acabado de passar, tinha na televisão um substituto para a participação política e social. A nova programação da Globo procurava então satisfazer, a nível simbólico, essas demandas, inclusive para manter esse papel controlador (cf. “A responsabilidade dos comunicadores sociais”).

Assim se compreende, por exemplo, a ousadia, aparentemente incongruente com as linhas gerais da emissora, de alguns programas de reportagens, como o “Globo Repórter”: “Quando começou o ‘Globo Repórter’ não existia o povo falando (em televisão), a não ser que fosse uma coisa absolutamente óbvia e que a resposta também fosse absolutamente óbvia”, conta Walter Lima Jr. “Agora, deixar o povo falar, explicar seu drama, sua incerteza, sua apreensão — isso não existia.” Walter Lima explica que o GR fez com que o povo “voltasse à TV”, mas estritamente dentro do controle da emissora — que se dava na edição do programa.

João Batista de Andrade, cineasta, foi para a Globo em 1975 e trabalhou para a emissora dirigindo vários GRs até 77, tendo continuado então a fazer alguns filmes para ela como free-lancer. Sua experiência ilustra a tensão criada dentro da própria emissora, quando um programa se propõe a ser porta-voz de setores mais progressistas da sociedade: “Eu tive muitos filmes censurados. O ‘Wilsinho Galileia’ que eu fiz para a TV Globo está censurado até hoje. (…) O ‘Wilsinho Galileia’ foi uma experiência fantástica que daria para discutir um pouco essa relação cinema-televisão. O Wilsinho estava fazendo 18 anos, estava na marginalidade desde os nove anos, várias mortes nas costas. Um mês depois que ele fez 18 anos a polícia o pegou em casa e o fuzilou. Isso foi denunciado por um casal amigo dele uma semana depois; eu acertei o filme e saí para filmar. (…) Então eu fui com uma equipe de cinema filmando tudo o que tinha, reconstituindo a perseguição, a vida dele até a morte. Onde ele morreu, onde viveu, onde passou, quem conheceu, como eram os assaltos, tudo. (…) Mas esse filme foi proibido; eu acho que foi uma experiência fantástica, mas só quem pode ver pode gostar. Era para ser visto por milhares de brasileiros e só algumas dezenas viram.”

Na opinião de Walter Lima, “(…) a censura interna interveio aí nesse caso, eu acho que em muitas ocasiões isso se deu; um pouco da paranoia das pessoas de televisão em relação ao cinema (observação: eu diria, em relação a uma linguagem estranha aos padrões do veículo) podia ser medida por aí (…) Eu tenho a impressão de que esse filme (‘Wilsinho Galileia’) não ficou preso pela censura de Brasília, eu tenho a impressão de que esse filme ficou preso pela censura interna da Globo, pelos riscos que representaria assumir aquilo como novo formato. E televisão é isso, é formato, na cabeça de um cara como o Boni televisão é só formato.”

Talvez o Boni tenha razão. Televisão não é “só” formato, mas o formato é muito mais importante em termos do efeito que uma informação possa produzir no público do que seu conteúdo. Voltando a Batista de Andrade. “(A televisão) é ao mesmo tempo uma grande possibilidade e uma grande impossibilidade. Ela poderia permitir o desenvolvimento de um trabalho profundo de cinema, de dramaturgia que tivesse um alcance profundo na sociedade, mantendo a independência do cineasta (…/) Dentro da televisão nós estamos sujeitos à imposição de padrão, de modelos. O padrão Globo é uma forma impositiva porque aparece como sendo a única, as outras não são aceitas. É uma forma de controle que fica muito fácil para os interesses comerciais da empresa.” Finalmente, exemplificando um outro caso em que a emissora cerceia indiretamente o alcance de um trabalho produzido por ela mesma: “Em 75 eu fiz um filme chamado ‘A Escola de 40 000 Ruas’, sobre o menor abandonado, para o GR, e nessa época tinha entrado o novo Secretário do Bem-Estar Social em SP. Em fui lá e disse que queria filmar o recolhimento do Juizado de Menores para o meu filme. Nunca ninguém tinha filmado e depois de uma semana ele resolveu abrir não só para a Globo mas para todo mundo. E realmente todo mundo filmou o recolhimento e foi para o ar. No entanto aquilo era um inferno. O filme foi muito badalado e tal, mas na hora de ir para o ar o GR do Rio tinha feito um filme sobre o ‘Caso Lu’ e eles concluíram que o ‘Caso Lu’ era nacional e que ‘A Escola de 40 000 Ruas’ era paulista: a ‘Escola’ foi veiculada só em em São Paulo e o ‘Caso Lu’ em todo o Brasil.”

É na linguagem, na limpeza e visual, na superficialidade, na rapidez das imagens, no texto apaziguador — ou seja, basicamente na forma — que a Globo neutraliza o conteúdo dos problemas sociais que leva ao público. Quando “A Escola de 40 000 Ruas” foi ao ar, espectadores indignados telefonaram para a Globo/SP, reclamando de exibirem aquelas imagens, perturbando o jantar da família paulista. Assim, o populismo da Globo só avançou até os limites considerados de “bom gosto” pela classe média. Algumas boas experiências da emissora se perderam ou foram cortadas apesar de seu sucesso de público. Foi o caso do programa “A Grande Família” por exemplo, seriado produzido pela emissora, seguindo a estrutura do americano All’s the Family, mas situado num contexto de classe média baixa brasileira — com suas dificuldades econômicas, seus apertos, suas “cafonices”, sua quase promiscuidade gerada pela convivência de pessoas muito diferentes numa casa pequena etc, O roteirista de “A Grande Família” foi Oduvaldo Viana Filho, e o programa esteve dois anos e meio no ar. No Boletim de Programação de 15 a 31 de março de 75, anuncia-se que “A Grande Família” deixa a Globo com liderança nacional (em audiência), justificando que desde a morte de Vianinha ficou difícil manter o seriado. Em seu lugar, entrava a superproduzida “Chico City”.

Paulo Afonso Grisolli, que na época foi diretor do seriado, dá a sua versão para o fim de “A Grande Família” (em entrevista já citada): “Irritava profundamente nesse momento aos padrões Globo de excelência, de sofisticação, de linguagem. O Boni chegou a me dizer uma vez: é o melhor programa da casa e é o pior programa da casa. E na verdade o programa saiu do ar por pura ilação, porque ele derrubava os padrões globais de qualidade, de visual… Num tempo em que ainda era proibido — ninguém tinha escrito É PROIBIDO, mas por conceito e por consenso era proibido — mostrar o varal de roupa, cueca pendurada, camisa… era proibido, era abominável isso. De repente, em ‘A Grande Família’ começou a aparecer varal de roupas. Na medida em que ‘batia’ (conquistava público), a coisa não se podia contestar. Acabou saindo do ar porque o Boni não suportava visualmente o programa, não suportava a linguagem caipira dele. Mas foi a grande conquista, eu acho, de uma linguagem mais brasileira. Ao mesmo tempo que a novela caminhava (…) ‘A Grande Família’ consolidava a temática brasileira como um assunto a ser abordado: o cotidiano brasileiro, a ‘vidinha’, sobretudo, as coisas mais ‘rame-rame’ como proposta. O que começou a dar origem aos Casos Especiais.”

Os “Casos Especiais” e mais tarde os “Seriados nacionais” da Globo tratavam eventualmente da mesma temática abordada pela “Grande Família”, com uma diferença — foram devidamente pasteurizados em sua linguagem. Grande parte da programação da Globo, apesar da temática brasileira, é considerada de “padrão internacional”, exportada para os mais diversos países, de Portugal a Estocolmo, de Angola à Holanda. A cara da classe média é internacional.

O caso mais evidente do “padrão internacional” criado pela Globo foi “Fantástico”, que domina a audiência da noite de domingo e permanece quase inalterado em sua fórmula básica desde 1973. Escreve Artur da Távola no jornal O Globo, em junho de 74:[65] “Fantástico o Show da Vida fornece um bom exemplo dessa ‘grade’ de faits-divers aplicada ao mundo. Um de seus responsáveis estabelece uma espécie de pauta geral na qual se baseiam para selecionar assuntos e temas ‘Fantásticos’: Pessoas uma matéria que envolva gente é sempre fantástica; Preeminência: uma notícia sobre algo ou alguém muito famoso; Ineditismo: algo nunca apresentado; Humor: uma notícia que envolve um acontecimento muito engraçado; Contraste: por exemplo, um brasileiro, Guido Pascoli, revolucionou a arte de fazer violinos; Ação: uma corrida de Fórmula 1; Dinheiro: noticias sobre a Loteria Esportiva despertam interesse, pois envolvem muito dinheiro e muitas pessoas; Amor: fatos e acontecimentos de interesse humano; Recordes: a quebra de marcas já registradas; o homem se superando em qualquer campo.” Eu acrescentaria alguns temas que foram ganhando destaque no “Fantástico” com o correr dos anos, na medida das paranoias desenvolvidas pela classe média brasileira: medicina e saúde (ou seja, medicina e hipocondrias), misticismo e violência urbana (em 1979 o “Fantástico” promoveu uma série de reportagens sobre assaltos e violências no Rio de Janeiro, justificando sutilmente a ação do Esquadrão da Morte e defendendo abertamente a pena de morte no Brasil).

Santuza Ribeiro e Isaura Botelho,[66] refletindo sobre o “Fantástico”, afirmam: “(…) observamos que esse tipo de programa, transmitido em horário nobre aos domingos, para unidades familiares distintas e estratificadas socialmente, tenta descomprometer-se com uma realidade antagônica. As doenças do povo, portanto, jamais aparecem nas reportagens ‘científicas’ de Cidinha Campos. Pesquisa-se então as experiências desenvolvidas (principalmente nos Estados Unidos) na área das doenças e deformidades ‘neutras’, tais como a minicâmera de TV desenvolvida em São Francisco da Califórnia, que possibilita aos cegos enxergarem novamente; o aparelho de TV desenvolvido em Nova Iorque pelo psicanalista Dr. Berger, para a análise de seus clientes etc.”

Ainda na área de shows, vale lembrar os musicais das sextas-feiras, que a Globo começou a apresentar em 75, particularmente o “Brasil Especial”, centrado exclusivamente em compositores brasileiros com uma estética que lembra os musicais da Broadway. Músicos de smoking preto em chão espelhado e fundo infinito tocam Ary Barroso ou Antônio Maria; mulheres emplumadas e apresentadores em traje rigor apresentam textos sobre a vida dos homenageados, com a desenvoltura de colegiais que decoram a lição. Dos musicais de sexta-feira (“Super Parada”; “Brasil Especial”; “Sandra e Miéle” — e mais tarde, “Levanta Poeira”, “Saudade não tem idade” e “Brasil Pandeiro”), escrevem Santuza Ribeiro e Isaura Botelho que, o que se aproximou mais de uma estética ligada ao samba de morro, à favela carioca e à cultura de seus moradores — “Levanta Poeira” ficou pouco tempo no ar e acabou sob a alegação de não estar agradando. A quem, ao público ou ao padrão-Boni?

A tentativa de passar, ainda que superficialmente, pelos principais pontos de apoio da programação da Globo não poderia omitir, no capítulo relativo ao jornalismo diário, uma rápida análise do “Jornal Nacional”. O mais importante dos cinco telejornais diários da Globo[67] é considerado o programa de maior e mais estável audiência na televisão brasileira, o que pode ser explicado por muitos fatores, mas sobretudo pelo seu horário — às 19h50, (hoje às 20h), inserido entre as duas telenovelas de maior IBOPE da emissora — e pela sua duração nos primeiros anos de no máximo 15 minutos até formar o hábito do espectador, que nos anos 80 já “aguenta” quase meia hora de “Jornal Nacional”. Inaugurando as transmissões em rede nacional da TV Globo, o “Jornal Nacional” foi ao ar pela primeira vez no dia 1º de setembro de 1969. A respeito dele, escreve Elizabeth Carvaho:[68] “Cobrindo um fantástico volume de assuntos, o JN marcou também pela fragmentação da informação. Um depoimento de 40 segundos no ar, por exemplo, era considerado extremamente longo. Os jornalistas da Globo padeceram sempre da angústia de ter nas mãos uma entrevista importante, de boa qualidade e difícil de ser editada porque o entrevistado levava muito tempo para fazer uma pontuação onde o corte pudesse ser efetuado. Havia também um padrão estético a respeito: pessoas com defeitos físicos, de ar muito miserável, sem alguns dentes na boca ou mesmo com roupas rasgadas, deveriam a todo custo ser evitadas no video. No JN, o povo era bonito e bem alimentado. O otimismo, a ideia de um Brasil grande e decididamente unificado, riscado da lista dos países subdesenvolvidos e agora encabeçando, graças ao ‘milagre brasileiro’, o bloco dos intermediários, quase rogando o desenvolvimento — esta era a imagem que o principal telejornal do país deveria alimentar.”

Ninguém melhor do que o diretor da Central Globo de Jornalismo, Armando Nogueira, para resumir as fórmulas do telejornal-espetáculo, com as quais esse homem de televisão-jornalista parece não ter quaisquer contradições. Na já citada revista da Editora Símbolo — Extra, Realidade Brasileira (O ópio do Povo) — sobre a Globo, Nogueira definia que o JN só pode se desenvolver na forma e no aparato tecnológico, no que, aliás, a Globo sempre foi pioneira. Por exemplo, havia adquirido na época da publicação da revista, 1976, sete mini-estações montadas em caminhonetes para transmitir notícias ao vivo de qualquer lugar. As mini-estações seriam verdadeiras repórteres-eletrônicos, “teleguiados” pelos editores dentro da redação e podendo ser imediatamente editadas e levadas ao ar. O que significa que até mesmo as matérias feitas “ao vivo” podem ser controladas pela redação quase simultaneamente à sua emissão. No ano de 76, a audiência média do “Jornal Nacional” era de 69% cerca de 30 milhões de pessoas e justamente por isso as maiores pressões da censura caiam sobre ele, deixando alguma folga para os telejornais de outros horários, menos assistidos.

Como exemplos de censura, os autores do Realidade Brasileira citam o telefonema das autoridades por ocasião da morte de Juscelino, ordenando que os repórteres não mostrassem a emoção popular durante o enterro, além de proibirem a informação de que JK havia sido cassado pelo Governo Militar. O exemplo é ilustrativo do papel que o telejornalismo e seu principal representante, o JN, representaram numa década de obscurantismo, censura, desinformação, aliadas ao analfabetismo e aos maus hábitos de leitura do cidadão brasileiro (só 20% da população brasileira tem o hábito de ler jornais ou acesso aos mesmos). Mostrando aspectos do enterro de JK, isto é, não omitindo inteiramente as noticias e imagens da morte de um dos últimos presidentes de um Brasil democrático, a televisão — no caso, a Globo — tenta impedir que se formem os tais “bolsões de desinformação” a que se referia o professor Carlos Alberto Rabaça (cf. “A responsabilidade dos comunicadores sociais”), onde a população ficaria receptiva a notícias provindas de fontes “perigosas” — pequenas emissoras de rádio, jornais locais ou editados por pequenos grupos de oposição, ou mesmo a incontrolável informação boca-a-boca, que também participa da formação da opinião pública. Levando ao ar imagens de um fato que mobiliza a emoção e a consciência da população brasileira, a televisão tem nas mãos a possibilidade de apresentar essas imagens sob o ponto de vista que lhe interessa, conservando ao mesmo tempo a credibilidade maior em relação aos seus concorrentes pela utilização de recursos como: a própria credibilidade da imagem em detrimento da noticia impressa ou falada, a imagem se confunde com o próprio real, e raramente nos ocorre pensar que também ela seja apenas um ponto de vista sobre o assunto que nos parece tão claramente revelado A credibilidade do locutor, com sua figura sóbria e respeitável, seu terno elegante, seus cabelos grisalhos de homem vivido, sua voz lenta e tranquilizadora (bem diferente dos locutores de rádio, por exemplo, à exceção da sonorífera Rádio Eldorado de SP). A credibilidade do texto, sempre em tons médios, sucinto e pouco adjetivado, tratando a notícia da morte de JK (ou qualquer outra notícia de impacto popular) no mesmo tom e som, o mesmo peso, tempo etc. com que trataria, na sequência, a notícia de uma corrida de Fórmula 1.

Por outro lado, o que não é dito nem mostrado por inexistente, numa edição de cortes perfeitos e timing sempre igual, que não denuncia em absoluto que alguma coisa teve de ser omitida. Tem-se assim a impressão de que o JN não omite, não distorce: ele “resume” o que é mais importante. O que caiu fora de tal síntese seria de importância menor ou inexistente. Pelo menos nos tempos em que a população brasileira teve pouca ou nenhuma participação nos fatos políticos que abalaram a vida do país. Os limites da “mágica” desinformativa da Globo se revelam no momento em que os próprios telespectadores são agentes do processo social que a televisão não pode deixar de noticiar. Nas greves do ABC paulista em 1978/79 por exemplo, repórteres da TV Globo foram expulsos pelos metalúrgicos que se reuniam em assembleia em São Bernardo, revoltados pelo enfoque patronal que a emissora estaria dando à greve e ao encaminhamento das negociações.

Na revista Senhor, de julho de 1980, a já citada reportagem de capa sobre os 15 anos da TV Globo reserva um capítulo para o telejornalismo, em que o Boni defende o “perfeccionismo da imagem” jornalística da Globo (que consegue ser limpa e clara até quando se trata de cobrir um tiroteio entre policiais e presos amotinados em São Paulo): “não é uma questão de padrão estético, é linguagem de comunicação”; como se o telespectador precisasse das notícias quase soletradas palavra por palavra ou imagem por imagem para poder compreendê-las. O argumento da “comunicabilidade” alia-se nesse caso ao da credibilidade para justificar a superficialidade e o tom paternal dos noticiários da Globo.

Armando Nogueira resume para a Senhor a fórmula do telejornalismo dirigido por ele, a começar por: 1) usar recursos tecnológicos a serviço da informação. Por exemplo, o uso dos módulos — pequenos compartimentos transportáveis, com material completo para a edição de reportagens, que permitem que 500 jornalistas no Brasil e no exterior coloquem no ar 200 minutos diários de informação; 2) adaptar-se à imposição do veículo: períodos curtos, frases curtas, ordem verbal direta; 3) capacidade para trabalhar sob tensão: transformar, sem problemas éticos (!), uma entrevista de 30 minutos em uma fala de 30 segundos; 4) prestar informação balanceada, ouvindo no mínimo dois lados sobre a questão; 5) saber que se televisão não é formadora de opinião porque não tem opinião própria (ou seja, camuflar a opinião da emissora na forma de cortes, pontos de vista, omissão bem disfarçadas, diluição de algumas notícias entre outras dadas com mais ênfase etc.); e 6) tornar-se (o editor) polivalente, fazendo sozinho o trabalho de som e imagem, edição etc. (pois quanto maior a centralização, maior o controle da informação).

Ele se esqueceu de dizer: 7) transformar a notícia em espetáculo. A imagem do jornalista norte-americano fuzilado por soldados de Somoza na Nicarágua, por exemplo, é sem dúvida uma imagem forte e a Globo não pode omiti-la, dado o grande interesse de público que desperta. Mas o uso de recursos eletrônicos, tais como o congelamento da imagem em seu momento de maior emoção, ou a repetição rápida da do tiro, três ou quatro vezes seguidas, a maneira como entra a fala do locutor num tom ao mesmo tempo penalizado e conformado, fazem desse acontecimento um espetáculo tal que o espectador já não sabe se o impacto que recebeu foi do fato ou do efeito produzido no video: o que é chocante se torna ao mesmo tempo belo e podemos (até queremos) contemplá-lo mais vezes, repetir a experiência da emoção sob controle até que o efeito se esgote. Nada é feito de maneira que nos choque ou nos angustie quando se trata de um acontecimento político que poderia nos revoltar; as grandes catarses emocionais são promovidas em cima de outro tipo de acontecimento: os “acidentes inevitáveis” – uma queda de avião, uma inundação, um incêndio de grandes proporções, um terremoto, a morte de um ator ou jogador de futebol, etc. Ou quando a mobilização da opinião pública interessa ao ideário dos dirigentes da emissora. Quando se mostra uma cena de violência promovida por marginais, de modo a justificar a intensificação da repressão policial, etc.

A transformação da notícia em espetáculo, alias, coincide corn a descoberta da Globo de que “jornalismo é um grande negócio”,[69] e com o impacto da transmissão da descida dos astronautas na Lua, em 1969, meses antes da inauguração do “Jornal Nacional”. Sete anos depois, o “Jornal Nacional” consumia por mês para a emissora o custo de oito meses de produção de três novelas — mas devolvia os cinco minutos de publicidade mais caros da televisão brasileira: Cr$ 4.347 por segundo em 1976.[70]

Censura federal e censura global

Finalmente, depois de passarmos pelo telejornalismo, fica inevitável que nos detenhamos um pouco mais em alguns episódios da relação da Globo com a Censura Federal, e a complicada e nem sempre possível diferenciação entre as ações da censura externa e interna à própria emissora. A começar pela declaração de Walter Clark de que o grande problema da cultura brasileira seria o “núcleo provinciano” de Brasília; constatamos que nem sempre a televisão consegue fazer seus interesses coincidirem com os critérios da Polícia Federal e de alguns setores mais conservadores da população, que reclamam “providências enérgicas” das autoridades cada vez que a televisão dá alguns passos no sentido de simplesmente tentar dar conta e até mesmo neutralizar o conteúdo contestatório de alguns movimentos sociais reais.

Em 1975, a Globo teve sua primeira telenovela totalmente proibida pela Censura Federal: “Roque Santeiro”, de autoria de Dias Gomes para o horário das 20 horas. A novela, que vinha sendo anunciada regularmente nos Boletins de Programação da emissora para suceder “Escalada”, de Lauro César Muniz, simplesmente não estreou — sem maiores explicações por parte da própria Globo. Em entrevista à Funarte, fala Homero Sanchez, diretor do Departamento de Pesquisas[71]

“Ou a senhora saí do negócio ou tem que aceitar esse princípio de que a comunicação tem que ser livre. Então, ‘Roque Santeiro’ não é uma atitude isolada de contestação a um sistema que existia; ‘Roque Santeiro’ é a consequência de uma necessidade de liberdade que era constante e permanente. E não creio que ele tenha sido um símbolo assim tão importante (…) A consequência foi política, mas o conteúdo dela (a novela) não era assim tão importante. ‘Roque Santeiro’ foi fechado porque havia um padre que era preto, porque se acabava com um líder que era o Cuoco, que matava no fim, por uma série de besteiras típicas de ideólogos da segurança nacional que nós tivemos na época da censura e dos ministérios. Eu acho mais grave a proibição do Balé Bolshoi. Muito mais grave. Demonstra um maior atraso cultural das nossas autoridades, que deveriam estar preocupadas com a cultura do país. Mas a senhora não consegue abafar isso.” A proibição de “Roque Santeiro” baseava-se na alegação de a novela ter sido fundamentada num texto teatral também de Dias Gomes, totalmente proibido pela censura. Pouco mais de um ano depois, a Censura vetou o projeto de Walter George Durst para outra telenovela, dessa vez das 22 hs; “Despedida de Casado” que hoje seria considerada inócua, mas que em 1977 assustou a equipe encarregada da preservação da moral e dos bons costumes da população brasileira.

“Fiz trinta e seis capítulos iniciais da novela (para apresentar à Censura), o Avancini gravou dez, fizemos umas quatro sinopses com variações para ver se passavam, tentamos várias vezes — e nada”, conta o autor, Durst,[72] em entrevista à Funarte. “Nunca achei a novela imoral. Pelo contrário, era tremendamente construtiva, sobre a difícil arte da convivência entre homem e mulher.”

Além dos casos de propostas inteiramente vetadas pela Censura Federal, pequenas ou grandes alterações no texto e na apresentação de telenovelas, “Casos Especiais” e no próprio telejornalismo eram frequentes. Lauro César Muniz[73] narra alguns episódios sobre o rigor da censura a respeito de suas novelas: “A censura em ‘Escalada’ foi terrível. Não se Podia falar no nome do Juscelino, nem JK, nem Nonô (uma grande parte da novela se passa no governo JK). Fiz um personagem assobiar o Peixe Vivo em homenagem ao Juscelino, e isso passou, só para dar uma ideia do rigor da censura política. E o que eles não me perdoaram é que antes de ‘Escalada’ eu tinha feito ‘O Carinhoso’, uma novela leve. Então eles se sentiram traídos e começaram a me vigiar de perto, até ‘O espelho mágico’. No ‘Crime do Zé Bigorna’ (um Caso Especial) tive que substituir uma cena. Pedi audiência com o Rogério Nunes para trabalhar a liberação por minha conta, sem o apoio da Globo. Ele mandou pedir a pasta e disse que o problema da cena era a conivência do delegado da estória com relação a um crime praticado dentro da cela. Eu disse — E se eu fizer o crime sem a presença do delegado? Censor: — E quem estaria na delegacia? — O cabo. E o Rogério: — Não. Se você não mencionar a patente militar do cabo e puser só ‘carcereiro’, nós deixamos. Para liberar para as 21 horas eu tirei mais umas ceninhas de beijos etc. e o ‘Crime do Zé Bigorna’ passou.”

Lauro César Muniz é o único autor de telenovelas vítima da Lei Falcão. Sua novela “O casarão” coincidiu com as eleições municipais de 1976, e como na “fase atual” da novela houvesse na cidade fictícia de Tangará um candidato de oposição, ele foi vetado sob alegação de desobediência Lei Falcão, que proibia a propaganda eleitoral em televisão. No entanto, o próprio Lauro César admite que as restrições a seu trabalho na TV Globo não partiram somente da Polícia Federal. Ele deixou a Globo em 1980, em plena “abertura democrática”, por não aguentar as pressões internas da emissora: “No período mais fechado da repressão, a Globo fez boas novelas como ‘Gabriela’, ‘Nina’, ‘O casarão’ etc. Agora voltou a estratificacão[74] e até mesmo os seriados são tímidos.” Lauro César explica como o “revisor de textos” da Globo, José Leite Otati, funciona como um verdadeiro censor interno, impondo num período político bem mais ameno, muito mais restrições ao trabalho do criador do que a própria Censura Federal: “Minha atual novela, ‘Os Gigantes’, não sofreu nenhum corte da Censura Federal até agora (agosto de 79), mas está rigorosamente vigiada, dentro da Globo, pelos censores da emissora. Não posso, por exemplo, fazer nenhuma menção ao fato de a empresa que começa a monopolizar o comércio do leite na cidade onde se passa a novela ser uma multinacional. Vejo a abertura política como a causa desse recuo da Globo. Com o rigor da ditadura, as empresas de comunicação batalharam por uma abertura de espaço para seu trabalho. Agora que a sociedade se agita um pouco, elas se encarregam por conta própria de ‘proteger o sistema’…”

A revista Extra, Realidade Brasileira[75] publicou, três anos antes da entrevista citada de Lauro César Muniz, algumas declarações do chamado revisor de textos da Globo, José Leite Otati, cujo papel é advertir a direção da emissora sobre os prováveis problemas que os textos dos criadores por ela contratados possam causar com a polícia, prevenindo a Globo antes que ela grave a novela e acabe perdendo dinheiro por causa da Censura. Por exemplo, na citada novela “O Casarão”, Otati era da opinião que um romance entre uma mulher casada e um amigo poderia causar problemas e trazer cortes para a novela. O romance ficou sugerido em intermináveis conversas entre Carolina (Renata Sorrah) e Jarbas (Paulo José), até o último capitulo, onde ela finalmente se separa do marido e pode viver uma cena de amor tímida mas pelo menos explícita com seu namorado platônico. “A Globo não trata melhor os assuntos porque não pode”, explica Otati, dizendo que “a censura sofre injunções de cima para baixo e de fora para dentro.”

A verdade que a pretexto da Censura sempre se tentou justificar a falta de ousadia não só da Globo mas de todas as emissoras de televisão e de parte da produção cultural dos anos 70. Em debate com um grupo de publicitários em fins de 74,[76] Homero Sanchez responde agressivamente a uma “cobrança” por parte de alguém no auditório, usando o ambíguo álibi das “restrições federais”: “Vocês sabem que numa novela como ‘O Bem Amado’ o sujeito é chamado com um nome até metade da novela[77] e, de repente, passa a se chamar Prefeito. Você sabe disso, voce já leu isso, voce esta por dentro disso. Então, seja justo conosco. Não me pegas o que eu não posso te dar. Certo? Eu dou o que posso, certo? E não me chame de alienado porque alienado seria eu se, tendo liberdade total de expressão, total de criação, você pudesse me acusar assim: — Você esta impondo uma filosofia capitalista, massiva, dominante, não sei o que… Aí sim, você tinha direito, certo? (…) Então, a televisão tem que ser estudada em função do que ela pode levar ao ar, não do que ela deveria levar ao ar.”

Se na ocasião desse debate não era possível avaliar se Homero Sanchez tinha ou não razão em afirmar que se não fosse a censura a Globo colocaria outros tipos de programa no ar, cerca de quatro anos depois já se podia considerar a hipótese de que as restrições da própria emissora são tão intensas ou (para alguns assuntos) até maiores do que as normas governamentais. Depois de um período em que a emissora parecia tão garantida em termos de audiência que chegou a arriscar algumas inovações em matéria, por exemplo, de telenovela, um pequeno balanço no IBOPE foi suficiente para que a Globo recuasse e voltasse à antiga fórmula da estratificação por horários, deixando para o horário das 22 horas todos os balões de ensaio em termos de pequenas inovações temáticas ou de linguagem, e voltando a emburrecer o texto e o tratamento das telenovelas das seis, das sete e das oito. Foi entre 1976 e 77 que a Globo produziu algumas novelas controladamente ousadas (o que se pode chamar de “risco calculado”).

Cito meu próprio texto na publicação Anos 70: “Em fins de 77 a Globo, tendo firmadas e reafirmadas suas linhas de programação e seu monopólio da audiência, dava-se ao luxo de permitir alguns tímidos avanços e experiências na estrutura das novelas das oito da noite. Lauro César Muniz tentava desmistificar para o público a vida dos artistas de televisão e os bastidores de uma grande emissora com seu ‘EspeIho Mágico’ numa estrutura de metanovela (…) que acabou confundindo os espectadores acostumados, pela relação imposta pela própria televisão, a ver novelas para não pensar.” Além da novela das oito, um pouco de ousadia temática era introduzida no doce horário das 19 horas por Mário Prata em “Sem Lenço, sem Documento”, novela que começava abordando o problema do desemprego entre seus personagens. No horário das 22 horas, “Nina” de Walter George Durst, também perdia alguns pontos no IBOPE por ser considerada “complicada” demais por uma parte do público. “Nina” talvez tenha se aprofundado demais na temática política dos anos 20/30 em São Paulo; “O Espelho” talvez tenha se complicado demais; “Sem Lenço”, brincado demais, e os diretores e autores da Globo perceberam nessa experiência que o prego do monopólio é a quase imobilidade. Para a estrutura comercial da emissora, os pequenos balanços no IBOPE (o que são 11 pontos para quem está permanentemente 30 ou 40 pontos na frente das outras?) parecem tão assustadores que a Globo já não tem mais liberdade de sair do esquema que ela mesma implantou. Surpreender o público, contrariar expectativas, abalar seu condicionamento diante da linha de programação a que já se habituou, implica em riscos de audiência que a Globo não pode mais correr.

As fórmulas de sucesso garantido voltaram a imperar, e os três autores das ousadias malsucedidas — por coincidência, três autores vindos do teatro — foram substituídos por Janete Clair (revezando-se com o bem adaptado Gilberto Braga) às oito, o velho Cassiano Gabus Mendes às sete, os romances de sempre às seis e, como única inovação, no horário dedicado a um público mais “selecionado”, a experiência dos seriados brasileiros — “Malu Mulher”, “Carga Pesada”, “Plantão de Policia”, “Aplauso”, “O Bem-Amado” e outros de menor duração — mais tarde substituídos pelas minisséries de maior sofisticação formal e alguma ousadia temática — “Avenida Paulista”, “Quem ama não Mata”. “Grande Sertão Veredas” etc., só para lembrar alguns exemplos mais significativos.

Do final dos anos 70 em diante, a Globo parece não ter mais para onde crescer. Produz os programas mais caros da TV brasileira, e sua rentabilidade cai de 72% em 1975 para 13% em 80 e 15% em 81 (depois disso deixou de publicar os mangos de seus lucros).[78]

Na opinião de Luiz Eduardo Potsch, é o excesso de centralização que leva a Globo a uma rigidez dentro da qual ela só pode evoluir no aspecto formal da programação e não mais em aspectos estratégicos. O autor cita Walter Clark: “A Globo cresceu tanto que tem medo de errar”… e acrescenta (pág. 351): “A despeito do muito que se tem escrito sobre as virtudes da estrutura da Globo, extremamente eficaz para o período em que foi implantada, ela traz pontos bastante negativos relacionados A rigidez e centralização que passam refletir-se na lucratividade, quando a diversidade de atividades torna-se grande.” E na pág. 438: “Produção e programação, que a Globo reuniu sob uma mesma chefia, são atividades de características completamente diferentes: produção relaciona-se as atividades intrínsecas da criação da utilidade, e programação está associada a marketing em termos de definição da linha de produtos (…) Evidentemente, quando a Globo junta essas atividades, alguém está sendo sacrificado: no caso, o marketing no sentido estratégico, como ocorre com muitas empresas que monopolizam seus mercados.”

Ou seja, a Globo não pode mais mexer em sua estratégia básica de programação novela as 18, novela às 19, telejornais, novela às 20, shows ou seriados estrangeiros às 21, novelas ou séries nacionais às 22, telejornal às 23, filme – o que não difere muito da estrutura criada pela extinta Excelsior e que a Globo vem aperfeiçoando desde 1969. Clark: “Ela estática e conformista (…) é uma emissora liderada pelo produto”.[79] A Divisão de Análise e Pesquisas, órgão-chave para qualquer alteração na programação, funciona mais no plano tático do que no estratégico e, segundo a análise de Potsch, indica tendências a serem mantidas mas não propõe alternativas à estrutura implantada. Parece que o sucesso de público da Globo hoje se deve mais incompetência das outras emissoras do que à sua capacidade de inovar. Na minha opinião, outra “sorte” da Rede Globo de Televisão é ter-se implantado num país que já não tem nenhuma tradição cultural, e justo num momento de transição em que o país acabava de perder a pouca tradição que tinha. Assim, com muita rapidez, a Globo se transformou numa espécie de instituição que garante alguma estabilidade simbólica a um público que, justamente por não ter estabilidade quase nenhuma no que o atinge concretamente, se tornou extremamente conservador em seus gostos e costumes. Até que o brasileiro tenha condições de criar alguma cultura própria e sedimentar novos hábitos de participação e criação cultural, a Globo ainda pode contar com muitos anos de hegemonia como a emissora que implantou e fixou no inconsciente nacional a fala e as imagens do que o país gostaria de ter sido.

Tres ensaios sobre a telenovela

Momentos mágicos – A linguagem da telenovela

Porque a sala já não fica mais escura há quase 20 anos, desde que os aparelhos se aperfeiçoaram e começou a ser possível ver a imagem com nitidez, mesmo as claras. Porque a família já não exige silêncio diante do video, e a televisão, já dessacralizada (mas sempre ocupando um lugar no centro das atenções), convive com os barulhos do jantar, do telefone, das crianças. Porque telenovela não é literatura e não exige mergulho, concentração, ruptura com o real imediato. Porque telenovela não é cinema e não solicita do espectador nada além de sua atenção mais superficial, um mínimo da sua inteligência e um investimento emocional seguro.

Porque telenovela não é cinema e na sala acesa, entre mastigações vai-e-vens e zunzuns, marca a continuidade do cotidiano em vez de romper com ele. Porque telenovela “não tem linguagem”: a redundância e a simplificação das posições de câmara (plano/contra-plano; um abuso de closes e de planos médios); a casualidade tranquila com que a montagem encadeia as ações com a mesma “naturalidade” com que se passa de uma fofoca a outra num papo de comadres; a ênfase dos atores e da direção num repertório de expressões exaustivamente decodificadas; a própria naturalidade com que os comerciais se inserem entre cenas importantes, construídos com os mesmos recursos de câmara, montagem, expressão dos atores etc., de modo a que pareçam ter uma relação formal de complementação com a novela; tudo isso cria a impressão de ausência de uma linguagem, de uma construção, na telenovela.

E mais: “não tem linguagem” porque seu tempo pouco difere do tempo cotidiano do espectador. Seu desenrolar lento, num dia-a-dia parecido com o do telespectador, oculta a condensação que produz o efeito dramático numa profusão de banalidades domésticas e corriqueiras (“tal como na vida”, argumentaria titia Janete Clair), fazendo da telenovela um aparente encadeamento de acontecimentos. Ao telespectador, contemporâneo do tempo da novela, mesmo que se trate de uma novela “de época”, interessa saber a cada dia o que acontece, o que aconteceu; um capítulo perdido pode ser substituído pelo seu resumo sem que nenhuma experiência significativa tenha sido perdida. Tudo o que o espectador pede são informações sobre o que se passou nesse hiato para que possa retomar o fio de sua relação curiosa com aquelas vidas que se desenrolam num ritmo tão parecido com o da sua vida. E porque a telenovela “não tem linguagem”, seus módulos de ação/emoção são intercambiáveis; poderiam ser invertidos, omitidos, remontados noutra ordem desde que mantidas as confusões antes das revelações.

Por tudo isso e pelo fato de a televisão ser uma coisinha tão doméstica, tão familiar, tão íntima em nossos lares, a grande sacada dos autores e diretores de telenovelas da TV Globo foi a inserção da chamada “realidade brasileira” na novela, o que equivale inserção da novela na realidade brasileira. Não se trata de um jogo de palavras: é que quanto mais o que se passa no video se torna familiar ao público, maior a interferência inconsciente da TV no comportamento deste. Na novela, o realismo do começo dos anos 70 descambou rapidamente para um naturalismo altamente sofisticado quanto as suas possibilidades técnicas de mimetizar as aparências do real. E sendo doméstico e cotidiano o veículo, extensa no tempo e corriqueira na linguagem a novela, apesar da grotesca dramaticidade temática, passou a ter o efeito não de um corte na experiência cotidiana, e sim de extensão dela.

Extensão da experiência: aquilo que reproduz a vida tal como estamos acostumados, reproduzindo também nossa maneira de perceber o real. Assim, por mais absurda, catastrófica, fantástica que seja a trama, o autor de telenovela não perde nunca a cumplicidade com seu público: basta ele cuidar para que, diante do imponderável, seus personagens não deixem de ser razoáveis. Que sejam ideologicamente iguais a nós, e não nos chocarão. O que nos choca nunca são os fatos, são as atitudes dos homens diante deles.

(Ressalva: se já no final nos anos 70, prenúncio de abertura política e plena crise econômica, Janete Clair ou Gilberto Braga escandalizavam alguns “setores atrasados da nossa sociedade”, isso não invalida o que foi escrito acima. Não com esses setores que hoje se busca um novo consenso, um novo pacto ideológico; eles pouco representam enquanto perspectivas de consumo: o Brasil é um país de 70 milhões de jovens…)

Essas tragédias banais

Uma novela das oito, na Globo, geralmente envolve elencos numerosos, sendo que no mínimo uns 20 personagens são fundamentais para a trama, portadores de histórias envolventes e características pessoais capazes de despertar simpatia e identificação de alguma parte do público. E Daniel Filho, diretor de novelas na Globo desde o fim dos anos 60, quem dá a dica, em entrevista concedida a mim em setembro de 1979: a novela das oito procura o público mais abrangente possível. A trama central tem de ser relacionada à ascensão social do herói ou heroína: esse seria o tema universal das novelas. Paralelamente, uma série de pequenas histórias se desenvolve, abrangendo personagens velhos e adolescentes, pobres (empregados, mordomos, choferes etc.), suburbanos e burgueses, de modo a que a grande família brasileira possa se reunir em torno da TV na hora do jantar sem que faltem na novela elementos para atrair o interesse de alguém, “do vovô ao netinho, do patrão à empregada”.

Para que o espectador consiga estar permanentemente situado nesse supermercado de emoções, e para que possa acompanhar o desenvolvimento da novela sem grande esforço intelectual, autores e diretores usam e abusam da redundância.

Em cada capítulo, somos mais ou menos informados sobre o que se passa com todos os personagens e seus grupos de referência. Capítulos mais densos (onde o tempo se precipita e acontecem grandes lances que modificam o curso da história) se alternam com outros onde quase nada acontece, a não ser a reelaboração dos acontecimentos decisivos (via: conversas, flash-backs etc.), até que nos acomodemos à nova situação e, envolvidos com a continuação do enredo, passemos a sentir como normal o que, há alguns capítulos, era motivo de tensão. Assim também nos parece natural que situações intrincadíssimas se resolvam de repente por alguns golpes de sorte, algumas felizes coincidências, ou mesmo por uma súbita mudança de comportamento de um personagem-chave. Quanto mais vejo novelas mais me convenço de que a sua estrutura, independente do conteúdo, implica necessariamente na supressão do senso critico e do estranhamento por parte do espectador. Ela joga com o esquecimento, com a falta de distanciamento do espectador ante o “real” que ela apresenta, numa sucessão de tragédias banais. O engenho do autor consiste em ir tirando as coisas de seus lugares para em seguida recolocá-las onde estavam, num novo equilíbrio muito mais estável.

A estrutura dos capítulos: primeiro, uma breve chamada repetindo a cena que encerrou o dia anterior, cortada num momento de suspense. Vinheta da novela, corte, comerciais. O capítulo são três segmentos de cerca de dez minutos intercalados por comerciais, cada um composto de várias cenas rápidas que nos apresentam o que se passa com todos os personagens. Uma cena mais longa (três minutos, por exemplo) tanto pode representar um acontecimento decisivo para a trama, quanto pode ser uma conversa em que autor e diretor se detêm brincando de mimetizar com perfeição o doméstico, a vida cotidiana dos personagens.

Em princípio, tudo me interessa enquanto espectador. Mesmo que nos primeiros capítulos a novela me atraia só pela curiosidade de ver uma história nova, em meia dúzia de semanas já estou afetivamente apegada àquelas pessoas que procuram ser parecidas comigo em sua mediocridade. “Meus personagens são gente comum, sem grandes vôos…” — dizia Janete Clair numa entrevista em 1976.[80] Aí seu segredo: seus personagens representam uma espécie de “programa mínimo” das aspirações de todas as classes não dominantes no Brasil. Certamente, não nos contem totalmente, mas estão contidos em nós e possuem, pela convivência exemplar, a capacidade de nos reduzir às suas dimensões.

Afeiçoada a eles, tudo o que lhes diz respeito me interessa. Quero ver em cores mais brilhantes do que as da minha própria vida tudo o que a televisão me dá direito. A decoração luxuosa do Camerino’s Club,[81] o movimento da criadagem no apartamento de Karany, o que se come no almoço na casa de Hortência, os pequenos e engraçados conflitos domésticos na casa de Maria-Faz-Favor (os conflitos decorrentes da pobreza, na novela, são quase sempre engraçados). Tudo me interessa porque tudo significa, tudo descreve a vida “tal como ela é” e me confirma que estou entendendo as coisas do jeito como devem ser entendidas. Para não haver margem a dúvidas, o merchandising coloca em cena objetos e marcas familiares, além de fazer referências a fatos que li nos jornais — um filme recém-lançado, um cantor da moda, um modelo de carro do ano.

Tudo me interessa, o capítulo do dia 25/11, por exemplo (3ª feira), começa com a chamada final do dia anterior: Catucha, esposa de Juca, encontra o marido discutindo com Vivian (ex e verdadeiro amor de Juca). Close de Catucha no alto da escada. Vinheta musical. Comerciais. Vinheta outra vez; volta à mesma cena. Catucha desce e vem falar com Juca. Vivian sai de cena. O casal discute (câmara nele/câmara nela). Juca sai. Close em Catucha pensando em off que Juca ainda ama Vivian.

Vivian entra no quarto de Roberta (plano geral) nervosa. Conversa com Roberta sobre o casamento de Alexandra. Vivian sai. Travelling da câmara até uma cama onde Alexandra está deitada.

Mãos em close passando dinheiro. Câmara se afasta: Anselmo paga Leandro pelos teipes que inocentam Gabriel. Mulher de Leandro entra na sala. Leandro visivelmente nervoso. Anselmo agradece a caridade de Leandro e sai (plano médio dos três). Close de Leandro olhando o dinheiro. Close na mulher: “Como voce consegue ser tão falso?” Discussão entre os dois (plano/contra-plano), agressiva; vão para o quarto, falam em desquite, mulher chama Leandro de rato, Leandro ameaça bater nela. Não ha dúvida de que estão furiosos. Plano geral do quarto, empregada entra chamando para o almoço. Câmara passa para a sala em p*.g., Leandro sai batendo a porta e em seguida entre a mulher dizendo que vai mudar a fechadura para ele não entrar mais. Está furiosíssima. Empregada insiste com o almoço e ela sai gritando: “Não quero almoçar!” Também bate a porta, é claro.

Vinheta. Natal no Mappin: vovó e netinha. Caderneta da Caixa. Chave do Unibanco. Monólogo sobre xampu anticaspa. Vinheta.

Pensão de D. Nina, p.g. da sala. D. Nina conta para a empregada que perdeu no jogo. Câmara se aproxima e pára nela. Close.

Quarto de Maria-Faz-Favor, plano médio de Maria e Barão conversando enquanto ela faz as malas dele. Rapidinho.

Mãos recebendo teipes — Câmara se afasta, é o delegado recebendo os teipes que inocentam Gabriel, Juca e Anselmo.

Etc. etc. etc.

Na profusão de tragédias maiores e menores, misturadas indiscriminadamente entre comerciais, tudo importa e nada importa pra valer. A intriga pastelônica do Barão que se casou com duas mulheres e vive mentindo entre as duas adquire tanta força pelo seu potencial de gerar suspense para o próximo capítulo quanto o drama de um homem pobre preso injustamente para ocultar os crimes de um burguês. Tudo se banaliza na dispersão e na quantidade barulhenta de pequenos dramas. A variedade é para o espectador não se cansar, não achar nada pesado demais.

Também não existe diferença de tratamento entre as diversas subtramas: a novela homogeneiza o mundo à sua semelhança. Todos os apaixonados têm as mesmas atitudes, desde a maneira de recusar o diálogo com o ser amado ante a menor decepção até o jeito de palpitar e perder o fôlego diante de um encontro inesperado (zoom nele/zoom nela, música de efeito ao fundo, corte para os comerciais). Todos os amores platônicos se manifestam através dos mesmos olhares longos e repetitivos, que não deixam margem a dúvidas. Todos os malvados crescem em maldade num paroxismo até a loucura ou o arrependimento, no final.

A ditadura da linguagem telenovelesca padroniza a percepção do espectador. As atitudes dos personagens encontram respaldo ideológico inquestionável. Se Alexandra aceitar casamento com Cláudio, a quem não ima, dirá que tem com ele uma dívida de gratidão, e que o amor pode vir com o tempo. Se recusar, dirá que não é honesto casar sem amor ou talvez sem paixão. Não existe nenhuma ambiguidade a respeito da força do senso comum como orientador e avaliador das atitudes dos personagens – e dos telespectadores. Na novela, a identificação está em toda parte.

A realidade é uma convenção de luz

Mas principalmente, tudo se mostra. A mão que paga o suborno (close); o olhar que duvida (close); a cabecinha atormentada que planeja vingança (close e pensamento em off), tudo é iluminado de maneira inequívoca, de modo a que o espectador esteja sempre em posição tão privilegiada diante da informação que lhe interessa que é como se estivesse “objetivamente” diante dos fatos, como se não houvesse intenção, narração, linguagem.

O real é aquilo que se mostra; aquilo que se evidencia porque assume formas velhas conhecidas. A realidade é uma convenção de iluminação. Essa maneira de levar o espectador tão para dentro da novela produz a abolição do estranhamento diante do que é dado como sendo a reprodução exata da vida como ela é. A novela não narra, descreve — e conta hoje com recursos naturalistas que conferem plena credibilidade ao que descreve: as formas acabadas da realidade, sem história, sem contradições, sem movimento. As coisas como elas são, ou melhor: as coisas como elas estão. Em sua redundância, que não deixa margem a dúvidas ou reflexões, em sua aparente transparência, que não deixa margem à critica a não ser dentro das condições dadas, o naturalismo da novela funciona como elemento a mais a favor do conformismo.

Ao mesmo tempo que tudo se mostra tanto, não percebemos nunca o processo pelo qual esses fatos tão evidentes acontecem, se transformam e se resolvem. A telenovela joga com o nosso esquecimento, com a diluição dos conflitos que ela cria no tempo e no ruído incessante da “ação”. Somos conduzidos distraidamente pelo esquecimento e pela maneira como o tempo dilui todas as coisas ou as esconde entre outras, mais ruidosas. “Tal como na vida”, somos conduzidos a não ver, a não sintetizar, a não selecionar, a não estabelecer relações abstratas entre os acontecimentos.

Por isso a recompensa final, quando tudo se ajeita conforme as expectativas do público, deixa sempre certo sabor de frustração. Tudo se ajeitou; mas como foi possível se ajeitar continua sempre escondido pelo excesso de informação, pela supertransparência da trama. Seduzidos pelo que se mostra, somos incapazes de compreender o processo pelo qual as coisas se ajeitaram. O caso é que o processo é abstrato, não se mostra. As relações sociais não são visíveis por si mesmas, a não ser quando alguma coisa no comportamento habitual das pessoas, se desarranja e põe a nu o que estava por baixo dele; mas na novela o comportamento esperado nunca se desarranja. Vemos as coisas tal como vemos na vida, e encaramos os fatos da vida tal como a novela nos acostumou a encarar.

Melissa odeia Leandro porque ele a traiu um dia (nada mais justo). Leandro ama Vivian porque ela é linda e desejável (nada mais compreensível), mas ama com obsessão doentia porque é um neurótico (nada mais explicável — e quantas vezes a câmara se deteve em seu olhar perturbado para deixar bem evidente a explicação), e assim o triângulo amoroso se repetirá até que o imponderável entre em cena para desmontá-lo. Mas tal como nas ditaduras políticas, a verdade final (sobre um amor, um crime, um desentendimento) fica sendo a versão final conveniente para os fatos. Arbitrária, já que pelo modo de construção da novela essa versão “verdadeira” não estava contida nos termos iniciais do conflito, saindo da cabeça do autor nos capítulos finais em função das tendências registradas pelas pesquisas de opinião.

Se o consenso entre a maioria do público é a medida de avaliação e de resolução de todos os conflitos, volto as páginas iniciais: na novela, a identificação esta em toda parte. Não se confunde com o ponto de vista de um ou outro personagem — como se viu, em um só capitulo a novela nos coloca no ponto de vista de todos os personagens, alternadamente. O importante é que todos, até mesmo os bandidos, sejam coerentes com o que se espera do seu papel. A identificação só se torna impossível quando um personagem quebra a lógica interna, ideológica, da nossa relação com ele. A principal cumplicidade do autor com o público se dá em relação a seu repertório cultural – é nesse lugar que se dá a identificação com a novela. Se estamos encarando as coisas a partir dos mesmos pontos de vista e da mesma escala de valores, tudo pode acontecer na novela; em tudo pode haver identificação. Eu não me identifico com Juca, Catucha ou Vivian, mas com os pressupostos dessa relação. E preciso que haja ciúmes, competição entre as duas mulheres, deixando claras as diferenças entre elas até que eu possa escolher a vencedora “justa”, é preciso que haja conflito moral por parte de Juca (a bigamia é inadmissível) etc. Nesse quadro eu me situo. Do contrário me sinto uma estranha diante de uma situação incômoda — e novela não foi feita para incomodar ninguém.

E quando o público vem a torcer por uma outra, Vivian ou Catucha, Claudio ou Piero (pretendentes de Alexandra) nos triângulos amorosos da novela, já não é o mecanismo de identificação que está, em jogo, mas o de projeção. Sempre existe uma dupla romântica que absorve mais que outras minhas fantasias sobre o amor. Sempre existe uma solução para um crime que representa mais que outras minhas fantasias sádicas e/ou masoquistas. Um autor de novelas não pode desprezar as demandas inconscientes de seu público: o espectador vê novela entre outras coisas (ou principalmente?) para liberar essas demandas.

A palavra “liberar” parece conferir à telenovela um papel menos conformista, mas não é bem assim. É preciso lembrar que projeção e identificação são mecanismo fracassados, não-operacionais, que quando cristalizados se tornam mecanismos neuróticos de satisfação de desejos. Li se foi o último argumento dos “integrados” a favor da telenovela.

As telenovelas das oito nos anos 70

Solidão em cadeia

A urbanização acelerada e o consequente desenraizamento do homem do campo, pelos quais o país passou nos anos 60 e 70, exigiram a rápida formação de novos hábitos, uma espécie de “reeducação” de grande parte de população, que procurava se adaptar as exigências e padrões de comportamento das grandes cidades. Em 1950, cerca de 40% da população brasileira morava nas cidades e 60% no campo, proporção que se inverteu em menos de 30 anos para 65% de população urbana contra 35% rural (dados de 1977).[82] A criação de novos hábitos de comportamento e consumo, a incorporação de valores diferentes daqueles adotados pelas tradições rurais, não são apenas exigências do modo de produção que se impõe modificando pela base a organização da vida. São também necessidades psicológicas desses milhões de desenraizados que invadem as grandes cidades todos os anos.

O homem que veio da cidade para o campo e também o homem urbano — atingido pelo crescimento acelerado e as mudanças abruptas no seu meio ambiente — perdem o sentido de permanência e o de pertinência, e se encontram envolvidos por uma profunda solidão. A solidão do homem moderno num país modernizado As pressas e pela metade. Ele não tem mais segurança de seu lugar no mundo, não sabe mais a que pertence nem como pertencer a este meio físico e social tão mutante em que nada permanece, em que os signos que lhe permitiriam reconhecimento de sua história são destruídos diariamente. Sua visão de mundo e sua moral tradicional se tornam obsoletos diante da avalanche de informações e solicitações que recebe, diretamente nas ruas da cidade ou através dos meios de comunicação. As relações comunitárias, os vínculos de solidariedade estão desintegrados até mesmo dentro da família. Na cidade ele é mão-de-obra anônima, sem status nem respeitabilidade que lhe sejam conferidos a partir de sua história individual. Mão-de-obra substituível a qualquer momento, cabeça sempre em defasagem com o que lhe parece ser a vida dos “outros”, os bem-sucedidos, os integrados — possivelmente bem menos felizes e integrados do que ele imagina.

Some-se a isso a marginalização sofrida pelo homem comum em relação às tomadas de decisão que afetam todas as instâncias de sua vida, o esfacelamento ou esvaziamento de todas as instituições nas quais ele poderia se ver representado — e teremos um quadro aproximado do que é o sentimento de solidão e impotência do homem urbano, sua angústia diante de um mundo que foge continuamente de seu controle e sua compreensão.

A este homem, típico do processo de desenvolvimento econômico desde a segunda metade dos anos 60, é dada uma perspectiva de participação, de integração em alguma coisa que lhe parece ser a cultura dominante de seu país, via televisão e via consumo, ou melhor: via desejo de consumo já que, como vimos, o consumo propriamente dito esteve sempre restrito da classe média para cima. Do ponto de vista das classes que lucram com o crescimento do mercado interno, é preciso “educar esse novo mercado de trabalho e consumo”, criar “novos hábitos” para o homem da cidade e do campo, para essa crescente faixa da população recém-integrada no moderno mercado de trabalho e, potencialmente, no de consumo. Para isso, a partir de 68, foram tomadas medidas como a liberação dos créditos para o consumidor, visando a implantação de um mercado de bens duráveis e semiduráveis, acompanhadas de um desenvolvimento espantoso das técnicas de publicidade. Depoimento de Luiz Loretti Neto, presidente das perfumarias Phebo, sobre a participação da televisão nesse processo: “uma das principais características da televisão é a criação de uma aculturação de massas…”; Francisco Gracioso, Diretor da Agência Tempo de Publicidade: “A TV uniu o Brasil não só geográfica como socialmente.”[83] Finalmente Higino Corsetti, ex-Ministro das Comunicações:” No Brasil /…/ as imagens do Rio e São. Paulo, longe de criar traumas e angústias, estimulam e incentivam. Há dias o Presidente assinou a concessão de mais um canal de TV para um ponto distante do Nordeste…”[84]

A Globo é a grande rede de televisão brasileira. Ao ligar seu, aparelho de TV na Globo, o homem brasileiro de que estamos falando coloca sua solidão em cadeia nacional. A esse brasileiro é dado o consolo da festa Global, entrar em cadeia as oito da noite com os acontecimentos apresentados pelo “Jornal Nacional” ou através de seu envolvimento emocional com a novela do momento. A esse homem, expropriado de sua condição de cidadão digno e de ser político, resta a televisão como encarregada de reintegrá-lo sem dor e sem riscos ao lugar “Onde as Coisas Acontecem”, e que ele imagina ser a vida da “outra metade” da sociedade brasileira. Esse foi o principal papel que a emissora líder em audiência representou durante duas décadas. Ela fala a esses brasileiros como se falasse deles, sem deixar de acenar para os marginalizados, com a possibilidade de um dia virem a ser como eles. Ela absorve e canaliza suas aspirações emergentes e, cúmplice, coloca no video sua imagem e (das) semelhança, capitalizando seus desejos para o terreno do possível ou do fantasioso — sendo que os limites do possível também é ela quem condiciona sutilmente, impondo, com a força da imagem, padrões de comportamento, de identificação, de julgamento e principalmente um novo padrão estético compatível com a nova fachada de “país em desenvolvimento”.

Trata-se de ajustar o homem brasileiro, transformado nessa categoria abstrata e passiva chamada público, a uma imagem mais afinada com os discursos desenvolvimentistas dos governos militares. Trata-se de fazê-lo sentir que é dono do seu destino, condição psicológica essencial para a reprodução contínua do trabalhador assalariado “livre” e do consumidor cuja nova identidade vai sendo formada a partir da faixa de produtos que ele é “livre para adquirir”. Para isso a televisão não pode se limitar a criar ilusões e fantasias muito distantes da vida brasileira. Ela precisa apontar para a realidade, reintegrar continuamente em seu sistema de espetáculos as modificações sofridas pelo público ao qual se dirige, avançar sobre novos fenômenos sociais, interpretando-os segundo uma versão segura antes que sua significação concreta tome rumos imprevistos e descontrolados. A televisão bem-sucedida não pode ser estritamente conservadora. Ela se alimenta do novo, do progressista, do que surge a partir de algumas vanguardas culturais e também a partir de manifestações das classes oprimidas.

A telenovela, cotidiana e doméstica, transformou-se nesse período na principal forma de produção da imagem ideal do homem brasileiro. Mais especificamente, as novelas das 20h da Globo, as mais abrangentes e mais assistidas da televisão brasileira, cumpriram nos anos 70— quando começaram a se modernizar e a se afirmar com uma estética realista — o papel de oferecer ao brasileiro desenraizado que perdeu sua identidade cultural um espelho glamurizado, mais próximo da realidade de seu desejo do que da realidade de sua vida, e que por isso mesmo funcionou como elemento conformador de uma nova identidade, identidade brasileira, identidade-de-brasileiros, talvez o mais parecido com uma identidade nacional que este país já teve.

Realismo e distração

Em artigo datado de 23.06.1972 para a Folha de S. Paulo intitulado “Ministro, Novelas e Enlatados”, a falecida colunista Helena Silveira comentava as declarações do então Ministro das Comunicações Higino Corsetti, para que, “o que há de melhor em nosso teatro está agora na televisão, que está num nível muito bom (…) programas de auditório (…) não lhe agradaram (ao Ministro); o que achava do melhor realizado ainda é, mesmo, a telenovela”.[85]

De fato, por essa época a novela de televisão começava a se tornar mais “respeitável”, digna de outro status em relação à programação popularesca (como os shows de auditório rejeitados pelo Ministro) e também mais prestigiada do que os tradicionais enlatados importados, em sua maioria, dos Estados Unidos. Em matéria publicada no Jornal do Brasil, de 14.09.1971 — “Governo debate o baixo nível da TV” —, os então ministros Alfredo Buzaid (Justiça) e Higino Corsetti especulavam a respeito da necessidade de se tomar providência para se impedir a programação de baixo nível da TV brasileira; em dezembro de 73, o Ministro das Comunicações afirmava que a Globo foi a única emissora que cumpriu as exigências do governo federal: “a transmissão eletrônica de recreação, informação e educação nas mãos da iniciativa privada, alicerçada numa sólida estrutura de empresa moderna”.[86]

A preocupação da Globo com a melhoria da qualidade e incremento da programação nacional em horário nobre começa em 1970, segundo Walter Clark,[87] com o início da consolidação da Rede. E resulta numa linha de programação que se firma por volta de 73 com o advento da teve em cores no Brasil. “A trajetória da empresa acompanha o clima otimista de ‘Brasil Grande’. Trata-se, nesse período, de uma indústria moderna, fabricando um produto de ponta — o Padrão Globo de Qualidade —, veiculando um discurso emergente — a ideologia desenvolvimentista — e divulgando, do Oiapoque ao Chuí, as novas realizações do ‘milagre’ nesse período também que as telenovelas da Globo modernizam sua linguagem. Ultrapassam definitivamente os limites impostos pelos estúdios e pelo modelo de teleteatro e superam sua dependência em relação aos dramalhões mexicanos e cubanos que lhes deram origem. Apesar de a fórmula básica da telenovela ser a dos boletins europeus do século XIX, a imagem foi totalmente reembalada para adequar-se as exigências de credibilidade dos tempos modernos. A Globo passa então a investir o talento de seus autores (incorporando inclusive um surpreendente lote de dramaturgos “de esquerda”, provindos do antigo CPC dos anos 60 – Dias Gomes, Guarnieri, Ferreira Gullar etc.), no lucrativo terreno da realidade brasileira.

Os autores e diretores de telenovelas passam a falar cada vez mais em realismo, realidade brasileira, vida real, procurando imitar em suas obras as aparências da realidade e favorecendo ainda mais a identificação emocional dos espectadores com os dramas vividos na tela. Na tentativa de resolver uma suposta contradição entre ficção e realidade, contradição criada muito mais no plano das relações com a censura do que no plano estético, os autores falam em acrescentar as suas novelas “doses de realismo” ou “níveis de realidade”, como se para a televisão a realidade funcionasse como um aditivo a ser acrescentado obra, que seria tão mais meritória, mais educativa e conscientizadora quanto mais mimetizasse aspectos da vida dos que estão do outro lado da tela.

Segue-se o resumo das principais novelas que a Globo levou no horário das 20h nos anos de 1970 a 80, onde vai ficando clara a evolução do namoro entre a telenovela e a realidade brasileira, assim como os limites dessa aproximação. Nesses resumos, destaca-se também a imagem do herói, à maneira do herói romântico do século XIX: o herói da novela das oito também é o homem (ou a mulher, mais para o final da década) que perdeu a noção de totalidade — a identificação com que comunidade de origem —, perdeu as raízes e se encontra sozinho, frequentemente em conflito diante do resto da sociedade. Mas na novela (ao contrario do herói romântico que em geral leva seu individualismo ao limite, encontrando um fim trágico e solitário), o maior desejo do herói desajustado é a reintegração, e nessa busca ele se desloca em dois sentidos: o da ascensão social e o da modernização de seu comportamento.[88]

Irmãos Coragem (1970/71)

De Janete Clair. Três irmãos: João Coragem (Tarcísio Meira), Jerônimo Coragem (Claudio Cavalcanti) e Duda (Claudio Marzo), vivendo na cidade garimpeira de Coroado, suposto Mato Grosso, com temperamentos e aspirações bem diferentes. João é honesto, perseverante e valente. Jerônimo é rude e ambicioso, nem sempre honesto na perseguição de seus objetivos. Duda é o caçula, menos apegado à terra em que nasceu, que sonha tornar-se jogador de futebol no Rio.

A história se desenrola em torno do garimpo e das lutas entre bandidos e mocinhos pelo diamante encontrado por João no início da novela. Até Jerônimo tenta roubar a pedra do irmão. Em segundo plano vemos Duda, em conflito entre sua vontade de se deslocar do interior para o Rio, para o sucesso nos campos de futebol (o ano era 1970, ano do Brasil Tricampeão do mundo…) e o medo do fracasso, as tentativas de ficar em Coroado casado com a antiga namorada interiorana, Ritinha (Regina Duarte).

O principal inimigo de João Coragem é o Coronel Pedro Barros, grande dono de terras de Coroado que, com ajuda do Delegado Falcão e de capangas, tenta obter o diamante à força, a fim de impedir que João se torne mais poderoso do que ele na região. A filha de Coronel, Lara (Glória Menezes), apaixonada por João Coragem, sofre um problema de “dupla personalidade” e só se “reintegra” numa terceira personalidade equilibrada nos capítulos finais.

Jerônimo Coragem, com ajuda do ex-capanga do coronel, consegue roubar o diamante do irmão, mas é morto numa perseguição pela polícia e pelo povo de Coroado, no último capítulo. João se reapodera do diamante mas o Cel. Pedro Barros, furioso, começa a incendiar a cidade em vingança. Em função dessa ameaça maior, o povo da cidade se une e, nas cenas finais da novela, liderado por João, inicia a reconstrução da cidade, esquecendo as desavenças do passado. Coroado foi a primeira cidade cenográfica construída especialmente para uma novela, e lembrava em tudo um vilarejo de filmes de faroeste americano. “Irmãos Coragem” teve um ano de duração, sendo a primeira vez na história das telenovelas da Globo que o IBOPE a nível (foi a primeira novela das oito transmitida em rede) chegou em alguns capítulos a indices próximos dos 80% de audiência.

Selva de Pedra (1972 / 73)

Também de Janete Clair, essa novela durou mais de nove meses no ar. Entre “Irmãos Coragem” e ela há uma novela de Walter Negrão, “Cavalo de Aço”, sobre a qual obtive pouquíssimos dados.

Cristiano (Francisco Cuoco) é o moço simples e ambicioso que vem do interior para o Rio com a família. O pai de Cristiano é crente e a família o acompanha em pregações na rua, onde são objeto de agressões e caçoadas. O deslocamento de Cristiano em relação à sua origem começa no momento em que, numa confusão de rua, ele é tomado por criminoso e se refugia na casa de uma escultora principiante, Simone (Regina Duarte). Os dois se apaixonam e se casam em alguns capítulos.

Simone recebe incentivo de Jorge (Ednei Giovenazzi) para a carreira artística. Jorge ama Simone mas não é correspondido. Cristiano, deslumbrado com a cidade grande, vai-se tornando frio e calculista. Para subir na vida liga-se a Fernanda (Dina Sfat), pupila do dono de uma grande indústria naval onde Cristiano trabalha.

A novela segue numa coleção de desencontros em que Simone desaparece e é dada por morta, Cristiano se liga a Fernanda e herda a direção da indústria naval, tendo como rival Miro (Carlos Vereza), que tenta tirar a empresa das mãos dele. Miro morre num acidente depois de praticar muita maldade e criar muita confusão. Cristiano reencontra Simone em nova personalidade (Rosana), escultora famosa, e se interessa por ela. Simone/Rosana o ama mas o denuncia a polícia como assassino da antiga Simone. Cristiano vai à julgamento, de casamento marcado com Fernanda. No dia do casamento, arrependido de seus erros, abandona Fernanda que, enlouquecida, rapta Rosana/Simone. Simone foge a tempo de chegar no Tribunal e inocentar Cristiano do crime que não houve. A última cena se passa num navio construído por Cristiano onde Simone vai encontrá-lo num longo vestido branco e grávida dele. Vestidos a rigor, o casal novo-rico passeia pelo convés e contempla a prosperidade entre beijos e champagne, tendo a música-tema do romance ao fundo…

“Selva de Pedra” fez ainda mais sucesso que “Irmãos Coragem”. No final, Janete Clair declarou: “Não quis frustrar essa gente que sofreu tanto durante tanto tempo. O final agradará a todos e a mim também, confesso.”

O Semideus (1973 / 74)

Outra de Janete Clair. Novela milionária, grande elenco, cenografia de luxo. Primeiras cenas filmadas em Portugal, onde viu Alex Garcia (Francisco Cuoco), jornalista que volta ao Brasil para investigar a morte de seu pai. O “Semideus” do titulo é Hugo Leonardo (Tarcísio), milionário famoso que se apaixona por Ângela (Glória Menezes) no começo da novela. Logo se forma um triângulo entre Hugo, Alex e Ângela.

Num acidente de lancha Hugo é dado por morto e se esconde numa ilha deserta, redescobrindo, junto a pescadores do lugar, as alegrias da vida na pobreza (…) Enquanto isso, um impostor parecido com Hugo, Raul, (também Tarcísio) se faz passar por ele junto à família, tomando posse das empresas dos Leonardo e assumindo o filho recém-nascido de Hugo e Ângela. Parentes de Hugo descobrem a farsa mas não revelam nada a Ângela e viram comparsas de Raul. Como todo os bandidos que se prezam acabam cometendo assassinatos entre eles, por ganância. Hugo volta, informado das confusões, e revela sua identidade. Raul é desmascarado e morre no fim da novela.

Nos últimos capítulos, Hugo e Ângela voltam a viver felizes e Alex se casa com a jornalista Adriana (Ioná Magalhães). No último capítulo, Hugo oferece um banquete aos pescadores que o ajudaram nos anos de exílio. É dia da cerimônia de retomada da direção de suas empresas. Na hora marcada para a posse Alex, Ângela e Adriana vão procurar Hugo, que se esqueceu da hora e está feliz empinando uma pipa com Maneco, o filho dos pescadores.

A novela termina misturando ficção e realidade: o jornalista Alex lê um texto de Janete Clair que diz: uma simples história, como tantas outras. A diferença é que, por mais absurda que possa parecer, aconteceu realmente. Eu não pretendo inovar ou trazer novas fórmulas com ela (…). Procuro mostrar como é que pessoas comuns podem ser envolvidas em situações incomuns que mudam o sentido de suas vidas (…). Creio que em maior ou menor proporção todos foram vítimas. De que? Não sei. De nós mesmos, que vivemos lutando por coisas desnecessárias; ou do poder corruptor do dinheiro, talvez (…).”
O herói desta novela, Hugo Leonardo, faz uma dupla trajetória. Perde tudo primeiro para depois recuperar status e fortuna numa outra condição, tendo se humanizado no contato com a pobreza. A novela seduz os que ainda sonham subir na vida e consola os que não têm mais chances. Afinal, foi no convívio com o pobres que o Playboy milionário Hugo descobriu a alegria das coisas simples da vida…

Fogo sobre Terra (1974 / 75)

Mais uma de Janete Clair, na sequência do “Semideus”. A primeira novela da autora onde a censura interferiu de maneira significativa, obrigando à regravação de capítulos e mudanças no roteiro.

Pedro Azulão (Juca de Oliveira) e Diogo Azulão (Jardel Filho) são irmãos que foram criados separados depois da morte dos pais. Pedro no interior, na pequena Divinéia, o Diogo na cidade grande (Rio). Engenheiro de uma grande construtora, Diogo chega a Divinéia para construir uma hidroelétrica cuja represa inundará a região. Divinéia deve ser abandonada pelos moradores. O conflito é entre Diogo, porta-voz do progresso, e Pedro, homem apegado à terra que não quer ver sua cidade destruída. Além do conflito sobre a construção da barragem, os irmãos disputam o amor de Chica Martins (Dina Sfat), mulher de temperamento livre, moderna (apesar de viver em Divinéia), que no final da novela prefere Diogo, o irmão urbano. Pedro vai se aproximar de Barbara, (Regina Duarte), filha de sua mãe de criação, criada na cidade, neurótica e insatisfeita, que vai encontrar algum equilíbrio emocional junto a esse homem do campo, simples e sem problemas. O interiorano rude protege a moça neurótica da cidade grande, e o homem sofisticado da cidade fica fascinado pelo temperamento selvagem da mulher do campo. A síntese é perfeita, não há conflito nem desajuste entre o velho e o novo, o rural e o urbano.

Num certo ponto da novela, Pedro deveria convencer o povo de Divinéia a resistir contra a construção da barragem, mas a censura exige que a história seja modificada, pois poderia funcionar como sugestão de apoio à guerrilha no campo (!). Depois de peripécias e falsas acusações (Pedro chega a ser preso e depois inocentado), o irmão caipira se convence de que é inútil lutar contra o progresso e decide ficar na cidade para ser tragado pelas águas. Novamente a censura interfere, não quer “mártires” nessa briga. Bárbara consegue demover Pedro de suas intenções, revelando que espera um filho dele. Ele desiste, feliz. Quem se sacrifica é Nara, índia que criou Pedro em Divinéia e não sai da cidade, sendo tragada pelas águas — mas em se tratando de uma personagem, patética e ignorante, a censura não se incomodou.

Nas palavras de Janete Clair, a novela representaria um choque “entre o homem do campo, preconceituoso em relação ao progresso, e o homem da cidade, impelido a acabar com a miséria e levar ao campo conforto e civilização…”. E Valter Avancini, diretor da novela:” (…) Isso significou voltar os olhos para 70% da vida deste país, que ainda se desenvolve em termos rurais” (a porcentagem é arbitraria, um exagero de Avancini).

Escalada (1975)

Primeira novela de Lauro César Muniz para esse horário e primeira a romper com a narrativa linear, “Escalada” aborda um período de mais de 40 anos da história do Brasil, dividida em três fases descontinuas e terminando em 1975.

A saga de Antônio Dias (Tarcísio) começa na década de 30, fim do governo Vargas e do ciclo do café. A. Dias é um caixeiro viajante jovem que chega falido à pequena cidade de Rio Pardo e entra em conflito com um cafeicultor ainda rico (Milton Morais), apaixonando-se também pela irmã dele, Marina (Renné de Vielmond), que não se casa com ele por causa da diferença de classes. Antônio se casa com Cândida (Susana Vieira), herdeira de uma fazenda falida, mas não consegue salvar a Fazenda Santa Isabel.

A segunda fase se passa em 1956, auge do desenvolvimento do governo JK. Antônio Dias ganha dinheiro com títulos de capitalização, com uma firma de material de construção e com a construção de Brasília. Na metade da novela está no Rio, muito bem de vida mas mal de casamento e se unem, já que Dias deixou de ser um pé-de-chinelo qualquer.

Na terceira fase, Antônio vive com Marina, seu filho Ricardo (Mario Cardoso) e Viviana (Kátia D’Ângelo), filha de Marina. Sua última façanha é destruir o antigo inimigo (o fazendeiro irmão de Marina), já quase arruinado com as constantes crises do café no mercado mundial. Antônio compra as fazendas de Armando e devolve Santa Isabel já próspera e recuperada a Cândida e seu pai. A novela termina em 75, mostrando nas cenas finais o destino de cada personagem. Estão todos prósperos e felizes e Antônio Dias, rei do gado e do leite começa a se arriscar num novo negócio, como transporte de carne: o verdadeiro empreendedor não para nunca de investir em novos ramos…

“Escalada”, sem ter batido recordes de audiência, foi consagrada pela crítica como melhor novela de 75. Depoimento do autor no final da novela: “Este brasileiro (Antônio Dias), testemunha viva do século XX (…) poderia ao final de sua longa caminhada enumerar num vaidoso currículo sua ascensão difícil e penosa (…). A história de um brasileiro nada excepcional, como muitos outros que, num país em franco e desorganizado desenvolvimento encontram a fórmula da ascensão social em expedientes os mais variados (…), nunca esmorecendo. (…) Em nenhum momento a novela trocou a regra pela exceção, preocupando-se com personagens que representassem o denominador social comum do meio em que vivemos. Daí a identificação do público, que se viu refletido no video (…)” etc. etc.

Em relação as peripécias absurdas inventadas por Janete Clair, “Escalada” com suas referências históricas e seus personagens verossímeis representou um passo a mais da Globo em direção ao realismo — o que não quer dizer que tenha sido uma novela mais interessante do ponto de vista do público.

Pecado Capital (1976)

Depois de “Escalada”, a novela “Roque Santeiro”, de Dias Gomes, foi totalmente vetada pela censura. “Roque” (que voltou ao ar modernizada, dez anos depois) era baseada numa peça de teatro já proibida, do mesmo autor; contava a história de um soldado numa cidade nordestina, transformado em herói depois de sua morte e, anos mais tarde, desmistificado pela população. Enquanto a Globo exibia uma comparação de “Selva de Pedra”, Janete Clair trabalhava às pressas para substituir a novela censurada.

Em “Pecado Capital”, Salviano Lisboa (Lima Duarte) é um viúvo milionário e ranzinza, frio e autoritário, dono de uma indústria de tecidos que vive quase abandonado pelos sete filhos por causa do seu temperamento insuportável. Uma das operárias das indústrias de Salviano é Lucinha (Betty Faria), que introduz na novela cenas do subúrbio carioca. Lucinha é noiva de Carlão, motorista de táxi, machão e grosseiro. Ela sonha tornar-se modelo profissional, o que é fácil por causa da sua beleza: num conflito dentro da fábrica em que Lucinha se revolta, e é demitida entra em contato com um diretor de modas da empresa e é convidada para desfilar. É assim que Lucinha conhece Salviano que se apaixona por ela ao mesmo tempo que a nova profissão desperta os ciúmes do noivo Carlão, de quem ela se separa.

Carlão é forçado a ajudar dois assaltantes a fugir em seu táxi. Na confusão o dinheiro do assalto é deixado no carro. O assaltante morre num tiroteio e a mulher, Eunice (Rosamaria Murtinho), demora a encontrar Carlão para saber do dinheiro. Depois de algum conflito sobre o dinheiro roubado, Carlão fica com ele sem contar pra ninguém e começa a melhorar de vida, abrindo uma frota de táxis e tornando-se “o rei do Méier”. As cenas suburbanas na novela são sempre cômicas e os personagens oscilam entre o trágico e o pueril. O som de um chorinho leve acompanha a vida do subúrbio na novela.

A família de Salviano revolta-se quase em peso contra a paixão entre ele e Lucinha, cada filho tendo motivos diferentes entre os ciúmes e a ganância, com exceção de um que padre — e, portanto, tem bons sentimentos. A oposição dos filhos de Salviano leva Lucinha a se afastar dele: quase até o fim da novela ela oscila entre o pretendente milionário (a quem ama “de verdade”) e o antigo noivo suburbano, que também representa sua origem. Carlão acaba se casando com Eunice, que sofre muito ao lado dele. Lucinha, com a nova profissão e o “amor” de Salviano, já não mora no subúrbio; sofisticou seus hábitos e seu visual e está transformada numa manequim do Leblon que não carrega o menor trago da suburbana de antes, com exceção de um, que a burguesia (Salviano) aprecia e procura resgatar: a espontaneidade.

No final da novela, as famílias de Lucinha e Salviano abandonam os preconceitos (de tipos diferentes) que tinham em relação ao amor dos dois e eles se casam no mesmo dia que Carlão, cada vez mais envolvido com quadrilhas de bandidos, morre baleado nas obras do metrô carioca (toque realista do último capitulo). Janete Clair: “Em ‘Pecado Capital’ assumi inteiramente a realidade (…) O final que dei a Lucinha e Salviano foi um final lógico, realista, de acordo com a empatia que eles passaram durante a novela. (…) Afinal, por que temos que dar sempre finais negativos para agradar uma minoria de intelectuais?”

Em “Pecado Capital”, a ascensão de Carlão, fora da lei, é punida com a morte e a heroina é Lucinha, que sobe na vida através do trabalho… e do amor.

O Casarão (1976/77)

Continuação da experiência de Lauro César Muniz, que começou com “Escalada”: novela/saga da sociedade brasileira centrado em alguns períodos de mudança do painel político-econômico do país no século XX. Dessa vez, o autor toma mais uma liberdade em relação à estrutura narrativa: os três períodos da história se intercalam em vez de se sucederem linearmente. Foi difícil para o público entender esse recurso, e a Globo pressionou Lauro César para que utilizasse alguns recursos esclarecedores (por exemplo, flash-backs) nas mudanças de uma época para outra. Mas o autor se recusou, apoiado por Daniel Filho (que dirigiu a novela até o 30° capítulo) e insistiu na narrativa fragmentada até que o público se acostumou.

A primeira fase vai de 1900 a 1906 e descreve a prosperidade da família de Deodato Leme, dono de terras em Tangará, SP, que consegue a construção de uma ferrovia que passe por suas terras para facilitar o escoamento da produção. Deodato, patriarca autoritário, impede o casamento da filha com um imigrante português e a obriga a se casar com um engenheiro da estrada de ferro. Deodato morre numa emboscada preparada pelo próprio genro, que assume o controle político da região. Sua neta Carolina (Sandra Barsotti) repete o destino da mãe: ama João Maciel (Gracindo Jr.) aventureiro e artista, mas é obrigada a se casar com Atílio (Denis Carvalho). E a segunda novela, de 1926 a 36, quando a família Leme começa a decair por causa das crises do café.

A última fase é contemporânea da novela. Todos os problemas antigos afloram. A fazenda está reduzida à metade e a trama se passa principalmente no Rio. Uma disputa eleitoral em Tangará (a que sofreu a Lei Falcão) é o acontecimento mais importante da cidadezinha, sendo pano de fundo para um conflito de gerações na família Leme.

A industrialização, o êxodo rural e a “revolução” dos costumes causam a decadência psicológica dos personagens mais velhos da novela, com exceção da velha Carolina, que acaba reencontrando João Maciel, seu antigo amor, agora pintor famoso no Rio de Janeiro. A neta de Carolina, Lina (Renata Sorrah), também vive uma paixão proibida por Jarbas (Paulo José). Proibida literalmente pela censura, aliás — a paixão de Lina teve que ficar subentendida e platônica até ela se desquitar, no final da novela. Lina é casada com um homem ambicioso e se apaixona pelo sensível Jarbas, publicitário tendendo a cineasta. As personagens femininas são as portadoras das transformações mais importantes, e introdutoras de valores modernos na novela. A última cena do Casarão é a libertação da velha Carolina, que se encontra com João Maciel na Confeitaria Colombo ao som de “Fascination”. Lauro César Muniz se queixou das restrições da censura as ousadias de suas personagens femininas e declarou: “Algumas de minhas personagens são portadoras de uma mensagem feminista.”

Duas Vidas (1977)

Seguindo a linha bem-sucedida de “Pecado Capital”, que situa o conflito principal da novela não mais entre a cidade e o campo mas entre “Zona Norte e Zona Sul” do Rio, esta novela de Janete Clair enfoca os problemas de uma comunidade de vizinhos de classe média-baixa ameaçada de despejo de suas casas pela chegada das obras do metrô no Catete.

O comportamento tradicional e as relações de solidariedade entre as famílias da “rua do seu Menelau” são bastante enfatizadas no começo da novela. Seu Menelau (Sadi Cabral) é o morador mais antigo do bairro e dirige uma agência de casamento que é a razão de sua vida. Leda Maria, nora de seu Menelau (Betty Faria), é abandonada no início da novela pelo marido, que foge com uma mulher em pleno carnaval, usando o dinheiro da desapropriação da casa de seu pai. Tomás, bêbado, morre atropelado e o dinheiro é roubado. Leda, o sogro e o filho Téo ficam desamparados. A novela vai se centrar na reconstrução da vida dessa família mal remediada.

Dr. Vítor (Cuoco), médico da vizinhança, ama Leda mas também a odeia por seu comportamento livre e irreverente. É um homem mais conservador. O triângulo amoroso fica entre Leda, Dr. Vitor e Dino César, ex-noivo por quem Leda ainda é apaixonada (Mário Cardoso) e que faz qualquer negócio para se colocar como compositor numa gravadora do bairro. Usando recursos desonestos, Dino consegue gravar e começa a subir na vida. Fica claro que ele “não presta”, enquanto Leda Maria dá duro para se arrumar na vida, como todos os outros personagens da rua ameaçada. Num dado momento, Leda se desilude definitivamente e rompe o namoro com Dino. Leda e Vítor se casam mas ainda não são felizes, porque o médico rígido e conservador não confia na esposa.

Dino se mete em encrencas e é acusado de assassinato. Leda tenta ajudá-lo e Vítor se separa dela por ciúmes. Dino afinal é inocentado e volta à vida artística com sucesso. Leda passa dificuldades na casa de seu Menelau, tem o segundo filho escondida de Vitor (por orgulho), mas na hora do parto passa mal e é Vítor quem chega a tempo de salvar sua vida. O casal acaba se reconciliando depois de mais alguns capítulos de suspense.

Muitos personagens secundários da novela (o pai de Dino, p. ex.) se recuperam da pobreza trabalhando no próprio metrô, que os jogou na miséria nos primeiros capítulos. Seu Menelau recupera uma parte do dinheiro que o filho roubou no começo da novela, dá uma grande festa de reinauguração de sua agência de casamentos e morre no fim, sozinho e feliz no salão enfeitado. Janete Clair: “Duas Vidas” foi “apenas uma novela simples como os personagens que retrata (…) gente humilde sem grandes vôos.” Fala numa linha de compromisso com a realidade, de um ponto de vista leve e humorístico iniciado com “Pecado Capital”. “Quando ao final feliz (…) assumi o happy end sem vergonha ou remorso. Se está na minha não dar algum alívio para essa gente tão sofrida com os problemas do dia a dia, que seja…”

O Espelho Mágico (1977)

De Lauro César Muniz. Novela sobre os bastidores da televisão, atualíssima, sofisticada cria uma metanovela que é uma caricatura das novelas tradicionais, dentro da novela maior: “Coquetel de Amor”, a novela gravada pelos personagens do “Espelho…”. Numa época em que a Globo investia na renovação do gênero e em fórmulas inteligentes, procurando atrair faixas de público mais sofisticadas, econômica e culturalmente, “O Espelho Mágico” representou uma tentativa de inovação da linguagem novelesca, que em termos de audiência não foi bem-sucedida.

Diogo Maia (Tarcísio) e Leila Lombardi (Glória) são atores já consagrados escolhidos para representar o par romântico de “Coquetel de Amor”. Jordão Amaral (Juca de Oliveira) é o autor da novela, ex-marido de Leila e pai de Beatriz (Lídia Brondi), filha dos dois. Jordão está sempre insatisfeito, e questionando seu trabalho para a televisão. Os outros personagens da novela são atores de televisão em busca de um papel na novela, ou atores de teatro querendo um lugar na teve — uns novatos, outros decadentes. A luta por um lugar no video, pela fama e o sucesso ocupa o lugar central. da novela ao lado dos inevitáveis conflitos amorosos.

Alguns personagens secundários se destacam. Cintia (Sônia Braga), pobre e “descolada” que vai à luta por um bom papel e seduz Diogo — ele se separa de Leila e só se reconcilia nos últimos capítulos. Cíntia faz um modelito ousado para a época, “hiponga” sedutora, a fala cheia das últimas gírias de Ipanema e leves sugestões de que fuma maconha. (Bem leves, só para entendidos). Nestor (Kito Junqueira) faz o personagem rebelde da novela, amigo de Cintia, ex-hippie de vida irregular que vive de artesanato, pequenos “bicos” em comerciais e despreza a tevê.

Carijó (Lima Duarte) e sua filha Lenita (Djenane Machado) formam uma dupla cômica de teatro rebolado, já decadente. Lenita consegue trabalhar na novela e no final e velho Carijó também é “descoberto”, recuperado para um programa humorístico no estilo da “Praga da Alegria”. O próprio Daniel Filho, diretor da novela, faz dentro dela o papel de diretor de “Coquetel de Amor”. Além disso, a novela tem conflitos entre esposa submissa e marido machão, mensagens feministas, conflito de gerações, atriz-miss-Brasil que quer fazer filme “sério”, conflitos de pai suburbano com filha maluquinha etc. etc. etc.

Sendo uma novela voltada para o mundo da TV, “Espelho Mágico” virou assunto da própria TV. Chico Anísio acusa Lauro César no “Fantástico” de denegrir a imagem dos atores de televisão, e o autor vai ao programa no domingo seguinte em defesa do seu trabalho. O público não gosta do esquema da metanovela e “O Espelho” perde alguns pontos de audiência em favor da novela das 20h da TV Tupi. No último capitulo, o personagem Carijó faz uma preleção sobre o trabalho do ator, suas alegrias e dificuldades. Ironicamente, a censura cortou toda a parte da fala referente aos direitos do ator e à regulamentação da profissão.

O Astro (1977/78)

Outra vez Janete Clair num novelão que é um passo atrás no caminho da modernização do gênero, tentando (e conseguindo) reconquistar a audiência perdida em função das inovações de Lauro César Muniz. A novela é a escalada de Herculano Quintanilha (Cuoco), homem carismático e ambicioso, que vem do interior tentar a sorte no Rio, deixando pra trás mulher, filho e alguns desfalques na cidade fictícia de Guariba Grande. Consegue emprego numa churrascaria usando talentos de mistificador, como quiromante, astrólogo e telepata. Num de seus shows conhece Amanda (Dina Sfat), mulher emancipada, engenheira que dirige a construtora de seu pai. Amanda é casada com Samir Hayalla (Rubem de Falco), milionário de família árabe tradicional, mas o casamento é um fracasso. Em pouco tempo Amanda se apaixona por Herculano e o “Astro” sobe para a direção da Construtora Mello Assunção. Mas Amanda é livre demais para o machão interiorano que a ama mas a oprime com violência.

A família Hayalla vive outro problema. Márcio (Toni Ramos), filho único e herdeiro do império do velho Salomão, é um jovem revoltado com as injustiças sociais, que foge de suas responsabilidades de herdeiro para sair pelo mundo pregando o evangelho e tocando saxofone. Como personagem rebelde, o jovem Márcio é no mínimo patético. Nessa fuga conhece Lili (Elizabeth Savalla), menina de subúrbio independente, por quem se apaixona. Os dois se casam e têm um filho; são felizes até que Márcio resolve aparecer em casa e contar que está casado com uma suburbana.

A mãe de Márcio, Elô (Tereza Raquel), grã-fina neurótica e verdadeira vilã da história (insinua-se até um envolvimento com drogas), arma uma tramoia que separa Márcio de Lili. O desquite dos dois seria litigioso mas a censura cortou a cena de agressão entre o casal. Enquanto isso acontece, o que viria ser o elemento de suspense da novela, mantendo a audiência, elevada até o final: assassinam Salomão Hayalla, o mais velho dos irmãos da família árabe. “Quem matou Salomão Hayalla?”, é a pergunta que está na capa de todas as revistas de televisão em 1978.

Com a morte do pai e a separação de Lili, o rebelde Márcio se transforma no responsável dirigente das empresas Hayalla. Herculano sobe de vento em popa e Márcio lhe dá um cargo importante nas empresas Hayalla. No final, Márcio e Lili se reconciliam, Herculano e Amanda se separam. Quando Herculano já está se afundando (descobrem os desfalques que ele deu na firma), Márcio ajuda Herculano a fugir do país e descobre-se o assassino de Salomão, um ex-amigo de Márcio envolvido em transações com drogas e amante de Clô. O último capitulo se passa num dia de Natal (à la Walt Disney!) com a família Hayalla reunida, Lili e a sogra reconciliadas, discursos de Márcio sobre a construção de um futuro para os filhos e a continuidade da obra de seu pai, numa festa suntuosa. Na última cena Amanda vai atrás de Herculano que se tornou “Brujo” (tipo Martinez de Hoz, na Argentina) numa ditadura de bananas da América Central. Encontra-o num palácio luxuoso, consultor astrológico e acompanhante indispensável do caudilho que manda no país. Amanda reprova o ex-marido e o abandona de novo, enquanto Herculano sai com o “presidente” num carro oficial saudando a multidão. A novela bateu recordes de audiência nos últimos capítulos. Janete Clair: “Parece claro que o intuito da novela é criticar alguns falsos valores estabelecidos, e fazendo isso eu exponho meus próprios valores…”

“Pseudamente inteligentes”

A expressão é de Daniel Filho, em entrevista concedida a mim em setembro de 1979, para definir as novelas das oito: tem que ser abrangentes, românticas, conter elementos que permitam a identificação de diferentes classes sociais e diferentes faixas etárias — e também devem ser “pseudamente inteligentes”. Ao dizer isso, Daniel Filho está fazendo uma análise mais profunda das telenovelas que dirigiu do que a ironia do termo sugere. E que nas novelas modernizadas das 20h, os símbolos de status intelectual que identificam as “vanguardas pensantes”, valorizadas num país semi-analfabeto como o nosso (e também odiadas, invejadas, desprezadas etc.) funcionam como aditivos para consumo fetichista por parte do público, o que confere autoridade e respeitabilidade aos personagens que se deslocam socialmente. Assim, a luta prosaica pela ascensão social adquire um charme e um brilho que transcende o mero assunto da acumulação de capital. “Subir na vida” só tem prestigio se o personagem se tornar mais culto, mais moderno em suas ideias, mais inteligente. Os cafonas (vide a Carlão de “Pecado Capital” ou o Herculano de “O Astro”), os grossos, os abertamente gananciosos, não são perdoados.

Ao mesmo tempo, o público tem o prazer de observar problemas e dificuldades que the parecem próximos aos seus (problemas amorosos, inseguranças profissionais, rivalidade, invejas, ciúmes, conflitos morais etc.), sendo vividos por gente que lhe parece um pouco mais culta, um pouco mais sofisticada, mais esclarecida — mais próximas de um padrão de comportamento “internacional” que também lhe é apresentado via indústria cultural.

No entanto, o “pseudamente” empregado pelo diretor do núcleo de novelas das oito da Globo também não gratuito: a “inteligência” aqui é utilizada como aditivo de prestigio, e só. As atitudes que determinam o rumo final dos acontecimentos na novela, os rumos que os personagens dão as sua vidas — enfeitados por respeitáveis racionalizações — não diferem em nada do que fariam outros personagens dos novelões tradicionais. Tudo o que eles fazem é dar argumentos mais elaborados para provar, depois de muitas peripécias, que “a vida é assim mesmo” e “assim” continuará sendo, novela após novela, de modo a assimilar e decodificar as mudanças, os modismos e até mesmo as crises surgidas no meio da sociedade que as produz.

As três novelas que se seguem a O Astro” já podem ser consideradas novelas da decadência da Globo, enquanto geradoras de propostas e elaboradora de grande temas ligados, direta ou indiretamente, à vida dos brasileiros mas onde o “pseudamente inteligentes” continua a cumprir um papel importante, como se verificara. São novelas de uma fase em que o gênero, na Globo, passa a se sustentar em função do hábito criado pelo público, transformadas em companhia cotidiana preenchedora do imaginário carente de motivações coletivas e de informação em geral claro que a incompetência generalizada das outras emissoras de TV em competir com a Globo também contribui até hoje para a hegemonia desta.

Mais ou menos de 1978 em diante as novelas das oito deixaram de se voltar para grandes temas, abandonaram progressivamente as tendências populistas pelo elogio à suntuosidade e se restringiram à descrição preciosista da psicologia das relações humanas entre os personagens, além da exibição de figurinos, decorações de interiores afinados com a maxima criada por Boni (e mais tarde divulgada por Joãozinho Trinta), de que “o pobre gosta de luxo; quem gosta de miséria intelectual”.

Dancing Days (1978/78)

Saudada pelo público como a mais moderna das novelas pela perfeição com que mimetizou os ambientes, os gostos e as cabeças da moda da Zona Sul carioca (incorporando definitivamente o merchandising como elemento estetizante e parte de enredo), traz Gilberto Braga, autor novo que propõe a volta dos elementos folhetinescos à telenovela: filhos que buscam pais, crimes inexplicados, cartas misteriosas, vinganças terríveis etc. O tempero naturalista de “Dancing Days” é seu décor moderno apoiado no tema do conflito de gerações, onde o jovem aparentemente é o grande portador da “boa nova”, da mensagem “revolucionária” para o grande público. Depois de alguns capítulos fica claro que a máscara de rebelde dos personagens jovens reveste simplesmente uma mentalidade empreendedora de modernos empresários do capitalismo avançado, em conflito com seus pais, representantes de uma mentalidade aristocrática obsoleta que não incomoda mais ninguém. Só em contraposição a essa “velha geração” mumificada da novela os personagens jovens aparentam rebeldia; quando um filho recusa um casamento de conveniência — um golpe do baú — porque pretende “se fazer sozinho”, chocando com isso as pretensões de um pai autoritário, por exemplo.

“Dancing Days” é a saga de Júlia (Sônia Braga, moça de classe média recém-saída de 11 anos na prisão por ter atropelado e matado um guarda num assalto a uma loja de lança-perfumes (o que sugere um passado de libertinagens). A novela começa com as últimas cenas de Júlia no presídio feminino. A feiúra e pobreza da personagem no início dão maior efeito à “virada” que ela sofre no meio da história, transformando-se numa pantera sofisticadíssima, chiquérrima e superliberada dos círculos mais in do Rio de Janeiro. Mas antes disso é claro que Júlia sofre para se readaptar à sociedade e mais ainda para ser aceita pela filha Marisa (Glória Pires), criada pela irmã Iolanda (Joana Fomm) que enriqueceu casando-se com um milionário bondoso (José Lewgoy) a quem evidentemente não ama. Outra batalha de Júlia é para ser aceita pela família de seu namorado Cacá (Antônio Fagundes); jovem diplomata entediado cheio de pretensões, ele se torna cineasta e, para “se encontrar”, frequenta um psicanalista, de divã e tudo. As sessões de Cacá introduzem a psicanálise como novo elemento de ideologia modernizante, mais um ingrediente do discreto charme da burguesia para consumo das massas via video.

Como tema secundário “Dancing Days” mostra vários conflitos entre pais e filhos, incluindo lições de feminismo por parte da ex-namorada de Cacá (Sura Berdichevsky) que “ensina” sua mãe Áurea, deprimida e muito dependente, a se libertar e se realizar “como pessoa” na vida. Outro drama que comoveu o público foi o de Alberico (Mario Lage), um velho sonhador que está sempre deixando a família em dificuldades com seus projetos mirabolantes de ganhar muito dinheiro da noite para o dia. É na casa de Alberico e Esther (Lourdes Mayer) que Júlia aluga um quarto quando ainda está lutando para se afirmar. Júlia não enriquece por conta própria mas com o dinheiro de um milionário apaixonado (Ary Fontoura) que lhe paga viagem para a Europa, roupas caras, apartamento etc.

No final da novela Iolanda, separada do marido e regenerada do esnobismo que a levou a rejeitar Júlia quando saiu da prisão, faz as pazes com a irmã. Júlia também se regenera dos excessos de leviandade da sua fase de prostituta de luxo e recomeça o romance com Cacá, que “venceu os preconceitos” da família. Marisa, filha de Júlia, também aceita a nova mãe. As últimas cenas foram gravadas no salão de baile do Copacabana Palace, onde o velho Alberico teria finalmente conseguido inaugurar seu luxuoso clube noturno com a presença de todos os personagens em trajes de gala etc.

“Dancing Days” coincidiu com o lançamento da moda das discotecas no Brasil — ou melhor, foi a própria novela que lançou o furor das discotecas através da badalada “Frenetic Dancing Days”, que o personagem Hélio (Reginaldo Farias) inaugura no Leblon segundo o modelo de uma casa de danças da moda em Nova Iorque. Logo se inaugurou no Rio uma discoteca com o nome da novela, numa perfeita fusão entre ficção e realidade. Anúncios de produtos reais em neon, decoravam as paredes da “Dancing Days” da novela, fazendo do merchandising linguagem, signo de sofisticações e atualidade da novela — e elevando ainda mais o faturamento da Globo.

Pai Herói (1979)

De Janete Clair. O personagem central, André Cajarana, (Toni Ramos) vem do interior — pontilhando o início da novela de referências nostálgicas ao ambiente rural — para o Rio, indo parar no subúrbio de Nilópolis que, em 1979, começava a se tornar notícia (na vida real) por causa dos sucessos da escola de Samba Beija-Flor. O jovem André vem com a missão de resgatar a imagem do pai morto, até então considerado um bandido famoso em Nilópolis. Além de “recuperar” o pai-herói, André pretende reconquistar a mãe por quem foi abandonado — Gilda (Maria Fernanda), que também veio de baixo e fez a vida casando-se com Bruno Baldaracci (Paulo Autran, finalmente “conquistado” para a televisão, numa atuação que fez seu personagem crescer além do previsto no início da novela), bandido mafioso e milionário em Nilópolis cujo dinheiro proveio de transações ilícitas com terras na Baixada Fluminense — tendo sido o pai de André um dos prejudicados —, do tráfico de drogas e outras coisas mais.

Como Gilda não quer saber de reconhecer o filho capiau, André se hospeda na casa de Ana Preta (Glória Menezes), dona de uma casa de samba e ex-amante de Baldaracci. Ana Preta protege André e se apaixona por ele; é a imagem folclorizada da mulher “popular brasileira”: suburbana, sambista, emocional e maternal ao mesmo tempo, cheia de garra na luta pela vida, desbocada etc. Mas não é com Ana Preta que André vai formar o par romântico da novela e sim com a bailarina Carina (Elizabeth Savalla, refazendo a dupla amorosa de sucesso em “O Astro”), herdeira milionária da Zona Sul, ex-esposa de César (Carlos Zara), que ainda sonha com o dinheiro dela. Os encontros entre André e Carina são folhetinescos: ele a salva de um afogamento e tempos depois ela o salva da polícia (estava sendo perseguido por engano, claro).

Carina e André vivem o clássico amor entre moça rica e moço pobre, perseguidos pelo mau caráter César e pelo bandido Baldaracci que teme que André venha a descobrir e revelar as origens de sua fortuna. Como é de praxe, os dois vivem alguns momentos felizes e depois são separados “pelo destino”, para só se reencontrarem no final. André chega a ser acusado de ter assassinado Carina, que desaparece fugindo de tudo e só reaparece na hora do julgamento, trazendo nos braços o filho do casal — mas não inocenta André, pois também desconfia que ele tentou matá-la. A essas alturas André não é mais pobre: dos bons tempos de romance com Carina lhe ficou um alto cargo nas empresas de sua família (parece que todos os heróis arrivistas das novelas de Janete Clair têm qualidades inatas como administradores de empresa). Consegue provar inocência e depois de viver uns tempos com Ana Preta volta a reconquistar sua bailarina ofendida. César, transformado num malvado cada vez pior no decorrer da novela, acaba morrendo. Baldaracci, que apesar de bandido conquistou as simpatias do público, foge da justiça no último capítulo, vestido de Pierrô, na saída de um baile, num helicóptero particular. Ana Preta, abandonada por André, encontra outro amor (Reginaldo Farias), nos últimos minutos.

“Pai Herói”, escrito às pressas por Janete Clair para tampar o buraco de outra novela que Lauro Cesar Muniz não pôde terminar por motivos de saúde, provou que o folhetim ainda dá IBOPE depois da fase de pequenas ousadias e inovações da Globo, chegando perto dos 90% de audiência nos últimos capítulos, segundo boletins da emissora. Depois do furor das discotecas, vendido pelo padrão internacional de “Dancing Days”, “Pai Herói” recuperou uma imagem de brasilidade, relançando no Rio a moda das gafieiras, tematizando as escolas de samba de subúrbio na esteira da popularidade da Beija-Flor. Mas a autora combina os elementos populares com aditivos de “alta cultura”, através da personagem Carina, que leva ao video trechos e citações de balés e bailarinos famosos no mundo todo.

A última cena da novela é um primor kitsch. Carina — a “vencedora natural” — vai ao encontro de André — o “premiado” — na fazenda que ele pretende comprar como mostra de fidelidade às suas origens rurais. Para mostrar que total aceitação aos valores de marido, apegado à vida do campo (agora na condição de proprietário), a bailarina aprende a plantar um pé de milho, corre e dança descalça na chuva, suja a cara de lama alegremente e afinal tem sua noite de amor com André num estábulo cheio de serragem ao som do mugido das vacas. Tudo muito kitsch. Janete Clair mostrou que é possível inverter o sentido do kitsch, do urbano/moderno para o rural/natural: se o kitsch é a expropriação de signos de uma classe e seu deslocamento para outra em busca de um efeito, a cena do estábulo e do encontro de Carina — Zona-Sul com o campo é tão kitsch quanto a utilização dos signos de alta cultura — o balé neste caso, a psicanálise em “Dancing Days” etc. — nas novelas, para lhes conferir prestígio e dignidade cultural.

Os Gigantes (1979/89)

De Lauro César Muniz. Novela que começou com impacto — uma cena de eutanásia em que a heroína Paloma Gurgel (Dina Sfat) desliga os tubos que mantém vivo artificialmente seu irmão gêmeo, sofrendo há tempos de doença incurável, num pacto de amor/morte com ele – mas depois foi considerada um fracasso pelos padrões Globo de audiência encurtada no final para sair do ar antes do tempo previsto.

Dois amigos (Cuoco e Tarcísio), ricos fazendeiros do interior do Estado do Rio (a cidade fictícia de Pilar) apaixonados pela mesma mulher, Paloma, amiga de infância e herdeira da maior fazenda da região, que volta da Europa depois de muitos anos para acompanhar (e apressar) a morte do irmão. O tema já clássico do fascínio dos homens do interior pela mulher moderna, culta, internacionalizada e aparentemente liberadíssima. Aparentemente, já que a maior preocupação de Paloma é gerar um herdeiro e manter a fazenda Fênix em posse da família Gurgel. Depois da morte do irmão, a ambiciosa Paloma começa lutando contra a cunhada para afastá-la da herança que esta recebeu do marido em testamento — metade da fazenda etc. A cunhada, suspeitando da eutanásia, processa Paloma, que mente a esse respeito até o final da novela.

Um dos amigos, Fernando (Tarcísio) abandona a esposa (Joana Faria) para reconquistar Paloma; o outro (Cuoco) abandona a noiva (Vera Fischer). Paloma casa-se com Cuoco (cujo nome do personagem, não consegui recuperar), mas fica revoltadíssimo quando ele se mostra estéril. Quando ela engravida começam as suspeitas sobre o pai da criança, embora o marido, como que por milagre, também fique curado da esterilidade. Paralelamente às hesitações da neurótica Paloma, existe a luta de Renata (Lídia Brondi) jovem veterinária carioca que vem para o interior encontrar o namorado Polaco (Lauro Corona) mas acaba se apaixonando por Fernando, por sua vez na batalha pelo amor de Paloma. A decidida Renata, com apoio da própria Paloma, que simpatiza com seu espírito independente etc. etc., acaba conquistando o amante mais velho, no fim da novela. Polaco, jornalista em começo de carreira, está interessado na briga entre a Welkson, multinacional de laticínios que se instala em Pilar e a São Paulo Lucas, indústria local que vai de mal a pior. A Welkson lança mão de todos os recursos lícitos e ilícitos de que uma grande empresa dispõe, até conseguir derrubar e comprar a São Lucas — mas a pressão de anunciantes provocou a censura interna da Globo que reduziu a atuação da multinacional (que, aliás, a partir dos primeiros capítulos não pôde mais ser chamada assim) às trapaças de um de seus diretores, ambicioso e desonesto: o vilão-testa-de-ferro só parecia agir em benefício próprio e “limpou” a imagem política da empresa, que no final aparece como pródiga distribuidora de progresso, empregos e benefícios para a região.

“Os Gigantes”, última tentativa de Lauro César em fazer uma novela fora dos padrões Janete Clair para o horário das oito, foi uma novela depressiva. Termina com o suicídio da controvertida Paloma, voando sozinha nos céus de Pilar num pequeno avião particular até o combustível acabar e ela se espatifar no chão da sua fazenda Fênix. Só Paloma voou alto até a morte, a novela voou baixo até o fim. Boicotado pela direção da emissora, Lauro César não pôde levar as últimas consequências a história da multinacional contra a São Lucas, que poderia ser o ingrediente forte e inédito em “Os Gigantes”. No último capítulo, além dos romances secundários que “dão certo” (Cuoco e Vera Fischer, Tarcísio e Lídia Brondi), o toque de happy end ficou sendo a leitura do testamento de Paloma, devolvendo à cunhada o que lhe era de direito e redistribuindo de maneira mais justa a enorme riqueza acumulada pela família Gurgel. Intencional ou não, a leitura de um testamento no último capitulo parece um encerramento irônico para uma década de telenovelas onde, aberta ou veladamente, o eixo dramático foi, sem exceção, a luta pela ascensão social dos personagens principais.

O mito da Fênix (alusão à morte de Paloma no avião que fora de seu pai, nas terras da fazenda com este nome), as referências psicanalisantes à personalidade perturbada de Paloma feitas no último capítulo, as referências à Europa, ao jornalismo internacional (profissão da heroína antes de vir para Pilar), aos costumes avançados de “fora do Brasil”, a discussão filosófica da eutanásia, foram os toques cult com que o autor tentou valorizar a novela. Apesar disso, a queda na audiência de “Os Gigantes”, o final apressado a censura interna da emissora pressionando o autor, levaram ao afastamento de Lauro Cesar, que só voltou a escrever para a Globo (no horário das sete) em 1984.

A novela renasce das cinzas?

Passagem de ano de início da década de setenta: 1° de janeiro de 1971, Salvador, Bahia: festa dos Navegantes. Uma procissão tradicional de barcos na Bahia sai para o mar nesse dia, seguindo a imagem de Nossa Senhora dos Navegantes. Uma festa popular, apesar da presença já bem acentuada dos barcos de turistas no meio de barcos dos pescadores. Num dos barcos, naquele ano, iam dois turistas muito especiais: Tarcísio Meira e Daniel Filho (que me contou esta história), respectivamente ator principal e diretor de “Irmãos Coragem” — a novela das oito que estava no ar na ocasião, para o país inteiro. Aliás, a primeira novela de grande repercussão nacional da Globo, comparável aos fenômenos de audiência que a emissora iria registrar daí em diante para qualquer coisa que botasse no ar no horário nobre das 20h.

De repente, no meio da procissão, os ocupantes de outro barco reconhecem Tarcísio/João Coragem. A música-tema da novela se eleva, num alto-falante, acima da barulheira da festa. Aos poucos os barcos que seguiam a imagem da Senhora dos Navegantes vão mudando de rumo até formarem um círculo em torno do que transportava a dupla Tarcísio/Daniel. Os bahianos e os turistas começam a cantar em coro o tema da novela “irmãos, é preciso ter coragem…” — enquanto Tarcísio os saudava na proa, braços erguidos e olhos molhados diante daquela expressão espontânea de reconhecimento popular. Não é qualquer comício que é capaz de desviar o rumo de uma festa popular na Bahia. E não foi a única vez que a Globo arrombou a festa nesses anos de monopólio. Arrombou a festa, a missa, a passeata, o comício, a noite de núpcias, o divã do psicanalista, e jantar das famílias brasileiras — até mesmo das que não têm nada em cima da mesa na hora do jantar.[89]

As telenovelas do período de 1970 a 1980 (tomando sempre como base o horário das oito) começaram marcadas pelo ufanismo, referente à própria afirmação da nacionalização do gênero, à criação de uma tecnologia própria e de uma linguagem que se pode dizer mais brasileira, quando a Globo passou a ambientar suas novelas em cenários mais próximos dos que o público reconhece como pertencendo ao seu cotidiano, e quando passou de uma linguagem teatral a uma linguagem mais coloquial — mesmo que os enredos continuassem mirabolantes. João Coragem, ajudando a reconstruir a extinta Coroado no último capítulo, liderando o povo da cidade com otimismo e determinação acima das antigas divergências, em 1971, vai de encontro a todas as mensagens ufanistas/nacionalistas do governo Médici.

As novelas do início dos anos 70 são aventurescas; os heróis são viris e não apresentam dúvidas sobre o que querem na vida. Quase não existe conflito entre o velho e o novo: existe ascensão, desejo de ascensão. Luta pela ascensão. A resolução dos conflitos é o sucesso dessa trajetória, a eliminação dos maus, a incorporação dos inocentes na divisão dos benefícios obtidos pelos poderosos.

O paralelo novela-vida nacional parece estar sendo estabelecido de modo mecânico, de tão evidente que é. Do fim do “milagre brasileiro” em diante (a partir de “Fogo sobre terra”, 1974) o foco da ação deixa de estar exatamente sobre. a vida dos poderosos e a busca individual do poder e passe a se concentrar sobre a vida dos que estão do outro lado do poder — o povo de Divinéia por exemplo —, seus conflitos/confrontos com o progresso e as consequências, benéficas ou devastadoras. O conflito entre o velho e o novo, nas novelas de 1974 a 1977 (“Duas Vidas”), é claramente tragado entre as tradições rurais e/ou bairristas de um país que está se urbanizando depressa demais e os valores de conforto, desenvolvimento e evolução moral, que representam a modernização do Brasil em termos do capitalismo internacional. O “novo” sempre vence o velho, mas tenta incorporá-lo às suas conquistas: na novela, o progresso não deixa ninguém para trás. Ou melhor: só deixa pra trás quem não sabe se integrar, se adaptar às novas e vantajosas condições que ele oferece — os perdedores patéticos de todas as novelas deste período.

A época não é mais propícia a ufanismos e ingenuidades. As duas novelas de Paulo César Muniz neste período (“Escalada” e “O Casarão”) são novelas de cores mais sóbrias, de teor analítico, que se debruçam sobre a história do país sem assumir uma clara identificação com os valores dominantes. O realismo é um recurso que permite apresentar os fatos num tom de constatação distanciada: “as coisas são assim”. Até mesmo as novelas de Janete Clair nessa fase se modernizam (“Fogo sobre Terra”. “Pecado Capital” e “Duas Vidas”), incorporando recursos realistas e também humorísticos, criando anti-heróis, como Carlão, e deixando o eixo da narrativa para personagens femininas, como Lucinha e Leda Maria. A perspectiva aqui não é puramente de ascensão: é de modernização dos comportamentos, libertação individual, alargamento dos horizontes, as outras vantagens que o progresso pode nos trazer. Na trilogia modernizante de Lauro César Muniz, o “Espelho Magico” representa o apogeu — não existe melhor representação do que foi a modernização do país, do que a mídia-TV engolindo todas as outras formas de expressão cultural — e ao mesmo tempo, por sua própria ousadia, o fim da linha.

Com a abertura política iniciada no governo Figueiredo, a Globo voltou a adotar uma estratégia popularesca e mais tradicional de programação — veja-se a virada das novelas, começando com “O Astro”, em 1978 —, conciliando interesses econômicos (reconquista de um público de classes C e D num momento em que o poder aquisitivo das classes médias se esgotava) e políticos, conservando-se como guardiã ideológica das massas perigosamente “liberadas” pelo abrandamento dos mecanismos repressivos do governo e pela emergência dos primeiros movimentos de massa — greves e manifestações — depois de 10 anos de silêncio. Radicalizando a estratificação da programação por horários, a Globo deixou para o horário das 22h (destinado as classes que não trabalham às seis da manhã) sua programação mais inovadora, conquistando com os seriados nacionais um público de elite universitária. Em compensação, nos outros horários, voltou ao nível folhetinesco e à programação menos ousada com argumentos sobre o fracasso de público de “Espelho Mágico” (comprovado mais tarde em “Os Gigantes”) e dois anos depois, sobre necessidade de concorrer com a recém-inaugurada TVS, do Grupo Silvio Santos, que entrou firme no mercado disputando com a Globo as camadas populares de seu público.

As novelas dos anos 80 seguem a linha de “O Astro”, “Pai Herói” e Dancing Days”, fazendo da suntuosidade em que vivem seus personagens seu maior chamariz e esvasiadas progressivamente do aspecto de “grandes sagas da vida nacional” que as caracterizou em meados dos anos 70.

O Bumba-meu-Boi de Roque Santeiro (10 anos depois)

No momento em que estava terminando este trabalho, 10 anos depois de ter sido vetada pela Censura Federal, a novela Roque Santeiro de Dias Gomes voltava ao horário das oito — devidamente regravada e modernizada em relação à primeira-versão, de 1975. Roque (José Wilker) é um escultor de estátuas de santos na cidadezinha nordestina (fictícia) de Asa Branca que, 17 anos antes do tempo da novela — ou seja, em 1968 — teria dado um golpe na cidade toda: saqueou a igreja e fugiu do país, aproveitando a confusão estabelecida durante um tiroteio que permitiu que o povo o julgasse assassinado por outro bandido, Chico Navalhada. Durante os 17 anos em que esteve fugido, Roque Santeiro foi considerado mártir e santo em Asa Branca, como se tivesse sido morto ao defender a igreja do saque de Navalhada. Voltando a Asa Branca, aculturado (como sempre, viveu este tempo na Europa, fetiche cultural do brasileiro desde os tempos coloniais) e milionário às custas do ouro roubado da igreja, Roque descobre que sua imagem se transformou no móvel comercial e espiritual da vida da cidade. O impasse está criado: se o mártir não morreu, se o santo foi na verdade um ladrão, Asa Branca está prestes a perder sua identidade e sua principal fonte de renda — o turismo promovido em torno dos “milagres” de Roque Santeiro, a venda de estátuas, medalhas e ex-votos do “santo”.

Roque tem que viver na clandestinidade se não quiser provocar uma pane geral em Asa Branca. Ao contrário de todas as novelas anteriores, o conflito principal de “Roque Santeiro” não se dá em torno da ascensão e do deslocamento de um personagem em direção à modernização, mas em termos da revelação de uma verdade e da volta às origens do personagem principal. Uma volta às origens muito relativa, uma vez que o personagem Roque se veste, pensa, vive e fala como um verdadeiro extraterrestre dentro de Asa Branca, mas ainda assim, em muitas conversas, Roque explica aos que lhe pedem para deixar a cidade que está em busca de suas “raízes”. Esse assunto e o da revelação da “verdade” vão se descaracterizando e se esvaziando da metade para o fim da novela. Os inimigos de Roque são principalmente os que se beneficiam do progresso de Asa Branca: o prefeito Florindo Abelha (Ari Fontoura), o fazendeiro Chico Malta (Lima Duarte), que em 1985 já pode ser chamado de “coronel” na TV, o comerciante Zé das Medalhas (Armando Bogus). Seus protetores: os padres, a dona do hotel e do bordel Matilde (Ioná Magalhães) e a amante “manteúda” de Sinhozinho Malta, viúva Porcina (Regina Duarte), falsa viúva do falso santo que não foi santo nem morreu.

Metáfora do falso milagre brasileiro e da tentativa de “volta às origens” (democráticas) do país nos anos 80, “Roque Santeiro” atingiu índices inusitados de audiência já por volta dos primeiros 60 capítulos, e a imprensa falava da novela como a imagem de um país que “o povo se reconhece”. É provável que hoje, 1986, qualquer brasileiro se “reconheça” não em uma ou outra novela em particular, mas no próprio gênero, sobretudo da maneira como foi estabilizado pelo padrão Globo desde o começo dos anos 70, quando as imagens de Tarcísio e Glória em “Irmãos Coragem” começaram a integrar simbolicamente a libido brasileira.

Hoje a síntese do país não é tentada como no século XIX, pela literatura; nem como nos anos 60, pelo cinema nacional. A síntese está onde o público está — e o público está voltado para a televisão. E certo que ao salto quantitativo que plugou milhões de brasileiros (até então à margem) na telinha que se tornou o centro da emissão da fala “nacional”, correspondeu um salto qualitativo para trás. A síntese está onde o povo/público está, leia-se na televisão, isto é, na telenovela, isto é: em “Roque Santeiro”.

A Globo entendeu tudo: telenovela é o antidepressivo ideal para o povo sorumbático e desesperançado. Sai o dramalhão mexicano, entra o painel bem humorado, a crônica dos costumes da classe média brasileira, devidamente abrilhantada para não deprimir ainda mais o usuário. Televisão hoje é religião, re-ligação; só tem sentido ligar a TV se for para plugar no centro imaginário onde as coisas acontecem (“o que pinta de novo…” etc.), daí o efeito bola-de-neve do sucesso de audiência da Globo. Televisão/religião/re-ligação: só tem sentido ligar o aparelho se for para sair do cotidiano obscuro e entrar em comunhão com a efervescência geral, sair da solidão e da incompreensão generalizadas para algum lugar central onde o que acontece é perfeitamente compreensível para todos: esta é a participação passiva/possível, via Embratel.

Volta às origens

Um dos segredos da telenovela é sua completa intelegibilidade. A novela fala a linguagem da transparência: para todo mundo se sentir “por dentro”. O clichê é o bumba-meu-boi da TV — ritual permanente de volta as origens, rememoração, reiteração. A campainha da casa toca insistentemente (nas novelas, a campainha nunca toca uma vez só) e alguém aparece lá de dentro gritando: — Já vai!… Eles gritam “já vai” até para o telefone. Alguém recebe uma carta e leva um choque — bem evidentes para ninguém duvidar; então a pessoa mais prestativa entre os presentes corre a buscar um copo d’água. As coisas funcionam assim. Numa briga de casal, a mulher (ou o cara) vai embora num rompante. O outro corre atrás e grita o nome do fugido três vezes (três!). Faz menção de alcançá-lo, hesita, volta desanimado. O mundo é redondo e redunda assim. Tanto faz o “conteúdo” da novela.

E assim que o espectador se tranquiliza. Já entende o mundo outra vez, já está de novo à par de como as coisas são: deixou de se sentir um idiota a margem dos acontecimentos.

Em “Roque Santeiro”, outro apelo evidente se dirige à nostalgia rural do brasileiro. Com uma vantagem: não é o rural melancólico, abandonado, de tantos imigrantes que vieram engrossar o IBOPE das telenovelas. E o rural idealizado da televisão. Interior sem banzo, sem seca/enchente, sem Jeca-Tatu, sem boia-fria. Interior pós-Globo: até as putas se vestem nas butiques do Leblon.

O espectador volta às origens com “Roque…” e dança o bumba-meu-boi da novela porque tem horror ao moderno, ao urbano, à multidão impessoal. E com alguma razão — foi nesse mundo que ele se desentendeu. Na impessoalidade da vida moderna (que já tem bem 200 anos, mas no Brasil continua deslocada e estranha aos brasileiros). Nas determinações abstratas, invisíveis, ocultas das relações capitalistas, onde a maioria sempre levou a pior.

Na novela, não. Que alívio: na novela tudo é “pessoal”. Em poucos capítulos já se conhece “todo mundo”, e é só com essas 20 ou 50 pessoas que temos que nos entender. Nenhum elemento estranho à nossa compreensão vem perturbar o jogo dessas relações — e o fato de “Roque Santeiro” se passar numa cidade pequena e não em São Paulo ou Rio só vem explicitar o elemento confortante que faz parte da estrutura de toda a novela. Os conflitos são todos visíveis e se dão em instâncias concretas, entre pessoas concretas cujas motivações são perfeitamente decifráveis. A solução também pertence, desse modo, ao mundinho transparente das relações entre os personagens. “Dar certo ou errado” na vida, ser justamente punido ou absolvido pela justiça, tudo depende dos humores daquelas pessoas cujo rosto e intenções se conhece tão bem…

Não é à toa que nas eleições em São Paulo em 85, a fala politizada e analítica de um candidato como Fernando Henrique Cardoso foi derrotada pelo pensamento fetichista e acusatório de Jânio Quadros, que durante a campanha só fez apontar bodes expiatórios e seduzir o eleitor com a fantasia regressiva de um mundinho simples que um homem de pulso firme consegue endireitar… Um mundo simples onde as pessoas decidem seus destinos, refletido aqui numa fantasia infantil sobre as relações sociais — o que o eleitor esperava de Jânio é o que o espectador espera da telenovela.

Mulheres e padres

Por falar em regressão, e a nossa outra nostalgia — a matriarcal? Os tipos femininos mais marcantes em “Roque” são tão clássicos que neles a gente se reconhece desde os tempos da bisavó: as santas e as putas. As santas são chatinhas, mas emocionalmente necessárias. Dão estabilidade e solidez ao mundo. Suas cadeiras, manias, truques. As putas são lindas, meigas, femininas, compreensivas, corajosas — e só sonham com o amor. E mais, para redimir as culpas dos meninos do Brasil: são felizes. Desilusões amorosas, sim; mas não há putas amargas em “Roque Santeiro”. As meninas da boate “Sexus” têm o coração sensível de debutantes de 18 anos. Nada foi estragado nelas pelo tempo, pela vida: a prostituição no Brasil é uma instituição como outra qualquer.

Estamos num mundo onde os personagens criados para nossa identificação (os gangsters não estão na novela para isso) são prostitutas e padres. Nesta novela só as putas e os padres nos fazem felizes; estamos “em casa” no meio deles, como o pálido herói que se abriga ora na igreja, ora na casa de viúva. Do outro lado estão os homens “de ação”, e estes nós já conhecemos; são os nossos inimigos. Ambiciosos, inescrupulosos, violentos os homens que destruíram o Brasil ingênuo e doce, arcaico e familiar de nosso imaginário. Os homens que fizeram da “nossa Asa Branca” o bangue-bangue permanente do capitalismo selvagem. Entre as putas e os padres, com Roque, e onde o espectador quer viver. Fora do mundo da produção. Abrigado pela astúcia feminina e pela estabilidade da igreja contra a economia perversa que o deixa perplexo, impotente, assustado.

Mas “Roque Santeiro”, que excitou tanto a imaginação do público até quase o final nas mãos do roteirista Aguinaldo Silva (substituto de Dias Gomes depois dos primeiros capítulos no ar), teve um final melancólico, decepcionante. Para que a Globo não tivesse que arcar com os riscos de começar uma nova novela antes do carnaval, “Roque” voltou às mãos do viúvo de Janete Clair, que se encarregou de esticá-la por um mês além do previsto.

Além de ter a trama subitamente “esfriada” para evitar o esfriamento dos lucros da emissora, a novela sofreu corn a mudança de roteirista. Dias Gomes escolheu um final realista, burocrático, na linha do espelhamento da realidade brasileira, com alguns toques secundários de non-sense (o lobisomem, por exemplo) só para enfeitar. O povo de Asa Branca fica à margem da ação, e a identidade de Roque não se revela, afinal. Os crimes cometidos por Sinhozinho Malta para acobertar os fatos também ficam na mesma, “tal como na vida”. No último capítulo, Roque foge de Asa Branca no avião de Chico Malta por quem Porcina se decide nos últimos minutos, numa citação pífia e formal do filme Casablanca: muitas capas de chuva e óculos escuros numa manhã sem chuva nordestina. A novela, que pretendia sintetizar o Brasil termina numa citação melancólica do cinema americano do pós-guerra e talvez Dias Gomes não tenha percebido que, na intenção de “denunciar” o imobilismo da “Nova República”, o que mais se revelou nos últimos capítulos de “Roque Santeiro” foi o imobilismo, a falta de ousadia e de caminhos criativos a que chegou, depois de 15 anos de hegemonia, a rede Globo de Televisão.

Por sinal, a novela que sucedeu “Roque Santeiro” em fevereiro de 1986 foi um remaque de “Selva de Pedra”, sucesso de Janete Clair em 1972.

MARIA RITA KEHL

Esta pesquisa era uma tese de mestrado. Quando a bolsa da FAPESP acabou faltava só a redação final e eu pedi mais seis meses; recusaram. Na época, o Luan tinha um ano e meio e eu estava começando a descansar do pai dele e do grupo de amigos com quem morava. Pintou trabalho na Radio Mulher (SP) e eu fui, no começo por necessidade. Era uma espécie de consultório psicofeminista pelo radio (!), que me motivou a exercer a única profissão pra qual tenho diploma universitário. De “psicóloga clínica” fui virando psicanalista, aprendizado tão envolvente que o jornalismo foi ficando em segundo ou terceiro plano.

A pesquisa afinal foi salva pelo Adauto Novaes, que me propôs uma bolsa de um ano pra integrar um grupo do Núcleo de Estudos e Pesquisas da Funarte. Tema: A Indústria Cultural no Brasil. Topei — o consultório ainda era uma aventura incerta. Da conclusão da pesquisa (82) à sua publicação foram mais quatro anos. Nem tudo nela é atual, portanto.

Isto não é biografia, são trechos da minha vida profissional nos anos de 81 a 86. Uma amostra dos caminhos confusos percorridos por quem trabalha na produção intelectual no Brasil, sem vínculos com a Universidade e/ou emprego na grande imprensa (o que nunca tive porque não sou jornalista-com-carteirinha, mas talvez não tivesse dado certo…). É verdade que desisti bem fácil da carreira universitária. Graças à minha orientadora, Ecléa Bosi. Quando me candidatei ao mestrado ela me confessou: “antes de entrar aqui eu fazia poesia; depois, nunca mais”… Entendi e agradeço. Salvei uma poeta bissexta (alô, editor, estou com um livro pronto, interessa?).

Dedico a Ecléa a tese que não foi.

Notas

  1. Dados da revista Rede Globo — 15 anos, editada e distribuída pelo Departamento de Comunicação da Rede Globo, janeiro de 1980. Em 1983, segundo dados da Lintas Publicidade, seriam 22 milhões de aparelhos de televisão no país. A Globo atingia, nessa época, 75% destes aparelhos, o que não significa que sua audiência constante seja de 75% dos espectadores.
  2. V. Schwarz, Roberto, “Cultura e Política 1964-69”, in O pai de família e outros ensaios, Paz e Terra, Rio, 1978.
  3. Dados fornecidos pelo publicitário Celso Japiassu em palestra à equipe de pesquisa do NEP/Funarte em outubro de 1981.
  4. Dados da revista Rede Globo — 15 anos, citada.
  5. Revista Briefing, nº 25, setembro 1980, pg. 42.
  6. Dados da tese de mestrado de Luiz Eduardo Potsch de Carvalho e Silva: Estratégia empresarial e estrutura organizacional das emissoras de TV brasileiras (1950-82), pela Fundação Getúlio Vargas, SP, 1983.
  7. Revista Senhor, nº 25, julho de 1980. Reportagem de capa sobre os 15 anos da Globo.
  8. Em entrevista a mim e a Inimá Simões, setembro 1981.
  9. As informações que se seguem sobre o caso Time-Life foram extraídas da publicação Extra — Realidade Brasileira, nº 1, “0 Ópio do Povo”, Editora Símbolo, SP, 1976. pg. 47, “O escândalo Time-Life e infiltração estrangeira na Globo”.
  10. Caparelli, Sérgio, Televisão e capitalismo no Brasil — Porto Alegre, Editora L&PM, 1982.
  11. Oto Lara Resende é assessor diretor da presidência da Globo, juntamente com o coronel Paiva Chaves. Depoimento concedido à equipe de pesquisas do NEP/Funarte, em 1981.
  12. Citado na tese de mestrado de Luiz Eduardo Potsch de Carvalho e Silva, cit.
  13. Idem.
  14. Idem.
  15. Revista Senhor, nº 28, cit.
  16. Idem.
  17. Revista Briefing, cit.
  18. Entrevista concedida a Isaura Botelho e Santuza Ribeiro Naves, em 1979.
  19. Publicação da Central Globo de Comercialização, SP, n° 37/38.
  20. Idem.
  21. Anteprojeto do Código Nacional de Telecomunicações.
  22. A concorrência por mais redes de televisão brasileiras, em que o Jornal do Brasil e a Editora Abril pareciam ter grandes chances, foi vencida em fins de 1980 pela Editora Bloch e Grupo Silvio Santos, ambos de São Paulo.
  23. Depoimento concedido a Inimá Simões em abril de 1982.
  24. A primeira emissora a transmitir a cores foi a TV Tupi de São Paulo.
  25. Material de arquivo cedido para consulta pela Assessoria de Imprensa da Globo/SP. Responsáveis: Eduardo Della Coletta e Eunice Di Giaimo.
  26. Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão.
  27. Fonte: Funarte.
  28. Idem.
  29. Idem.
  30. Revista Mercado Global nos 37/38, de setembro, outubro, novembro e dezembro de 77.
  31. Entrevista concedida a Isaura Botelho e Santuza Ribeiro Naves, em 1979.
  32. Fonte: Funarte.
  33. Dados da pesquisa “Concentração Econômica e Mídia” realizada por Maria de Fatima Pacheco Jordão e colaboradores em 1978. Fonte: Sercin.
  34. Idem.
  35. Idem.
  36. Revista Briefing, citada.
  37. Em Marabá, no Estado do Pará, por exemplo, a primeira televisão da cidade foi instalada em praga pública em 1977.
  38. Palestra de Yves Alves e Sinval Leão, do Departamento de Comercialização da Globo, a publicitários em 13.12.1974. Fonte: Funarte.
  39. Potsch, Luiz Eduardo, tese citada, pg. 313.
  40. Em 1980, o Módulo 1 (três novelas e um seriado) custava Cr$ 2.003.055 por 30 segundos; o Módulo 2 (sete shows) custava Cr$ 4.143.435 por 30 segundos (o mais caro da linha); o Módulo 52, por ex. (quatro telejornais), custava Cr$ 1.265.570 por 30 segundos. O horário mais caro da Globo é o do “Fantástico”, em que 20″ de propaganda custava em 1980 Cr$ 18.375 em São Paulo. O faturamento líquido da Globo só no Estado de São Paulo era de Cr$ 650 milhões por mês. Dados da revista Senhor, citada.
  41. Entrevista concedida a Santuza R. Naves e Isaura Botelho em 1979, Funarte.
  42. Palestra já citada, de 13.12.1974.
  43. A manipulação tem limites. Nas eleições para governador em 1982 a Globo, que então apoiava o candidato do PMDB no Rio contra Leonel Brizola, interferiu nos resultados das pesquisas de preferência do eleitorado (aferidos pela empresa Pro consult), claramente brizolistas, em favor do PMDB. A fraude vazou e a preferência dos eleitores pelo candidato do PDT não chegou a se abalar.
  44. Sic a Mercado Global, nº 35.
  45. Citado em artigo de minha autoria para o “Folhetim”, Folha de S. Paulo, dez. 78.
  46. Texto da Mercado Global, nº 39, de jan. fev. 78.
  47. Em entrevista concedida a mim em setembro 82.
  48. Fonte: Fundação Roberto Marinho.
  49. “Dois Projetos Pioneiros de Educação à Distância”. Fonte: FRM.
  50. Em entrevista a mim em agosto de 82.
  51. Entrevista a equipe de pesquisas do NEP/Funarte em outubro 81.
  52. Entrevista concedida a mim em agosto de 82.
  53. Entrevista concedida a mim em setembro de 79.
  54. Entrevista à equipe de pesquisas do NEP/Funarte, março 82.
  55. Entrevista a Santuza N. Ribeiro e Isaura Botelho.
  56. Segundo informações do Boletim de Divulgação da TV Globo de 24.4.1976.
  57. Material de arquivo da Funarte, sem indicação do nome da revista.
  58. Fonte. Funarte.
  59. Alusão à declaração do Presidente Médici em março de 1973: “Sinto-me feliz todas as noites, quando ligo a televisão para assistir ao jornal. Enquanto as notícias dão conta de greves, agitações, atentados e conflitos em várias partes do mundo, o Brasil marcha em paz, rumo ao desenvolvimento. E como se eu tomasse um tranquilizante, após um dia de trabalho”, citado por Elizabeth Carvalho em Anos 70— Televisão, Ed. Europa, Rio, 1979.
  60. Entrevista à equipe de pesquisas do NEP/Funarte em março de 82.
  61. Em entrevista citada.
  62. Boletim de Divulgação da Globo, 14 a 20.9.1974
  63. Cedidos para consulta pela Assessoria de Imprensa da TV Globo/SP.
  64. Fonte: Funarte.
  65. Em Anos 70… citado.
  66. Jornal “Bom Dia São Paulo” às 7 da manhã; “Jornal Hoje” às 13 h; “Jornal depois das sete” às 19h depois transformado num jornal de notícias regionais produzido em cada Estado; “Jornal Nacional” às 19:50 h e “Jornal da Globo” às 22:50 h.
  67. Anos 70 — Televisão, Elizabeth Carvalho e outros, Gráfica Europa, Rio, 1979.
  68. Citação na Revista Extra — Realidade Brasileira, citada, no capitulo sobre telejornalismo: “Noticias Coloridas”.
  69. Seriam Cr$ 130.410 por 30 segundos de publicidade em cadeia nacional. No início de 86, os preços por 30 segundos de publicidade no Jornal Nacional eram: Brasil: Cr$ 176.438.790; Estado do Rio: Cr$ 31.702.790; Estado de São Paulo: Cr$ 63.850.940 (Denison Propaganda).
  70. Entrevista a Santuza Ribeiro e Isaura Botelho em 1979.
  71. Entrevista concedida a mim em pesquisa para a Funarte em agosto de 79.
  72. Entrevista concedida a mim em pesquisa para a Funarte em julho de 79.
  73. A referência à estratificação coincide com a que faz Homero Sanchez à citada anteriormente, quando fala em estratégias para se “pegar” o público disponível a cada horário. Assim, teríamos programação infantil à tarde, novelinhas ingênuas às seis horas, uma comédia mais picante mas ainda leve às sete, uma temática ampla tentando a “preferência nacional” às oito, shows musicais ou humorísticos para depois do jantar e uma programação mais “sofisticada” depois das 22 horas, quando operários e crianças já foram dormir.
  74. Citada. (O Ópio do Povo)
  75. Fonte: Funarte, citada.
  76. O apelido proibido do personagem era Coronel.
  77. Tese de mestrado de Luiz Eduardo Potsch de Carvalho e Silva, citada.
  78. “O futuro de um Império”, Revista Veja de 06.10.76.
  79. Fonte: Idart, São Paulo.
  80. Na época em que esse ensaio foi escrito, a novela das oito era “Coração Alado”, de Janete Clair.
  81. Revista Mercado Global, nº 34, 1977.
  82. Revista Mercado Global, jan/fev. de 1978
  83. Idem.
  84. Fonte: Arquivo Folha de S. Paulo
  85. Fonte: Arquivo Funarte.
  86. Entrevista citada.
  87. As informações que se seguem sobre as telenovelas dos anos 70 no horário das 20h foram obtidas, além da observação direta das que estavam no ar durante o período da pesquisa e alguns compactos exibidos pela Globo em 1980 (p. ex., “Duas Vidas”) nas seguintes fontes: Boletins de Programação da Rede Globo de Televisão, de 1974 a 1980 (cit.); Arquivos do Idart, SP, em pastas sobre o acompanhamento da imprensa ao tema (revistas Amiga, Manchete, Contigo, Fatos e Fotos, jornais diversos, etc.); Fascículos “Momentos Mágicos” sobre a telenovela brasileira, Rio Gráfica Editora, 1980, São Paulo.
  88. Passagem já citada em texto meu, na publicação Anos 70 — Televisão, citada.

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