1992

Moralidade pública e moralidade privada

por José Arthur Gianotti

Resumo

As regras da intimidade se constituem conforme os sujeitos se reconhecem como autônomos capazes de instituir regas na medida do seu reconhecimento. Porém, mesmo entre duas pessoas, a convivência cria expectativas, as normas criadas em função do mútuo respeito pedem observância de sorte que os sujeitos se confirmam uns para os outros como agentes.

Existem várias morais, vários sistemas éticos; as éticas profissionais, grupais, etc. É interessante estudar como a ética da intimidade pode se relacionar com outras éticas e, às vezes, entrar em conflito com normas diferentes.

Numa época em que se confrontam várias formas de moralidade, a virtude, dispositivo que o ser humano adquire conforme tem experiências de lidar com os juízos morais, não pode ficar presa a um conteúdo qualquer, sendo ela uma forma de julgar, isto é, de aceitar a finitude e a unilateralidade de todos os juízos morais.

A moralidade pública para revelar sua universalidade precisa ser confrontada por outros e tem, como necessidade, de que todos sejam incluídos no seu âmbito. Todos devem obedecer a imperativos que estabelecem regras de convivência e direitos e assegurem que os homens possam ser e agir conforme a moral.

Os direitos do homem estipulam condições mínimas do exercício da moralidade. Entretanto, cada um não deixará de exercer sua moral: deve-se aprender a conviver com outras e reconhecer a unilateralidade de seu ponto de vista.


Por que a ética voltou a ser um dos temas mais trabalhados do pensamento filosófico contemporâneo? Nos anos 60 a política ocupava esse lugar e muitos cometeram o exagero de afirmar que tudo era político. Que mudanças se deram em nosso quadro intelectual para que outros agora possam dizer que tudo é moral? Parece-me haver um motivo básico para isso. Antes de tudo, não mais se acredita numa escatologia, numa doutrina da consumação dos tempos e da história. Minha geração, toda ela, esteve voltada para a ideia de desenvolvimento; projeto foi a palavra mágica do existencialismo que consumimos e a constituição de um novo homem marcou nossas opções políticas. Como é possível hoje se falar num salto para o futuro, depois da desintegração dos países do Leste europeu, quando não parece haver para o modo de produção da riqueza outra forma que não o capitalismo e quando o futuro se torna incerto e miserável, quando o presente deixa de ser o sintoma desse mesmo futuro? Cabe agora antes de tudo saber como nos relacionamos uns com os outros dentro desse estreito presente que nos restou. Isso não significa, todavia, que perdemos a fome de transcendência, de um além de nós mesmos. Aqui, gostaria de elaborar rapidamente como essa transcendência pode ser o elemento em que a ética se situa.

Não há grande filosofia que não acabe ocupando-se de questões morais. Em nossos dias, entretanto, está se consumando o desgaste de uma perspectiva teórica que, desde os gregos, marcou o Ocidente. Os grandes monumentos, as éticas platônicas e aristotélicas, ensinaram-nos que a transgressão sempre se devia à falta de conhecimento. Até a sociologia nasce procurando considerar o dever como um fato social, algo que pudesse ser analisado e conhecido cientificamente como qualquer outro acontecimento da natureza. Desse modo, a infração resultaria da falta de saber e o conhecimento da infração implicaria seu impedimento. Mas sempre ficou na sombra, para essa ciência, o estatuto teórico dos enunciados que falam sobre os valores. É muito compreensível que um enunciado apresente um fato, diga um estado de coisa, que por ele saibamos como se dão os corpos, como se comporta esta mesa, como se dá este auditório para o qual estou falando, e assim por diante. Que os valores se apresentem, contudo, por meio de enunciados como se fossem a referência de proposições declarativas me parece uma coisa muito surpreendente. A filosofia dos valores, de tradição kantiana, salientou as diferenças entre um estado de coisa visado pela proposição e o valor enquanto objeto da fala, nunca, contudo, chegou a examinar a especificidade dessa linguagem. Esta é uma das tarefas do presente.

Por certo muitos filósofos insistiram na radical diferença entre o ser e o dever ser, embora muitos outros tenham igualmente sublinhado a imbricação entre ambos. Minha primeira dúvida, entretanto, diz respeito à maneira pela qual um enunciado moral que diz como algo deve ser reporta-se a este algo.

Não é aqui o lugar de aprofundar essa questão em todos os seus meandros técnicos, entretanto, correndo o risco de ser enfadonho, é preciso alguma análise, se se pretende evitar terrenos movediços. Tomemos como exemplo a sentença “Não matarás”. É um comando dito na segunda pessoa. No entanto, não se dirige de imediato ao ouvinte presente, mas a todas as pessoas — sendo que eu mesmo estou incluído nesse círculo de indivíduos que devem obedecer a essa regra. Diz respeito a uma universalidade que nada tem a ver com aquela que pode afetar os conceitos de mesa, de luz ou de função matemática. Isso porque essa universalidade é independente de qualquer fato, a regra valendo sob qualquer circunstância. Não se conclua, porém, que não se esteja considerando que o agente há de estar preparado para agir de tal modo que a norma seja cumprida. Se ele é responsável pelo cumprimento da regra é porque, de um lado, não está agindo automaticamente, de outro, preparou-se para tanto, aprendeu a comportar-se de modo a obedecer ao imperativo.

Esta é uma característica muito interessante da regra moral. Vamos supor que se esteja armando um time de futebol entre garotos que não conheçam as habilidades respectivas. Para que cada um seja aceito, é necessário que se suponha cada indivíduo sendo capaz de ter um desempenho razoável. Suponhamos ainda que, durante o jogo, alguém diga a seu companheiro: “Você está jogando mal, cara” e obtenha a seguinte resposta: “Estou jogando assim porque quero”. É evidente que este último garoto não está jogando com a intenção normal de quem joga futebol, mais ainda, que está frustrando uma expectativa comum a todos os parceiros. Isso quer dizer que, mesmo no imperativo hipotético, pede-se a cada agente a intenção e o preparo para que a regra seja seguida convenientemente. Se um menino se apresentar todo formoso, com a melhor chuteira, todo uniformizado e não for capaz de ter controle mínimo da bola, será considerado um farsante, um simulador de uma competência que não possui.

Qual seria a competência requerida pelo imperativo categórico? Assim é chamado aquele imperativo incondicionado, que vale para todos e independe de circunstâncias particulares. É na transgressão que essa competência se revela. Quando alguém mata responsavelmente, não é como se deixasse de seguir um sistema de normas qualquer; é como se se afastasse de qualquer sistema social, como se perdesse a competência para o exercício da sociabilidade. É como se por seu ato se situasse fora do mundo. Por certo isso não resulta para ele numa condenação perpétua, mas tudo se passa como se o infrator devesse submeter-se a rituais de purificação. Não estou pensando na pena que deverá cumprir, pois isso marca sua relação com o Estado, refiro-me à necessidade de ele demonstrar certo arrependimento, de enfrentar certas situações de modo a comprovar que pode controlar sua violência, respeitando os outros na sua integridade.

Além do mais, um ser humano está sempre participando de vários sistemas de normas, aceitando uns e rejeitando outros, de sorte que sua individualidade não se resume naquela encruzilhada de determinações de um certo jogo de linguagem, que faz do indivíduo o suporte de uma função social. Sua individualidade é diferente daquela do bispo ou da torre no jogo de xadrez, ou ainda daquela que lhe marca papéis e ações num sistema social.

Tudo isso nos leva a distinguir o sujeito do agente. Todas as regras, sistematicamente unidas, implicam agentes capazes de operá-las, que as aprendem e algumas vezes podem ensiná-las. Do mesmo modo, implicam dispositivos, coisas engrenadas entre si e condutoras da ação. No entanto, os indivíduos podem entrar ou sair desses sistemas, despojar-se de alguns desses dispositivos. Não há dúvida de que isso não se faz sem resíduos, de que ao sair de um sistema o indivíduo está sendo agarrado por outro, mas esse movimento o revela como uma espécie de aresta, de ponto de fuga, que, embora desprovido de qualquer conteúdo, se mostra como pressuposto necessário para o desempenho de um jogo. A esse ponto de vista chamarei de sujeito, e se tem alguma relação com a vontade é porque esta não está sendo tomada como fenômeno. O sujeito só se mostra na transgressão ou quando abandona de vez um determinado sistema de regras; não se mostra, porém, como algo, mas pela recusa desse conteúdo, por certa negatividade que nada tem a ver com uma operação determinada ou exercício de uma faculdade da alma, ou ainda com o desejo do infinito, com um modo de estar no mundo, pois não é ente nem ser, mas tão só condição transcendental de um jogo de linguagem ou de um esquema operatório. É limite de um mundo sistematizado pela linguagem e que se mostra exclusivamente pelo funcionamento dela.

Os imperativos morais nos colocam nesse limite, de sorte que a ética — como quer Levinas e, nisso apenas, concordo com ele — é uma ótica. Daí a ética não tratar especificamente de certos valores, do bem e do mal, mas tão só da maneira pela qual os indivíduos seguem outros sistemas normativos sem se comprometerem inteiramente com o tipo de individualidade de agente requerida por cada sistema. Desse ponto de vista, uma ação não é boa ou má, mas adquire esse predicado enquanto assegurar que o agente está se comportando como podendo agir de outro modo e levando em consideração que outra pessoa também esteja mantendo sua condição de sujeito.

Ao ser tenista, estudante ou professor, burguês ou proletário, ladrão ou doleiro, estou agindo em relação a outrem conforme papéis previamente delineados. No entanto, nesses relacionamentos ainda é possível ver o outro como alguém que pode recusar essas determinações, que, portanto, não se põe como essência, mas fissura do mundo, angústia no sentido que lhe dá Kierkegaard. E, quando duas pessoas estão se relacionando sempre tendo no horizonte esse modo de ser, quando estão recusando suas respectivas unilateralidades para saberem que só podem agir efetivamente de modo unilateral, então passam a manter entre si uma relação de intimidade.

Note-se que não estou usando a palavra angústia para descrever uma situação existencial; se cada um chega a uma situação-limite é porque exerce seus papéis de certa maneira, cumpre seus compromissos sem se identificar com eles. Isso porque cada um se reconhece como sendo capaz de participar ou não de certos sistemas de normas. E nesse reconhecimento cada um se põe como inteiro, como alguém que vale por si mesmo independentemente de sua face de agente. Daí a relação de intimidade se pautar pelo mútuo respeito, pela suspensão de toda norma social em que ambos percam suas identidades determinantes, capazes de instalar por si mesmos suas normas de integridade. Isso requer preparo e autoaperfeiçoamento, a capacidade de agir socialmente com luvas de pelica, como se uma membrana tênue se interpusesse entre o eu e o mundo. Essa moralidade nasce precisamente da suspensão dos juízos morais já feitos a fim de que cada um possa se colocar como instância instauradora de juízos que dizem o bem e o mal para mim e para outrem.

Convém examinar um exemplo, e o tomo estrategicamente da tradição clássica. Quando Brutus matou César, agiu ele moralmente? Já os antigos sustentaram opiniões diversas a esse propósito. Uns consideraram que Brutus agiu bem, pois atuou em função dos valores supremos de liberdade vigentes na República romana; outros, pelo contrário, que agiu mal, na medida em que foi ingrato com seu pai adotivo. O que podemos dizer a esse respeito? Muito, se levarmos em conta a moralidade pública de Roma; nada, se lembrarmos que a relação de intimidade entre ambos constitui uma esfera da qual não temos notícia. Pois Brutus teria agido bem se o próprio César lhe tivesse ensinado que mais vale a moralidade pública do que a cumplicidade entre os dois, e teria agido mal se ambos prezassem sobretudo a confiança mútua. A nós cabe apenas suspender o juízo, não só porque a matéria é controversa, mas ainda porque o respeito que possamos ter pelas duas personagens nos obriga a calar.

Acontece, porém, que mesmo entre duas pessoas a convivência cria expectativas, as normas criadas em função do mútuo respeito ao longo do caminho pedem observância, de sorte que os sujeitos se confirmam uns para os outros como agentes. Não há dúvida de que essa cristalização sempre pode ser suspensa, de que a infração da parte de alguém pode ser sinal de respeito pelo outro, mas os hábitos e normas não são inventados todos os dias.

Além disso, as relações mais íntimas também se expõem para terceiros. Os linguistas sublinham que entre os pronomes pessoais existe uma espécie de fratura entre o uso do eu e tu e o uso do ele, pois esta última palavra denota alguém que está por uns tempos fora do diálogo. E os behavioristas, como George Mead, ensinam que as crianças aprendem a generalizar o outro. Em suma, o uso normal da linguagem implica outros num espaço público, definindo uma comunidade de falantes da mesma língua e preparados para o exercício dela.

Sempre existem várias morais, vários sistemas éticos: as éticas profissionais, as éticas grupais etc. Cada uma delas coloca problemas particulares e uma ação muitas vezes pode entrar em conflito com normas diferentes. É interessante estudar como a ética da intimidade pode relacionar-se com as outras éticas. Um bom exemplo é a questão da eutanásia. O código aceito pelo Conselho Nacional de Medicina condena aquele que mata por piedade. No entanto, todos nós sabemos que a relação entre médico e paciente envolve mútua confiança, algumas vezes chegando ao nível da intimidade. Não pode haver entre eles um acordo pelo qual o médico simplesmente livra seu paciente de uma situação insuportável? Não há dúvida de que o médico é passível de punição tanto da parte de seus colegas, institucionalmente organizados, como da parte do Estado, mas de nosso ponto de vista, de nós mesmos que estamos de fora do relacionamento íntimo, não há critério para determinar a moralidade íntima da ação. E para que nós mesmos sejamos morais vale a pena saber distinguir as situações em que devemos suspender nossos juízos.

Vejamos outro exemplo: de plantão, num pronto-socorro, um médico atende a um ferido esvaindo-se em sangue. Este último, sendo pentecostal, recusa uma transfusão. O que deve o médico fazer? O recurso comum de pedir ao doente que assine um documento responsabilizando-se pelas funestas consequências pode resolver seus problemas jurídicos, mas nada lhe adianta para saber se cumpriu seu juramento de Hipócrates ou mesmo se satisfez a confiança que o próprio doente depositou nele. Estaria este em condições de responsabilizar-se inteiramente por sua própria morte? E se o doente chegasse quase inconsciente? Se, ademais, fosse seu amigo? Neste último caso, é bem possível que, pelo respeito que lhe deve, simplesmente faria a transfusão, pois muitas vezes se força um amigo no erro. E sabemos que nesses casos, em geral, o médico trata do paciente como se ele fosse irresponsável, tomando sua crença como uma doença mental qualquer. Haveria critérios para censurar esta ou aquela conduta?

Se estou tentando delinear um espaço em que vale uma ética da intimidade, convém sublinhar que ela não é a única nem fundamento das outras. Do mesmo modo, não estou defendendo este comportamento tão frequente em nossos dias que Sennett denominou tirania da intimidade. Não creio que nos tempos de hoje estejamos dispostos a voltar para uma situação em que o público oprima a vida privada, mas também não é possível deixar que o íntimo tiranize o público. Quantos de nós, sentados num ônibus ou num avião, não encontramos alguém que, em pouco tempo, despeja-nos seus problemas mais íntimos? Delinear os limites, ainda que frouxos, entre o íntimo e o privado é uma das tarefas mais urgentes, pois interessa sobretudo que uma esfera não avassale a outra.

Para meu raciocínio é importante salientar que existem muitas formas de moralidade, cada grupo social ou profissional tem sua identidade assegurada por normas consentidas, cuja infração provoca censura e até mesmo exclusão do grupo. Os indivíduos entre si encontram um espaço para criar normas que valem na medida em que asseguram o respeito mútuo, enquanto cada um é posto como limite do mundo, como aquele ponto de fuga que resta do exercício de se transladar de um sistema normativo para outro. Isso significa que existem enunciados e juízos morais — não podemos nos furtar à constatação desse fato. Ora, que tipo de ações e de dispositivos são requeridos para que esses juízos morais possam exercer-se? Que instâncias podem controlar juízos morais já feitos?

Temos insistido que nem sempre é possível enunciar um juízo moral. Convém lembrar o exemplo da eutanásia: um conselho médico poderá condenar o médico que a fez, mas de nossa parte convém suspender nossos juízos. Quem somos, porém, este nós? Uma espécie de opinião pública que poderá opor-se ao julgamento do conselho médico, que debaterá o problema, expondo as várias facetas da questão. Isso significa que os critérios para os juízos morais são encontrados pela própria prática de julgar, pelas instituições que a amparam.

No entanto, para que as pessoas possam exercer essa prática, para que façam parte dessa opinião pública julgadora, precisam ser educadas e preparar-se para isso. Essa competência, como aquela do tenista ou de qualquer outro que segue um sistema de normas, constitui um requisito que as pessoas em geral demandam para que possam tomar um indivíduo como parceiro. Em virtude da situação de limite e da diversidade dos critérios morais, para que possam ser enunciados e aceitos publicamente, os juízos morais requerem que os enunciadores tenham credibilidade, a experiência do acerto e de lidar com essas questões. Um juízo moral pronunciado pelo imoralista não tem valor algum.

Chamamos de virtude esta sageza feita de experiências, para usar uma expressão arcaica. Trata-se de um dispositivo que o ser humano adquire conforme tem experiências de lidar com os juízos morais de seu tempo. Numa época em que se confrontam várias formas de moralidade, a virtude não pode ser enclausurada num conteúdo qualquer, sendo ela sobretudo uma forma de julgar, isto é, de aceitar a finitude e a unilateralidade de todos os juízos morais. A virtude contemporânea chama-se, pois, tolerância.

Desse modo, não fica difícil compreender quais são as formas pelas quais atua hoje em dia o imoralista. Em primeiro lugar, é o intolerante, que imagina ser ele o proprietário de um único critério moral para todas as formas de moralidade, e por isso o aplica a ferro e fogo sem levar em consideração as condições em que o juízo moral deva ser suspenso. Em segundo lugar, é o rigorista, aquele que pratica sua moral automaticamente, sem se dar conta da unilateralidade de seu ponto de vista.

Para terminar, gostaria de circunscrever melhor o próprio conceito de moralidade pública. Estamos vendo que ela consiste numa esfera de que todos os seres humanos participam, na medida em que cada sistema moral, a fim de revelar sua unilateralidade, precisa ser confrontado por outros. Segue-se a necessidade de que todos os seres humanos sejam incluídos no seu âmbito. Sob esse aspecto é uma moral cosmopolita, estabelecendo regras de convivência e direitos que assegurem que os homens possam ser morais. É nesse sentido que os direitos do homem, tais como em geral têm sido enunciados a partir do século XVIII, estipulam condições mínimas do exercício da moralidade. Por certo, cada um não deixará de aferrar-se à sua moral; deve, entretanto, aprender a conviver com outras, reconhecer a unilateralidade de seu ponto de vista. E com isso está obedecendo à sua própria moral de uma maneira especialíssima, tomando os imperativos categóricos dela como um momento particular do exercício humano de julgar moralmente. Desse modo, a moral do bandido e a do ladrão tornam-se repreensíveis do ponto de vista da moralidade pública, pois violam o princípio da tolerância e atingem direitos humanos fundamentais.

Dessa ótica, toda guerra contemporânea, que não seja estritamente defensiva, deve ser considerada imoral, pois implica uma tecnologia que atinge indiscriminadamente pessoas permanecendo fora do conflito direto. Isso não significa que toda violência deva ser recriminada, pelo contrário, somos obrigados a conviver com ela: o intolerante e o puritano só podem ser contidos pela força. A dificuldade está em determinar com precisão quem são eles e quais os critérios pelos quais são detectados. Como nada é a priori a não ser em circunstância, o que fica valendo é a prática contínua de julgar e ajustar nossos julgamentos, graças ao aperfeiçoamento das nossas virtudes e de nossas opiniões, que se lustram e se ajustam conforme relativizamos e ampliamos nossas perspectivas.

    Tags

  • agente
  • autonomia
  • axiologia
  • dever
  • direito
  • heteronomia
  • imperativo categórico
  • imperativo hipotético
  • intimidade
  • juízo
  • julgamento
  • Kant
  • moral
  • moralidade
  • norma
  • privado
  • público
  • racional
  • razão
  • regra
  • sujeito
  • tolerância
  • transcendência
  • transgressão
  • universalidade
  • valor
  • virtude