2014

O silêncio de antes

por Luiz Alberto Oliveira

Resumo

É possível, e legítimo, fazer-se asserções científicas, isto é, objetivas e verificáveis, sobre eventos extremamente remotos no tempo ou no espaço – eventos como a formação da Terra, datada de cerca de 4,56 bilhões anos. Aí vigorava então o silêncio completo da anterioridade do e ao pensamento, ou seja, da ausência absoluta da palavra. Surge eventualmente a Vida, e eras mais tarde o gênero Homo, e os primeiros momentos da simbolização. Mas sucede doravante uma figura radicalmente original de silêncio – o da palavra que cala.

Podemos esboçar, em grandes linhas, o percurso antropológico (e também antropogênico) que embasou a aparição do pensamento: há cerca de 4 milhões de anos, na África, a elevação de uma cadeia de montanhas bloqueou a passagem dos ventos vindos do Atlântico. Grandes regiões de densas florestas tropicais foram pouco a pouco se transformando em savanas de vegetação baixa. Alguns primatas que aí viviam adaptaram-se às novas condições assumindo uma postura ereta (ou seja, verticalizando a coluna vertebral). Esta mudança teve imensas consequências. As patas dianteiras puderam ser liberadas da função exclusiva de locomoção e tornaram-se mãos. Assim, estes ancestrais hominídeos se tornaram animais técnicos, e conseguiram, há um milhão de anos, o extraordinário controle sobre o fogo. As mãos passaram a levar o alimento à boca; liberada da função de agarrar a presa, a mandíbula pôde suavizar-se e diminuir de tamanho, facilitando a emissão de sons. A maneira mais “econômica” de se produzir todo este conjunto de alterações morfológicas é atrasar a maturação dos fetos –a neotenia. Os bebês proto-humanos, assim, passaram a nascer cada vez mais ‘inacabados’, ou seja, sua maturação completa começou a ocorrer depois de nascidos. O desenvolvimento retardado reduz a influência dos padrões de comportamento inatos e aumenta a capacidade de aprender padrões; progressivamente, a transmissão de comportamentos torna-se cada vez mais importante.

Ora, estes bebês neotênicos requerem cuidados intensivos por parte do grupo e a sobrevivência da espécie exigiu, então, uma forte coesão da coletividade. A inovação revolucionária que fomentou o fortalecimento dos laços sociais foi uma nova forma de comunicação, apoiada na facilidade de emitir sons. O surgimento da fala: talvez, o acontecimento mais decisivo da história de nossa espécie. Ao comunicar-se entre si, esses animais falantes produziram uma tecnologia prodigiosa, uma memória compartilhada, fora do corpo dos indivíduos. À medida que os ciclos naturais – os períodos de migração de manadas e as estações do ano, por exemplo – foram sendo recordados e correlacionados, os registros de fatos já vividos transformaram-se em expectativas, e daí em previsões. Rebatida sobre o futuro, a memória se converte em antecipação, possibilitando a nossos ancestrais operar com uma dimensão sem precedentes: o amanhã.

Nossa constituição genética é praticamente idêntica à de nossos antepassados mais remotos. Por outro lado, é muito clara, ao longo da história de nossa espécie, a ocorrência de ocasiões ricas em singularidades, em que houve – parece – avanços cognitivos muito rápidos.

As evidências sugerem que, durante cerca de metade dos 160 mil anos em que existimos, o repertório de habilidades e técnicas que nossos ancestrais possuíam desde o surgimento da nossa espécie variou muito pouco. Contudo, um dramático evento de mudança climática – possivelmente associado à maior explosão vulcânica dos últimos milhões de anos, na ilha de Toba (atual Indonésia) – sucedeu por volta de 70 mil anos atrás, tendo como consequência a drástica redução do número de nossos ancestrais. Assim, todos os humanos de hoje são descendentes dos poucos milhares – ou apenas mesmo centenas – de sobreviventes deste cataclismo.

Sob risco de extinção, os Homo sapiens tiveram que estreitar ainda mais seus já fortes vínculos sociais. Um dos recursos associativos de que dispunham, ainda que escassamente, começou a ser explorado em profundidade: a capacidade de simbolizar e comunicar uns aos outros esses símbolos, através da fala.

Pelo uso ampliado e progressivo da fala um dado limiar de auto-afecção foi ultrapassado e,  a partir de então, cada palavra adquirida e praticada se tornou o gérmen de mais palavras. Cada geração humana deixava um legado de designações para a geração seguinte, que enriquecia por sua vez essa herança com novas nomeações.

Desde então, só nos humanizamos completamente pela participação ativa num contexto técnico e linguístico cada vez mais enriquecido, que chamamos de Cultura. Em um fato sem similar com respeito a qualquer outro organismo, passamos a continuadamente suplementar o ambiente natural que nos abriga e sustenta com diagramas surgidos na memória e na imaginação, ou seja, ideias, que pela ação técnica são exportadas para o mundo, infundidas em matérias organizadas sob a forma de artefatos de todos os tipos. A linguagem fomenta a proliferação de artefatos; por sua vez, a crescente artificialização do habitat humano estimula a circulação linguística. Gesto e palavra, movimento e signo, habilidade e memória reforçam-se mutuamente na realização da atividade que chamamos de pensar. A operação na dimensão inovadora do pensamento corresponde, portanto, à inauguração de um domínio suplementar, e singular, de auto-afecção da Vida sobre si mesma.


Claudio Ulpiano costumava dizer que a tarefa própria do Espírito é realizar sínteses produtivas, isto é, constituir novas unidades onde havia somente dispersão, caos. Seguindo as rotas abertas pela obra de Deleuze, denominava problema a essas operações criativas de mergulho no caos e extração de formas inovadoras. Formular um problema: eis o desafio que o tema dificílimo desta etapa do ciclo Mutações nos demanda. Para simplesmente esboçar os contornos da questão que devemos abordar, será necessário tomar de uma variedade de conceitos e dados, oriundos de diversas práticas de saber, que permitam a elaboração de uma primeira carta de percursos, de um mosaico primitivo de traços, do problema que nos foi escolhido.

Uma abordagem inicial nos é oferecida, como convém, por um artista. Recordemos Jorge Luis Borges e sua prodigiosa Biblioteca de Babel: “A Biblioteca (que alguns chamam de Universo) […]” consiste de um número indeterminado de células hexagonais idênticas, assemelhando-se assim a uma colmeia que se expande em todas as direções, sem qualquer limite ou horizonte visível. Em cada uma destas células hexagonais, duas das paredes formam corredores ligando-as a outras células, e as quarto paredes restantes são cobertas por estantes, ocupadas por livros de idêntico formato. Nessa construção alucinante – que, repitamos, é equivalente ao Universo – vivem os bibliotecários, seus habitantes. E depois de muitos estudos e debates formou-se aos poucos entre eles a convicção de que nos volumes da vertiginosa Biblioteca se encontram todas as combinações possíveis de vinte e cinco signos: as vinte e duas letras do alfabeto, o ponto, a vírgula e o espaço. A inumerável Biblioteca é portanto o equivalente exato de toda a Literatura – pois é o continente de tudo o que pode ser dito. Em seus notáveis ensaios-ficções, Borges procura explorar temas pertinentes à tradição metafísica, segundo ele, uma peculiar vertente da literatura fantástica. Trata-se aqui de inquirir acerca da extensão do poder da Arte, ou da Palavra: se na vasta Biblioteca está contido tudo-o-que-podeser-dito, qual sua relação com tudo-o-que-existe? Seus textos incontáveis recobrem, ou abrangem, ou engolfam, todo o real? Ou o real excede tudo o que se pode dizer, e haveria domínios de ser rigorosamente indizíveis, que nenhuma das palavras da Biblioteca logra alcançar? Ou tudo o que se pode dizer transborda o real, sobra, há palavras que se desenrolam para além de qualquer referente? As três possibilidades, observa Borges, são temíveis… Em nosso caso, porém, duas questões, dois elementos desse campo de problemas, vão nos interessar.

O primeiro é a imagem inaugural do texto, a Biblioteca como equivalente ao Universo. Podemos talvez distinguir nessa poderosa metáfora, sem prejuízo de outras nuances, um eco longínquo da sentença com que Galileu Galilei assinalou o nascimento moderno da Ciência: “Deus escreveu o Livro da Natureza em Linguagem Matemática. Trata-se doravante, para o Entendimento Humano, de decifrar essa Linguagem”. E de fato, a Cosmologia e a Física de Partículas contemporâneas nos dizem que podemos identificar os signos básicos com que foi escrito esse Livro, o alfabeto fundamental a partir do qual todas as matérias conhecidas são constituídas. São seis letras chamadas quarks, seis letras chamadas léptons, e quatro espécies de forças – como se fossem duas variedades de tijolos e quatro tipos de argamassa. Todos os seres do mundo natural que já encontramos se compõem de amálgamas desses dezesseis ingredientes.

A analogia, portanto, é legítima e precisa, ainda mais se levarmos em conta a sucessão hierarquizada de modos de organização que vigoram tanto na Literatura quanto na Natureza: as letras do alfabeto se juntam formando fonemas, que se combinam formando palavras, que se encadeiam formando frases, que se sucedem formando parágrafos, que se associam em capítulos, que se reúnem em seções, que se integram em volumes, que se acham distribuídos pelas estantes inúmeras da Biblioteca… O aspecto decisivo desta hierarquia processual é seu evidente caráter complexo: cada um dos componentes de um dado nível se apoia nos elementos do nível anterior, mas não é determinado por ele. As regras pelas quais juntamos letras para formar fonemas não são as mesmas regras pelas quais juntamos fonemas para formar palavras, senão haveria uma única língua. As regras pelas quais juntamos fonemas para formar palavras não são as mesmas regras pelas quais juntamos palavras para formar frases, senão não haveria poesia. Assim, a partir de combinações de elementos de um mesmo alfabeto básico pode-se alcançar uma varie dade infinda de compósitos, isto é, a Biblioteca/Literatura ela mesma.

Ora, se agora enfocamos as estruturas do mundo natural, verificamos que quarks se juntam, formando núcleons (prótons, nêutrons), que se combinam formando núcleos atômicos, que se associando a léptons (elétrons) formam os átomos dos elementos químicos da Tabela Periódica (hidrogênio, hélio etc.), que se ligam formando moléculas, que formam as diferentes substâncias, que se agregam em corpos, que se reúnem em astros (estrelas, planetas), cujos conjuntos formam as galáxias, que se integram em aglomerados, unidos em superaglomerados, que compõem o “gás de poeira” que preenche o Universo… É evidente, desta simples enumeração, o vigor da analogia entre a Biblioteca e o Cosmos.

Em segundo lugar, e ainda mais interessante para nossa argumentação, é a sugestão de Borges de que poderia haver no Real algo da ordem do indizível, algo que escape a tudo o que se pode dizer, e assim a Palavra não teria escopo suficiente para dizer o Mundo. Essa possibilidade aponta para um importante problema filosófico contemporâneo: desde Kant, tudo o que há no mundo deve o correlato de algo que há no pensamento; dito de outro modo, para todo objeto é necessário haver um sujeito que o conceba – sob pena de recairmos no dogmatismo dos clássicos, isto é, dos pensadores pré-Crítica. Ora, as Ciências atuais desenvolveram uma bem fundada narrativa de uma história evolutiva cósmica, em que se distinguem desde a ocasião primordial em que se deu a emergência da totalidade organizada que chamamos de Universo (ou Biblioteca), passando pela sucessiva formação de diferentes tipos de estrutura material, átomos, nuvens de gás, estrelas, galáxias, aglomerados, até chegarmos ao panora ma vastíssimo e antiquíssimo que discernimos hoje. Como uma literatura sempre em processo, sempre em escritura, esta história cósmica manifesta um dinamismo intrínseco, um permanente inacabamento, do sistema de sistemas de que fazemos parte. De fato, se podemos contar essa história do Todo, é em seu âmbito que devemos situar as origens das formações de matéria em que nossa própria história teve lugar, o Sistema Solar, nosso planeta; e os modos de surgimento das organizações da vida, capazes de repetir e de variar sua forma; e dentre as problemáticas da vida, a aparição do pensamento, do sujeito. O notável é que, ao operar o pensamento, o sujeito se reconhece capaz de descrever esse seu processo formativo, ou seja, de formular a história evolutiva da qual ele próprio resulta.

E é então que a questão se coloca: haverá evidentemente eras, períodos no passado remoto – que, segundo a Teoria da Relatividade, correspondem a regiões hoje muito longínquas de nós – nos quais ainda não existia, não podia existir, este sistema corporal, biológico e cognitivo em que assenta o sujeito. Pode-se argumentar, é claro, que o sujeito não se reduz a uma função ou instrumento do corpo – mas é imperioso admitir que um sujeito privado de sua base corporal é uma abstração fantasiosa de todo equivalente às mais extremadas figuras do dogmatismo clássico. Delineia-se assim um paradoxo radical: de um lado, só há objeto se um sujeito o presencia e enuncia; por outro, apresentam-se vastas eras em que sujeito não havia. Eis a aporia que Quentin Meillassoux denomina de “o problema da ancestralidade”.

Deixando de lado as espinhosas discussões que este problema acarreta para a filosofia pós-kantiana, enfoquemos o paradoxo em seus próprios termos: se ainda não há o sujeito, se concebemos uma circunstância na qual de nenhuma maneira o pensamento poderia estar presente, por lhe faltar exatamente o suporte a partir do qual ele pôde se desenvol ver; e se, no entanto, o pensamento é capaz de abordar e descrever essa mesma circunstância da qual ele deve ser por inteiro ausente, então se configura um além do pensamento que surge com ele e que lhe é, de fato, inseparável. Ora, nos diz Francis Wolff, o pensamento é sobretudo o lugar da fala; nesse caso, esse domínio prévio à ocorrência de qualquer modo do pensamento será o lugar do silêncio. Reconhecer que desse silêncio, dessa absoluta ausência primordial da palavra, veio a se constituir o pensamento, requer ao mesmo tempo admitir que, no exato momento em que o pensamento emerge, esse silêncio ancestral da natureza crua instantaneamente adquire um sentido completamente distinto: torna-se o lugar da ausência da palavra, o domínio da palavra que cala. O silêncio primitivo da matéria nua, anterior e além de tudo o que viria a ser dito, no entanto ressoa, insinua, algo que diz respeito a uma capacidade primeira da palavra – a de transformar o silêncio nu, convertendo-o no silêncio dela mesma, a palavra. O silêncio, a palavra, o silêncio da palavra. Tudo (re)começa aqui.

Talvez possamos adquirir algum entendimento sobre essa capacidade da linguagem de remodular o silêncio examinando o processo evolutivo pelo qual, nos dizem as Ciências contemporâneas, a própria habilidade de falar veio a se constituir. Para este fim podemos nos socorrer de uma classificação sugerida por Daniel Dennett, em que diferentes tipos de organismos são escalados de acordo com o tipo de atividade que realizam ao longo de suas operações vitais. Primeiramente, todo ser vivo que conhecemos é antes de tudo um organismo darwiniano, ou seja, é capaz de reproduzir-se, de replicar a sua forma; como sabemos, as instruções necessárias para levar a cabo esse feito prodigioso, redigidas em idioma desoxirribonuclês, estão contidas em seu respectivo genoma. Contudo, como as unidades informativas básicas (as cadeias de DNA que formam este genoma, essencialmente) que permitem essa replicação são frágeis, pois podem ser feitas e desfeitas com facilidade, durante o processo de replicação é possível que ocorram “erros”, letras, linhas ou páginas que saem truncadas quando o manual de instruções é copiado. Se esses erros não forem graves o suficiente para inviabilizar o próprio processo de reprodução, daí para a frente serão editadas as duas versões distintas, a original e a modificada. Ou seja, a Vida é um tipo de organização material que é capaz não apenas de repetir sua forma, o arranjo funcional de seus componen tes, mas também, graças a tais “erros” ou mutações, de cumulativamente produzir variações dessa forma. A Vida traz consigo uma profusão de inventividade, uma variedade de designs e formatos experimentais muito superior àquela do ambiente físico, inorgânico, sobre o qual se baseia. Dois novos ritmos vêm então se acrescentar aos fluxos materiais do ambiente: toda repetição – a sucessão das gerações – e o da variação – o surgimento das espécies mutadas; a combinação dessas cadências vitais encarna a característica mais notável dos sistemas vivos: a Evolução.

Todo organismo é darwiniano exatamente por estar submetido à regra da Evolução. Imaginemos uma representação bastante típica: um organismo minúsculo, unicelular, flutuando em algum lago ou oceano. Sua individualidade é definida pela membrana que o envolve, separando o ambiente aquoso fora dele do ambiente aquoso dentro dele. Ao mesmo tempo, porém, a membrana conecta o interior e o exterior do ser vivo – pois se fosse invulnerável, o organismo morreria. É preciso que seja todo o tempo atravessada por fluxos de substâncias e de atividade; ao serem assimilados, esses fluxos circulam pelo ser vivo, demoram-se aí, integram-se temporariamente às estruturas constitutivas do próprio organismo, para depois serem eventualmente reciclados e retornarem ao meio exterior. De fato, não seria incorreto dizer que o organismo ele mesmo não é senão uma conjunção duradoura, mas sempre provisória, de vórtices de matéria e energia.

Ao incorporar nutrientes, o organismo engendra as condições para reproduzir-se, ou seja, para copiar a si mesmo; é aqui que a variância introduzida pelas mutações terá seu papel decisivo: os caracteres variantes poderão levar dois indivíduos a ter o processo de replicação facilitado ou dificultado de acordo com mudanças nas condições ambientais (que têm causas inteiramente alheias aos próprios organismos). Como resultado, as populações dos dois tipos sofrerão também mudanças, que podem levar tanto ao predomínio quanto à desaparição. Eis o motor da Evolução: a Seleção por Adaptação, que estabelece um diálogo transtemporal entre os seres vivos e o ambiente, ao colocar em contato dimensões antes incomensuráveis – a duração infinitesimal da reações bioquímicas engrenada aos vastíssimos períodos das transformações climáticas, geológicas, astrofísicas. Ao entrelaçar essas escalas tão díspares, a Vida incorpora uma nova feição ao Cosmos.

Em segundo lugar, diz Dennett, existe um outro tipo de organismo que ele chama de skinneriano, em homenagem a B. F. Skinner, um célebre psicólogo do começo do século XX que, ao contrário das explorações filosófico-literárias de um Freud ou de um James, procura entender o psiquismo a partir do modelo de uma caixa-preta, da qual só se conhecem as entradas e as saídas. A este dado estímulo corresponde esta dada resposta, e não interessa o que realmente está lá dentro; se conseguirmos determinar adequadamente os padrões de resposta a certos estímulos, teremos definido operacionalmente o que é a mente, e isso basta. Dennett descreve organismos que desenvolveram tanto uma superfície sensível a estímulos externos quanto algum tipo de sistema locomotor, de tal maneira que agora podem reagir à presença de certos fatores no ambiente: certos estímulos (químicos, mecânicos, elétricos, luminosos, caloríficos, sonoros, magnéticos…) surgem, afetam os órgãos sensores do organismo, e ele movimenta-se em resposta a estes estímulos, modificando seu comportamento. Guiando-se a partir dessas informações sensoriais, pode tanto se aproximar de uma fonte de alimento quanto procurar afastar-se de um predador. O surgimento deste tipo de sistema sensório-motor, para Dennett, representa a entrada em cena de uma nova classe de habilidades que enriquecem sobremaneira o repertório de recursos comportamentais das espécies: enquanto os seres mais simples apenas vagam pelo ambiente, sujeitos ao acaso dos encontros, as atividades vitais dos skinnerianos se vetorializam, ganham direcionalidade e propósito.

O passo seguinte, prossegue Dennett, seriam os organismos que chama de popperianos, remetendo à obra do célebre filósofo da Ciência Karl Popper, para quem as práticas essenciais do afazer científico são a crítica e a refutação de teorias e modelos. Se um determinado enunciado não puder ser infundado pelo uso do método científico, ou seja, se sua validade não puder ser refutada por experiência ou observação consistentes, então não se trata de um enunciado científico legítimo, e sim de um artigo de crença. Popper procura estabelecer as regras próprias à investigação sistemática do mundo; no caso dos seres vivos, observa Dennett, a capacidade de empreender uma exploração sistemática do mundo pressupõe que exista previamente, na estrutura mesma do organismo, certo grau de variabilidade intrínseca, correspondente a alguma espécie de órgão ou sistema apto a receber marcas, de modo a poder fixar internamente os padrões de estímulos que recebe, via órgãos sensoriais, de seu ambiente externo. À medida que seus encontros se sucedem, o organismo realiza não apenas respostas motoras imediatas aos sinais recebidos, como também registra em uma memória as séries de estímulos e reações que experimentou naquelas circunstâncias. A partir desse estoque cumulativo de vivências, o organismo pode agora empreender diversas estratégias de resposta ao ambiente: em vez de uma reação reflexa única ao estímulo atual, explorar todo um leque de respostas possíveis; ele pode sopesar, balancear o estímulo atual perante o conjunto dos estímulos já registrados, e assim variar seu comportamento. Algumas dessas opções de ação resultarão proveitosas, outras levarão a situações ameaçadoras, mas agora o organismo está capacitado a arriscar tentativas e a aprender com suces sos e erros. A aparição desta inédita implicação mútua entre os espaços externos e internos do organismo implementa uma nova configuração topológica: em paralelo a esta espécie de formação de uma imagem interna do mundo externo, os padrões de comportamento inatos, ou instintuais, podem ser temperados e suplementados pelos padrões de comportamento aprendidos e fixados na memória, ou seja, o passado das vivências se amalgama e se combina com a surpresa dos encontros. A flexibilização de comportamentos proporcionada pela entrada em cena do par funcional memória e instinto, que caracteriza os organismos popperianos, repre senta um enorme influxo de inovação no âmbito da Vida.

E, finalmente, um quarto tipo de organismo que, em homenagem a Richard Gregory, seu antigo professor em Oxford, Dennett irá chamar de gregoryanos. Sua peculiaridade é que, além de dispor de uma memória interna do mundo externo, ou seja, um reservatório de estímulos recebidos e acumulados que servirá de substrato para a atuação complementar dos instintos, esses organismos têm também uma memória interna do mundo interno, isto é, um registro de qual era seu estado de ser ou disposição íntima no momento em que recebia um dado estímulo e agia segundo um dado instinto. Esta memória da interioridade permitirá então que o organismo venha a ter comportamentos radicalmente inovadores, porque ele não precisará mais se guiar apenas pelo repertório de estímulos reais fixados na memória; poderá sobrepor lembranças de um estado satisfatório de sensações internas – ligadas ao metabolismo, por exemplo – às sensações percebidas numa dada circunstância e reagir de modo totalmente inesperado. Esta capacidade de correr riscos, de apostar no desconhecido, de motivar as próprias atitudes, provavelmente irá levá-lo a diversas situações periclitantes, mas por outro lado permitirá a emergência de recursos e habilidades sem precedentes. De fato, para a maioria dos estudiosos não há controvérsias, no caso dos organismos gregoryanos, acerca da ocorrência de processos cognitivos complexos que configurariam a presença de uma mente.

Desnecessário frisar neste ponto que os tipos de organismos não se sucedem, ou substituem: todos os tipos convivem nos biomas de hoje, e cada tipo conserva aspectos distintivos dos modos de comportamento mais simples que o precederam – os popperianos são ainda skinnerianos, os gregoryanos mantêm traços de ambos, e todos continuam darwinianos, isto é, submetidos à evolução por Seleção Natural (pelo menos, até o presente). O que é significativo é que cada tipo acrescenta dimensões de complexidade (e, portanto, de funcionalidade) originais com relação aos que o precederam, amplificando exponencialmente a variedade de posturas e atividades disponíveis para a participação desses organismos na trama do mundo. Antecipemos por um instante a argumentação que exploraremos em seguida apresentando um exemplo contundente: o de certo tipo de mamífero gregoryano que, mercê de um excesso de indeterminação interna, pôde levar a cabo um procedimento extraordinário – o de colocar dois vazios frente a frente, tornar esses dois vazios como que espelhos um do outro e, na reflexão infinita de coisa alguma que então ocorre, dizer: “Eu”. Esta invenção, este nada entre dois vácuos chamado “Eu”, corresponde a uma capacidade münchauseniana de levantar-se do chão puxando os cordões das próprias botas; pois não há no “Eu” outra substância do que este reflexo multiplicado ao limite, não há de fato substância alguma. Um dobramento do vazio assim tão enriquecido só é possível no âmbito intimo pluridimensional e ambíguo de um organismo gregoryano.

Há diversos tipos de organismos gregoryanos, mas sem dúvida alguns dos mais notáveis estão entre os chamados superorganismos. Exemplos marcantes são as grandes colônias de insetos ditos sociais, cupins, formi gas, abelhas, vespas. Trata-se de entidades biológicas compostas por gran des conjuntos de células independentes, capazes de agir autonomamente, ao contrário de nossas células, que formam um único corpo integrado e que só se movem em uníssono. Porém, o mais significativo, como assinala E. O. Wilson, é que os superorganismos manifestam uma inovação evolutiva decisiva, que ele chama de Eussocialidade. Para além da mera coexistência dos membros de uma dada espécie numa certa ocasião – que inúmeros gêneros obviamente compartilham – a eussocialidade exige certos atributos bem definidos, a saber: a presença de um ninho; a coabita ção, nesse ninho, de membros de diferentes gerações; e, nessa coabitação, a vigência de uma divisão coletiva dos trabalhos de desenvolvimento e manutenção do grupo. Quando este modo de organização teria surgido? Segundo Wilson, há cerca de cem milhões de anos, quando os cupins passaram a viver em ninhos ou colônias, em que coexistiam várias gerações que cooperavam na realização das tarefas requeridas para a sobrevivência da colônia. Foram depois seguidos por vespas, que eventualmente se transformaram em formigas e em abelhas. O sucesso evolutivo desses insetos eussociais é deveras impressionante: constam de aproximadamente quinze famílias, em um universo de duas mil e quinhentas famílias de insetos; no entanto, a quantidade conjunta de cupins, abelhas, vespas e formigas eussociais alcança aproximadamente trinta por cento de todos os insetos. De fato, observa Wilson, até uma ocasião muito recente quando um certo tipo de primata gregoryano e eussocial começou a se disseminar sobre a Terra, esses superorganismos-colônias eram, sem a menor dúvida, os mais bem-sucedidos empreendimentos multicelulares da Vida.

Contudo, se fazemos um inventário do total de espécies eussociais conhecidas, encontramos as mencionadas quinze famílias de insetos, três famílias de camarões de coral, duas de toupeiras e o tal certo tipo de primata. Somente. Se examinamos o registro fóssil, tampouco nos damos conta de muitos outros ramos de eussocialidade. Ou seja, embora bemsucedida, a eussocialidade resulta ser rara na história da Vida. Temos notícia de outras espécies que são quase eussociais: pássaros como o joão-de-barro, que faz ninhos em que coabitam gerações (mas que não exibe trabalho diferenciado), ou canídeos como os cachorros-do-mato africanos, muito próximos de atender às exigências da definição. Encontramos ainda, enfim, certas vespas que parecem entrar e sair da eussocialidade, às vezes agindo coletivamente por certo período, voltando em seguida a se comportar como solitárias. De todo modo, a eussocialidade é escassa. Ora, a principal distinção da nossa sociedade, a sociedade dos hominídeos, e as supercolônias de insetos é o fato de que cada um de nós pode se reproduzir, enquanto a função de reprodução nas colônias é especializada, ou seja, faz parte de uma divisão de trabalhos encarnada em classes morfologicamente diferenciadas, as castas. Exceto em conjunturas emergenciais, fora do comum, os operários e soldados são, desde o estágio de pupa, quimicamente condicionados à esterilidade, e somente a rainha e seus consortes zangões são férteis. Portanto, estes membros da sociedade abrem mão de sua capacidade reprodutiva e, em alguns casos, até da própria longevidade, para assegurar o bom funcionamento da colônia como um todo. Há, do ponto de vista biológico, um forte altruísmo presente na constituição das relações eussociais das supercolônias. Por sua vez, nossa eussocialidade hominídea, ainda segundo Wilson, advém de um concurso entre duas modalidades de seleção, uma operando sobre os caracteres individuais e a outra sobre os caracteres de grupo. Todavia, o fato mais marcante, que nos distingue de todas as demais espécies eussociais, é que nos ninhos de nossos ancestrais hominídeos encontramos pedra e fogo. Com efeito, há cerca de dois milhões de anos nossos ancestrais começaram a manipular fragmentos de rochas, e descobriram como praticar e repetir certas sequências de golpes que realçavam no material escolhido certa propriedade útil. Essa produção permitiu suplementar as capacidades muito limitadas do nosso corpo: não temos grandes presas como os leões e lobos, não somos fortes ou maciços como os elefantes e rinocerontes, mas com uma sequência de três golpes de uma pedra sobre outra fazemos surgir uma borda de gume afiado, que funciona como um dente transferido para a mão, e essa dentição artificial corta, raspa, fura e esmaga. A repetição destes gestos fixados em seixos e lascas lhes confere algo que, enquanto minerais, não possuem: utilidade, quer dizer, finalidade. Inaugura-se assim uma nova modalidade de ser que, ultrapassando sua dimensão pétrea, concreta, passa a exibir um envoltório imaterial, um revestimento etéreo que consiste de um antes e de um depois. O antes é a origem, a sequência de gestos que produziu aquele dado formato; o depois é a aplicação do formato produzido, isto é, para que isto serve.

É como se, dessa ocasião em diante, certos padrões ou diagramas que habitavam a interioridade desses indivíduos passassem a ser exportados para o mundo externo através dessas sequências de gestos técnicos e, uma vez implantados no material, induzissem novas sequências de ações, as utilizações do artefato; como se uma nova natureza virtual viesse a se sobrepor à natureza física, substancial, do material, apta a dialogar com o olhar de quem a apreende. O objeto fabricado, a coisa tornada em utensílio, possui dimensões e atributos para além do mero ser-o-que-é; ao tornar-se portador de uma ideia, o artefato fala conosco, retransmite-se para nossa interioridade, e nos diz que é uma faca, ou uma raspadeira, ou um projétil. Este poder de comunicar não está na pedra ela mesma, não é magmático ou sedimentar, mas doravante será, para nossa história, tão real quanto os próprios seixos e lascas. O manejo de implementos de pedra torna-se uma espécie de matriz básica de acumulação técnica a partir da qual toda uma série de outros artifícios será engendrada, sendo em breve – quer dizer, há cerca de um milhão e meio de anos – reforçada pelo domínio não de um material, mas de um processo: o fogo. O domínio do fogo requer manutenção e administração contínuas. E será precisamente esta capacidade técnica de produzir formas e de gerenciar processos – ou seja, de explorar o espaço e o tempo – aliada a uma intensificação da habilidade de comunicar que estabelecerá nossos ancestrais hominídeos como um tipo muito particular de organismo eussocial.

Parece conveniente neste ponto, para podermos avançar em nossa abordagem do problema-chave- como se deu a aparição do pensamento a partir de seus fundamentos anoéticos? -, indagar acerca do processo pelo qual o plexo característico técnica-linguagem veio a se instalar e consoli dar no seio de nossos ancestrais eussociais. Seguindo autores como André Leroi-Gourhan, Terrence Deacon, Michael Tomasello e Steven Mithen, dentre outros, podemos esboçar em grandes linhas o percurso antropológico (ou antes, antropogênico) em que sucedeu esse desenvolvimento, como segue: há cerca de cinco milhões de anos, a movimentação de placas tectônicas causou o fechamento do istmo que separava as Américas do Norte e do Sul, na região que hoje é o Panamá, fazendo com que os oceanos Atlântico e Pacífico passassem a se encontrar somente abaixo da Terra do Fogo, na extremidade sul do continente. Em consequência, foi fortemente alterado o regime de ventos no Atlântico equatorial, ocasionando mudanças significativas na precipitação pluvial sobre o sudoeste da África. Onde atualmente se encontram as extensões áridas e desérticas da Namíbia, vicejava uma floresta tropical úmida que, como resultado da rápida transformação climática, foi convertida num prazo geologicamente muito curto em uma área de savana.

Esta mudança abrupta nas condições do ecossistema afetou particularmente certos grupos de primatas até então adaptados ao ambiente da floresta tropical, e que nessa ocasião foram submetidos a uma experiência dramática de empobrecimento dimensional. Com efeito, a floresta densa comporta múltiplas dimensões de ação: em cada direção que se aponte há uma possibilidade de movimento, usando patas, boca ou cauda, ao longo de galhos, ramos ou lianas. A savana, ao contrário, é um mundo essencialmente plano, com árvores esparsas destacando-se aqui e ali. A resposta desses primatas arborícolas a essa súbita redução da dimensionalidade de seu habitat foi extremamente original: verticalizar a coluna vertebral. A coluna vertebral dos quadrúpedes é paralela ao solo; para adaptarem-se às novas condições da savana, esses primatas alinharam a coluna vertebral aos membros inferiores, convertendo-se em bípedes.

Qual teria sido o fator decisivo para impulsionar e fixar uma modificação postural tão abrangente? Quando se caminha de quatro, o dorso é exposto ao sol, logo uma grande superfície é insolada. Muita insolação faz o corpo aquecer rapidamente e leva à perda de muito líquido, pela transpiração, para resfriar. Assim, não se pode ir muito longe exposto ao sol. Contudo, na postura bípede somente se expõe ao sol o topo da cabeça e os ombros – uma área muito mais reduzida. Insolação menor, menos aquecimento, pouca transpiração, menos líquido perdido – e se pode percorrer distâncias muito maiores na busca por alimento, o que é uma diferença significativa no ambiente da savana, relativamente empobrecido com respeito à abundância da floresta tropical. Em paralelo, foram progressivamente perdendo os pelos corporais – somos a única linhagem de primatas praticamente sem pelos – e a distribuição das células de suor tornou-se bem diferente. Quando não se tem pelos, o suor gerado pelo exercício aflora à superfície da pele, evapora e resfria o corpo; quando se é peludo, o suor inicial fica bloqueado pela cobertura de pelos, dificultando a evaporação e a emissão de mais suor. Com a troca de calor impedida, o suor assume uma forma oleosa, tal como vemos no corpo dos cavalos após um galope. Em suma, ao adotarem a postura bípede, nossos ancestrais deixaram de fazer acrobacias nas árvores, convertendo-se em eficientes maratonistas, exploradores capazes de percorrer longas distâncias. Toda uma série de transformações morfológicas e comportamentais complementares irão resultar da adoção do bipedalismo. A primeira delas é a transformação dos membros locomotores. Os membros inferiores não precisarão mais realizar a função de agarrar, e os pés podem aplainar-se para facilitar o pisar e o caminhar. O controle cerebral dos músculos de preensão correspondentes, agora pouco úteis, pode ser redirecionado para aperfeiçoar o domínio de outros movimentos. Já para os membros superiores, a progressiva oposição do polegar aos outros dedos e o alinhamento dos olhos à movimentação dos punhos permite a realização de gestos precisos e delicados – como pinçar uma lasca de osso ou um graveto. Liberadas da função de locomoção, e dotadas de destreza digital muito ampliada, as patas dianteiras se convertem em mãos. Com o uso das mãos, o alimento pode ser pego e trazido à boca, tornando desnecessária uma mandíbula muito volumosa. Para facilitar o caminhar, o arco da bacia não pode ser muito largo; uma mandíbula suavizada, menor, permite que o tamanho do crânio possa aumentar, sem que isso mate as mães no parto.

A forma mais econômica de realizar esse conjunto de mudanças morfológicas não é promovê-las uma a uma, mas interferir em algum fator global de controle do desenvolvimento que induza em lote, simultaneamente, tais características desejáveis. No caso de nossos ancestrais – como também em inúmeras outras espécies – a solução mais direta foi simplesmente atrasar a maturação dos fetos, processo a que os paleoantropólogos chamam de neotenia. Ora, retardar o desenvolvimento dos fetos implica que os bebês nascerão cada vez mais incompletos. Comparemos recém-nascidos de diferentes espécies; o que possuem em comum bebês de pombos, camundongos, coelhos ou pessoas? Observamos que todos exibem olhos muito grandes e narizes (ou bicos) retraídos, em comparação com espécimes adultos. A própria cabeça parece muito volumosa em relação ao restante do corpo. A razão é que os olhos (e as cartilagens dos bicos e também das orelhas) crescem numa razão menor que os ossos da face e do crânio, que crescem menos que os demais ossos do corpo. Bebês com maturação mais retardada resultarão em adultos com traços mais infantilizados – eis o que significa a neotenia.

Se examinamos o registro fóssil da evolução de nosso gênero, comprovamos com facilidade a aproximação crescente entre exemplares de adultos mais modernos e de infantes mais arcaicos – crânio mais arredondado, testa mais elevada, queixo menos pronunciado. Chama a atenção, em particular, o crescimento progressivo do tamanho da cabeça, dando conta do aumento do volume e da complexidade do cérebro. Dito de outro modo: os bebês humanos hoje nascem com uma capacidade craniana comparável à de nossos ancestrais adultos. Esse é talvez o fato mais marcante da evolução de nossa espécie: adquirimos cérebros grandes, muito desenvolvidos, e muito exigentes – embora o sistema nervoso seja um décimo do nosso peso, consome cerca de um quarto da energia que nosso corpo extrai dos alimentos.

Uma transformação de tal porte não sucede sem custos. Os bebês neotênicos não apenas nascem com características fetalizadas, isto é, essencialmente inacabados, como permanecem incapazes por muito tempo, até lograrem completar seu desenvolvimento. Logo, é preciso que o grupo ministre cuidados intensivos e prolongados a esses bebês tão frágeis e preciosos, para que a espécie simplesmente não desapareça. Isto requer uma forte eussocialidade, em especial uma sofisticada repartição de afazeres e atividades no interior do ninho, resultante de uma intensa e complexa interação social, o que por sua vez demanda uma alta capacidade de comunicação entre os membros do grupo.

Para isso uma segunda característica, um efeito derivado ou colateral do bipedalismo, virá então a ser aproveitada de modo extraordinariamente original: quando a coluna vertebral é verticalizada, o ângulo de mordedura, isto é, a posição relativa da mandíbula com relação ao pescoço, também é alterada. Nos quadrúpedes, a mordedura é frontal, ou seja, alinhada à coluna; o que é muito razoável em vista do modo como pegam o alimento. Mas quando se verticaliza a postura, a mordida passa a ser ortogonal à coluna – se continuasse a ser frontal, o alimento teria de ser ingerido desde o alto! Em consequência, o ponto de encaixe da coluna no crânio começou a migrar da região occipital, na parte traseira, para baixo, até a mandíbula tornar-se perpendicular ao pescoço. Com essa mudança de disposição, a laringe, o tubo interno de aeração que usamos tanto para respirar quanto para engolir, pôde se esticar. Esta ampliação da laringe facilitou a emissão prolongada de sopros sonorizados, isto é, de vocalizações. Esta habilidade é singular: nossos primos gorilas, por exemplo, são capazes de dar roncos muito poderosos e assustadores, porém de curta duração. Não são capazes de fazer emissões sonoras duradouras; em compensação, podem respirar e engolir ao mesmo tempo, enquanto nossos ancestrais passaram a correr o risco de sufocar, engasgando. Que a evolução tenha mantido uma modificação tão prenhe de perigos diz muito a respeito do valor que a capacidade de vocalizar com facilidade virá a adquirir.

Recapitulemos por um momento as etapas do argumento: bebês neotênicos requerem cuidados intensivos; esses cuidados exigem repartição de trabalhos no grupo; para que seja eficaz, tal repartição implica uma forte interação social; o fortalecimento da sociabilidade é favorecido por uma comunicação intensificada. Consequência indireta do bipedalismo, a vocalização prolongada facilitada pela ampliação da laringe permitiu que, paulatinamente, os significados dos gestos e posturas próprios à linguagem corporal praticada como meio básico de comunicação por estes grupos de ancestrais começasse a ser suplementada pela troca de sonorizações. A circulação crescente de sons significativos, associados aos gestos e posturas, eventualmente permitiu que as vozes começassem a adquirir uma certa autonomia; o conteúdo de um determinado gesto pode agora ser expresso simplesmente pelo grito associado. A consequência dessa autonomização da voz é prodigiosa: torna-se fácil compartilhar estados internos e experiências de outros; estados de ser e motivações de atividades de outros membros do grupo podem ser internalizadas, como se minhas fossem. Para além dos diagramas de relações funcionais e ligações objetivas que encarnam a vitalidade eussocial do grupo, principia a ocorrer uma espécie de conexão íntima, um compartilhamento de interioridades pelo qual se intercambiam emoções, recordações e até mesmo, numa ocasião carregada de futuro, ideias e imaginações. Troca-se de tudo: não apenas modos de fazer coisas materiais e empreender ações objetivas, mas também meios de acesso entre as mentes pessoais. A conversação das almas – esta a diferença decisiva pela qual a posse de um tal repertório de vocalizações compartilhadas potencializou de um modo sem precedentes a eussocialidade de nossos ancestrais.

Quais teriam sido as condições para que essa comunicabilidade ampliada pudesse se implantar? Mais do que apelar a uma inovação radical, a um sistema inteiramente novo, a evolução costuma proceder por deriva, ou seja, pelo reordenamento e redirecionamento de algum processo já existente. Tal reaparelhamento por desvio envolve recursos que já estão presentes, mas que serão apropriados e empregados sob um regime diferente, para outra função – como no caso da emissão de sons, que antes suplementava os gestos e pouco a pouco, por sua reiteração e generalização do uso, começa a substituir e, mais tarde, a governar os gestos. Ora, é necessário certo excesso ou – o que é o mesmo – certa incompletude, para que os recursos anatômicos, metabólicos, cognitivos etc. empregados pelo organismo em questão para uma dada finalidade possam ser desviados para outra. Estruturas funcionais demasiado rígidas não podem ser convertidas para outros fins sem alterações substanciais de desenho. A flexibilidade estrutural associada a esse excesso ou indeterminação permitirá que novas capacidades emerjam a partir de finalidades anteriores, embora não estivessem previstas nelas. Não foi para falarmos que nossa laringe se ampliou mas, se temos a laringe ampliada, podemos falar.

É provável, no caso de nossos ancestrais hominídeos, que essa abundância-matriz tenha advindo precisamente do reordenamento anatômico e metabólico proporcionado pela adoção do bipedalismo. Uma vez que os músculos dos pés, por exemplo, não serão mais usados para a preensão de objetos, áreas cerebrais dedicadas ao controle motor são liberadas e podem ser empregadas para o domínio minucioso requerido doravante por mãos e dedos – ou pelo mais poderoso músculo do corpo humano, a língua. Tanto a manipulação de objetos quanto a emissão de sonorizações ganharão nuances cada vez mais sofisticadas e acabarão por vir a se estimular e potencializar mutuamente. A integração destas diferentes habilidades permitirá que relações mediadas pela voz convertam-se em ações físicas e, reciprocamente, matérias trabalhadas se tornem comunicativas. Pela imitação mimética, os gestos de como se parte a pedra, ou como se mantém o fogo aceso, podem ser repetidos; o acompanhamento de locuções vocais reforça e intensifica a aquisição e domínio da sequência de gestos necessária. O repertório de reações instintivas da espécie é assim suplementado por memórias adquiridas de outrem, vivenciadas como que por empréstimo, e que terão por resultado fazer com que elementos do plano íntimo das vivências e imaginações sejam mesclados à infraes trutura concreta do mundo.

A reiteração de vocalizações progressivamente engendra uma espécie de capa ou aura imaterial, superposta ao ambiente físico, que passa a operar como uma variedade de cognição extracorpórea: um tipo de memória coletivamente portada, composta não por vivências pessoais individualizadas, mas por este fluxo de receitas de ação que já não possuem um só autor. A cumulativa combinação de imagens íntimas e objetos concretos, paralela ao contato entre as mentes individuais proporcionada pela troca intensa de vocalizações – incluindo aquelas proferidas por quem não está, ou já não está mais, presente – tem como consequência irrecorrível a artificialização crescente do ninho e do ambiente humanos. Irrecorrível porque quanto mais artefatos são gerados, maior a demanda por mais artefatos. O ninho humano não será mais apenas oferecido pela natureza, e sim um habitat transformado por sucessivas gerações de gestos criativos, que se tornará por sua vez o âmbito no qual sempre novas exteriorizações do imaginário e interiorizações do concreto irão se realizar.

E é aqui, nesta passagem da linguagem gestual como base da interação social para outro tipo de linguagem, cujos elementos se apoiam na sonoridade física, isto é, na voz, mas que já não se contêm na voz, pois já serão palavra, é que se dá a transdução decisiva, para empregar a denominação de Gilbert Simondon (uma transdução é um processo em que a transformação de uma estrutura é acompanhada por uma mudança da atividade que realiza – um microfone transduz ondas sonoras em pulsos elétricos, um alto-falante realiza a operação inversa). Se podemos lançar mão de uma analogia um tanto bucaneira, podemos modelar a transdução voz-palavra como na psicanálise, fazendo uso do conceito de étayage ou apoio para delinear a emergência da pulsão a partir do instinto. Há um campo de forças, de origem biológica, associadas à carga afetiva envolvida nos instintos; mas na fímbria entre o corpo e o psiquismo esse dinamismo instintual é apropriado e reconfigurado para operar de modo muito diferente, agora sob o modo da pulsão. É como se a capacidade de pressionar, de acionar, própria do instinto, fosse tomada de empréstimo, porém privada do objeto a que o instinto se destina, e com cujo encontro ou posse ele se satisfaria, como a água à sede. A pulsão se apoia sobre o instinto, mas, liberada do objeto de satisfação, torna-se uma navegante perpétua. É no âmbito dos jogos pulsionais, e não dos esquemas instintuais, diz Freud, que a estruturação do psiquismo terá lugar. Em sua releitura dos conceitos básicos da psicanálise, Lacan sintetiza a concepção freudiana para a gênese, organização e atuação do psiquismo pela sentença célebre: “O inconsciente se estrutura como uma linguagem”. Talvez possamos exprimir com concisão similar a tese que desejamos abordar por meio de uma paráfrase invertida, dizendo que “a linguagem se estrutura como o inconsciente” – isto é, a partir de uma deriva.

Para que a palavra possa emergir de seu solo simplesmente sonoro, o primeiro requisito é exatamente esta deriva ou declinação, manifesta em um amplo domínio de articulações ainda não consolidadas, ou seja, de ligações em potencial. Com efeito, Robert Logan procura compreender as condições para o processo transdutivo que leva do som à fala a partir da chamada Lei de Ashby, que reza: “para que um sistema controle ou modele um outro sistema, é necessário que possua variedade interna suficiente para representá-lo” (ou: “para uma regulação eficaz, a variedade interna do sistema regulador deve ser da mesma ordem, ou maior, que a do sistema regulado”). Logo, para que possa ocorrer um aprendizado muito grande, é preciso uma incompletude prévia igualmente vasta. Consideremos o exemplo de nossos primos-irmãos chimpanzés: com poucos meses de idade, um bebê chimpanzé já é capaz de exercer uma série de funcionalidades próprias à sua sobrevivência: já movimenta a cabeça e os olhos para explorar seu ambiente, agarra-se sozinho ao pelo da mãe, busca espontaneamente o seio. Os bebês humanos, por outro lado, precisam ser cuidados até bem mais tarde – só adquirem certa autonomia por volta dos cinco ou seis anos de idade. O diferencial crítico é que o pequeno chimpanzé nasce com certo repertório de comportamentos inatos, e pode em seguida adquirir certo número de comportamentos por aprendizado – mas estaciona por aí. Quando encontrar um cupinzeiro pode aprender a, por exemplo, procurar um graveto bem reto, tirar as folhas, e espetá-lo na entrada do cupinzeiro; os suculentos cupins-soldados atacam e mordem o graveto invasor, aí ele o retira carregado e saboreia o delicioso prêmio. Depois de satisfeito, porém, atira fora o graveto; ele não antecipa o próximo cupinzeiro, que ainda está por vir.

Os bebês neotênicos de nossa espécie, por outro lado, vêm ao mundo com muito poucos comportamentos instintivos, pré-configurados – e imensa capacidade de aprender novos comportamentos por imitação. Quando nascem, os bebês humanos desempenham pouquíssimas ações: respirar, mamar, gritar e contrair os artelhos dos pés quando a planta é tocada. Nenhuma outra reação inata, nenhum grupo de músculos controlado antes de vários meses à frente. Paradoxalmente, essa extrema fragilidade inicial é exatamente a razão da imensa abertura que doravante poderá advir, correlata à paulatina constituição de um mundo interno extremamente sofisticado que os bebês humanos poderão desenvolver justo porque precisam experimentar tudo. Todas as suas ações serão engendradas por aprendizado.

A enorme variabilidade interna que permitirá que a virtual totalidade de nossas habilidades sejam adquiridas a partir da prática também será responsável pelo salto espantoso que vai desde as vocalizações sumárias originais até a ocasião em que, pelo manejo da palavra, se possa agir não em função de eventos já ocorridos ou de fatos presentes, mas de acon tecimentos ainda não sucedidos, apenas imaginados – os cupinzeiros de amanhã. Entidades como estas – os cupinzeiros antecipados – têm um estatuto existencial deveras singular: sua ocorrência se dá exclusivamente no âmbito da palavra, são seres puramente simbólicos. A capacidade de operar no campo do simbólico muda radicalmente o jogo da vida. Pos sivelmente nunca saberemos com exatidão a sequência de etapas pela qual esse salto se deu, mas podemos considerar alguns de seus aspectos mais marcantes.

Quais seriam os fatores característicos que distinguiriam a linguagem simbólica humana de outras linguagens praticadas por outras espécies? Jacob Bronowski indica, em primeiro lugar, seu caráter híbrido: quando a ação técnica infunde uma ideia em um suporte material, convertendo-o em um utensílio, a dimensão produtiva torna-se inseparável da ideativa; dito de outro modo, gesto e palavra se fusionam. Assim como a técnica requer e difunde a linguagem, a linguagem opera ela mesma como uma técnica. Não seria talvez impróprio designar essa prática singular por um termo ele mesmo mesclado: simbolotécnica.

o aspecto mais marcante deste afazer de natureza dúplice é exatamente a estimulação mútua de seus dois fatores componentes, que lhe confere dinamismo sem paralelo e produtividade exponencial, como veremos abaixo.

Como elemento seguinte, Bronowski aponta a dissociação entre estímulo sensível e resposta motora manifesta pela ocorrência de uma lacuna, um retardo, que remete à tipologia gregoryana e que corresponderia a um rearranjo ou recombinação entre o conteúdo de instrução ou comando contido na vocalização do emissor e a ignição da reação afetiva do receptor. Neste átimo que a palavra toma para ser processada, e corporificar-se, residiria toda a possibilidade de o comportamento ser mediado, e renovado, pela experiência codificada na mensagem. Em correlação também com este intervalo, encontramos a propriedade do prolongamento: ao ser absorvida, a palavra estende, aprofunda, o conteúdo da experiência, que adquire assim uma nova duração: para além do transcurso objetivo, factual, do evento sucedido, a palavra que o exprime movimenta-se na memória, complica-se com outras impressões, habita outros períodos. Pode assim vir a se dar a revolução extraordinária pela qual uma lembrança do evento vivido rebate-se em torno do eixo do presente e converte-se em expectativa; o registro do passado projetando-se como imaginação do futuro, ou seja, como previsão. A operação da díade retardo-prolongamento, argumenta Bronowski, foi o meio pelo qual nossos ancestrais puderam invadir o tempo e explorar uma dimensão que nenhuma outra espécie parece conhecer: o amanhã.

A constelação simbólica que doravante irá ocupar o mundo interno de nossos protagonistas modificará, de modo igualmente radical, o estatuto mesmo da interioridade. Com efeito, ao internalizarem o repertório simbólico que compartilham com seus pares, poderão transpor a lacuna instauradora para o âmago de suas subjetividades, apreendendo-se como que por um reflexo de si mesmos. Esta “subjetivação reflexiva”, observa Bronowski, igualmente parece não ter paralelo no mundo natural. A clivagem entre os planos interno e externo implicada na constituição do sujeito apto a autorrefletir-se tem como consequência uma contínua separação e reassociação entre o sujeito e seus campos de ação, os corpos – os do mundo e o seu próprio.

O último componente assinalado por Bronowski, enfim, é a abundância. Nossos primos primatas, os babuínos, exercem sua complexa organização social por meio do manejo de cerca de quarenta vocalizações significativas. A “linguagem” dos babuínos, portanto, consta de cerca de quarenta vocábulos. Em nosso falar cotidiano, para atender às exigências e conveniências do dia a dia, observa Bronowski, empregamos entre duas e quatro mil palavras – cem vezes mais. E em um dicionário de uma das grandes línguas praticadas hoje no mundo, encontramos cerca de um milhão de registros – novamente, cem vezes mais. Uma tamanha diferença quantitativa exprime, de fato, uma diferença qualitativa de nossa linguagem. Como se deu esta multiplicação?

Examinemos inicialmente um exemplo de uma prática de sinalização de outra espécie. Os esquilos-do-bosque possuem três gritos de aviso distintos, de acordo com a altura em que se avizinha o perigo: um grito-lince, quando próximo ao chão; um grito-serpente, para os ramos intermediários das árvores; e um grito-coruja, para as ramagens mais altas. Para cada predador, um sinal. Parece razoável supor que também nossos ancestrais tenham principiado seu domínio da linguagem assim: “a partir de um léxico mínimo de unidades significativas, de nomes ligados a coisas. Deve também ter sido necessária uma protosintaxe, um modo de articular essas unidades sígnicas. Porém, a singularidade da evolução da cognição humana reside, como vimos, no entrelaçamento desta protolinguagem oral, ou vocabular, a uma outra: a manipulação técnica.

Podemos pensar que a confecção de artefatos também envolve um léxico mínimo de matérias-primas e uma certa sintaxe de modos de fazer surgir as propriedades desejadas nestas matérias – sem esquecer que ambas as protolinguagens são adquiridas por mímese.

Seria a dinâmica de mão dupla entre elas – a mútua estimulação entre os dois setores da simbolotécnica – o fator decisivo que levaria todo o conjunto de habilidades a uma exponenciação: mais artefatos demandam mais palavras; mais palavras dão lugar a mais artefatos. Marc Hauser sugere que numa dada ocasião de pressão pela sobrevivência, a capacidade típica das crianças de aprender novas palavras – um dos principais modos pelos quais adquirem a devida maestria sobre o jogo da linguagem – foi conservada por todo o grupo, de modo a dar conta da necessidade sempre repetida de novas e novas nomeações. Qualquer que tenha sido a causa real, contudo, parece claro que a prática de distribuir simbolizações foi intensificada até para além de um certo limiar crítico. Qual seria exatamente esse limite ninguém pode saber – duzentas palavras? quinhentas? quarenta e uma? – mas, uma vez superado, o processo dinâmico simplesmente muda de patamar: um léxico de dimensão crescente requer uma nova espécie de sintaxe, que possua um caráter de um princípio generativo; ao atuar, esse princípio expandirá, quiçá indefinidamente, a dimensão do léxico. O elemento crucial dessa mudança é um novo locus de conexão: as palavras não se associam mais apenas com coisas, palavras se associam com palavras.

Este novo modo de entrelaçar os signos e seus significados é incrivelmente produtivo, em dois sentidos: é facilmente apreendido e disseminado pelas crianças e por todo o grupo; o que se requer não é o manejo de milhares de nomes de coisas distintos, e sim de um léxico básico e de algumas regras de composição. E permite fazer novas sínteses, inteiramente exteriores e independentes com relação às coisas elas mesmas. As coisas água e fogo não podem ser associadas; no entanto, pela linguagem, são combinadas para designar a aguardente. Do mesmo modo, agora fracionando a ligação entre o sinal e seu referente, esses ancestrais puderam dar sentido e emprego a noções generalizantes como a de perigo – uma designação não ligada a este ou aquele objeto específico, como no caso dos esquilos-do-bosque, porém capaz de aplicar-se até mesmo a riscos nunca dantes encontrados. Seres que nunca estiveram no mundo, compósitos de partes heterogêneas que começarão a operar como unidade, principiam a penetrar o ambiente humano e a se distribuir por ele: novos artefatos, novas ideias. Uma segunda natureza, simbolotécnica, vem recobrir a natureza original, física; um segundo ritmo, o das inovações da cultura, vem se justapor aos ciclos fundamentais do planeta.

Uma das características mais marcantes deste processo de constituição da potência expressiva da linguagem é sua descontinuidade. Desde há aproximadamente 160 mil anos, quando surgimos como Homo sapiens no noroeste da África, uma espécie do gênero Homo diferençada com respeito ao Homo erectus, ao Homo neanderthalensis e ao Homo denisovans que então nos eram contemporâneos, nosso – digamos assim – hardware biológico é essencialmente o mesmo. Não houve nenhuma mudança significativa no modo pelo qual nossos organismos se estruturam, ou seja, nossa constituição genética é praticamente idêntica à de nossos antepassados mais remotos. Por outro lado, as evidências arqueológicas sugerem que, durante cerca de metade dos 160 mil anos em que existimos, o repertório de habilidades e técnicas que nossos ancestrais possuíam desde o surgimento da nossa espécie variou muito pouco. Distribuídos em pequenos grupos de caçadores-coletores, seus modos de agir típicos permaneceram basicamente inalterados durante todo esse período, como assinalado pela estabilidade do nível de desenvolvimento de seus artefatos e utensílios.

Contudo, algum evento dramático – talvez a mudança climática abrupta decorrente da maior explosão vulcânica dos últimos milhões de anos, na ilha de Toba, na atual Indonésia, que sucedeu por volta de 70 mil anos atrás – determinou a drástica redução do número de nossos ancestrais. Todos os humanos de hoje, nos dizem análises genômicas, seríamos descendentes dos poucos milhares – ou apenas mesmo centenas – de sobreviventes deste presumido cataclismo. Esta situação crítica teria dado lugar a avanços cognitivos muito rápidos, como se uma constelação de potências de transformação latentes encontrasse a oportunidade de se consolidar, como se – digamos assim- novos softwares fossem experimentados. Os vínculos sociais do grupo foram fortalecidos, levando a uma solidarização ainda mais coesa, quando os recursos associativos de que dispunham começaram a ser explorados em maior profundidade pelo uso da capacidade de simbolizar.

Como dito, o modo pelo qual esse “Big-Bang linguístico” efetivamente sucedeu é um mistério que talvez nunca venhamos a resolver. Podemos admitir, de todo modo, que pelo uso ampliado e progressivo da fala cada palavra adquirida e praticada se tornou o gérmen de mais palavras. Cada geração humana deixava um legado de designações para a geração seguinte, que enriquecia por sua vez essa herança com novas nomeações, cada nova palavra servindo de atrator para outras – e para uma aceleração sem precedentes das inovações técnicas. Para Steven Milhen, este teria sido o contexto no qual as capacidades ancestrais de abordar o mundo – ou “inteligências” – começaram a ser flexibilizadas e combinadas por essa capacidade simbolotécnica muito aumentada.

Desde então, só nos humanizamos completamente pela participação ativa em um contexto técnico e linguístico cada vez mais enriquecido que chamamos de Cultura. Somos humanos quando partilhamos não somente a natureza corporal, física, biológica, fisiológica do gênero Homo, mas especialmente essa outra “natureza artificial”, coletivamente produzida. Nossos bebês só se humanizam por inteiro quando seus sistemas nervosos são colonizados e organizados pelas formas imateriais que habitam o campo do simbólico. Tão fundamental e constitutiva é esta atmosfera artificial que passa a envolver o ambiente coletivo que, tal como sucede com as dentições, toda criança se assenhoreia, na mesma idade, dos recursos básicos para o domínio de sua respectiva língua, independentemente da sofisticação ou da simplicidade que sua estrutura apresenta. Fluxos de palavras, de imagens, de artefatos recobrem os suportes nanirais de nossos ninhos; paulatina, mas irresistivelmente, o espírito humano constrói-se a si mesmo.

É conveniente, neste ponto, resumir o percurso empreendido até aqui na exploração, ou montagem, de nosso problema. Os avanços das Ciências contemporâneas sugerem que hoje sabemos descrever, de modo suficientemente confiável, a vasta sequência de processos pela qual a cultura humana surgiu; de modo sumário, somos capazes de dar conta do surgimento de uma totalidade evolutiva, identificada ao Universo astronômico, que denominamos de Cosmos, a partir de um estágio primordial instável, o Vazio; de como, ao longo da evolução das estruturas cósmicas, tiveram lugar as formações da Matéria; do surgimento, ao menos no caso particular do sistema complexo Terra, das organizações da Vida; e mesmo, ainda que somente da maneira esquemática que esboçamos acima, de como no âmbito das problematizações dos organismos puderam emergir as inovações do Pensamento. A originalidade dessa descrição não reside, porém, em sua abrangência e precisão (que são bastante impressionantes), e sim em seu caráter explicitamente não linear: cada um dos planos de desenvolvimento – cósmico, material, vital, cognitivo – apoia-se sobre os componentes e processos do plano anterior, mas não se reduz a eles; reciprocamente, os componentes e processos dos planos subsequentes afetam e potencializam seus próprios fundamentos. Estabelece-se assim uma rede de dobramentos e subsunções sucessivas que, segundo Ilya Prigogine, institui o campo da Complexidade como o novo território epistêmico em que deverão se basear as Imagens da Natureza produzidas pelo conhecimento contemporâneo.

O rebatimento complexo do pensamento sobre o mundo, porém, instaura questões intrigantes. É possível, e legítimo, fazer-se asserções científicas, isto é, objetivas e verificáveis, sobre eventos extremamente remotos no tempo (ou no espaço, o que dá no mesmo) – eventos como a formação da Terra, datada de cerca de 4,56 bilhões de anos. Aí vigorava então o silêncio completo da anterioridade do e ao pensamento, ou seja, da ausência absoluta da palavra. Surge eventualmente a Vida, e eras mais tarde o gênero Homo, e os primeiros momentos da simbolização. O paradoxo emerge a partir da constatação de que o pensamento pode dirigir-se às dimensões prévias do existir, cósmicas, materiais e vitais, e assim explorar territórios onde nunca pôde ser. Estes antecedentes são, por um lado, perfeitamente objetivos; e, por outro, acarretam a perspectiva de uma exterioridade radical e irremovível para o próprio pensar. Por outro lado, uma vez que possui o poder de se rebater sobre o mundo, a palavra pode estender-se sobre sua própria evolução constitutiva. Invenção que não para de fazer mais invenções, a palavra pode examinar-se a si própria como parte do processo de pensamento e discernir o horizonte sem fim – a Biblioteca ilimitada – que sua potência abrange. Mas à medida mesmo que o pensamento se expande sobre o mundo, doravante virá a suceder uma figura radicalmente original de silêncio – o silêncio do não dito. Este novo silêncio, o da palavra calada ou recolhida, recobre o silêncio ances tral e mudo da matéria, e o intensifica, ou texturiza, ou modaliza. Pois se antes o corpo do mundo nada podia dizer, agora sua impassibilidade exibe toda uma riqueza de significados e implicações em potencial; perante o pensamento, o silêncio torna-se a prosa mesma dos corpos.

Eis então os termos do problema: antes da palavra, o mundo era só silêncio, sem prosa. O silêncio é assim o fora da palavra, seu domínio de exterioridade topológica. Quando emerge a palavra, porém, o silêncio do mundo é suplementado pela variedade, digamos assim, transmutada, do não dizer. A potência do pensamento de fazer silêncio nos leva de imediato a interrogar o estatuto e a relação das duas modalidades de ausência da palavra: a mudez nua do corpo, o emudecimento prenhe do pensamento. George Steiner nos indica a complicação que advém logo a seguir: se abrimos o domínio da linguagem, se colecionamos e analisamos seus elementos, o que encontramos bem no miolo desta panóplia? A pausa. O entre as palavras. Tomemos um exemplo na música: uma peça musical é uma sucessão de sons tonalizados, que chamamos melodia, organizados segundo uma regra global de articulação, que chamamos de harmonia. Qual a precondição para que esta construção sonora seja experimentada como música? A consecutividade das notas, sua emissão encadeada numa sequência. Se todas fossem comprimidas em uníssono, se a cadeia fosse colapsada em uma única emissão, o resultado seria um bramido, tão momentâneo quanto intolerável. Ou seja, só há música porque ocorre na sucessão melódica algo que não é um som tonalizado, mas um vazio, um entrenotas que não é uma nota; um intervalo. Precisamente o mesmo vale para a linguagem: a (con)fusão do suporte físico aboliria todo o sentido; é porque as palavras se distinguem umas das outras por um intervalo, ou seja, por um silêncio, que o dizer é possível.

O problema revela assim uma nova dimensão de complexidade: o silêncio é o fora da palavra, mas o silêncio também é o dentro da palavra. O silêncio arcaico da matéria, o silêncio reiterado do entrepalavras: como sopesar seu distanciamento, ou sua imbricação? Há em outras culturas que, à diferença do Ocidente, não se fundamentam na exclusão dos paradoxos, vias de aproximação a esta ambiguidade problemática que podem nos servir de inspiração. Na tradição japonesa, em particular, nos deparamos com a noção de Ma. Seu ideograma é composto de duas janelas ou portinholas, através das quais, isto é, num entre-espaço, se vislumbra o sol. Esta é, para Michiko Okano, a figura definidora da natureza de Ma: entre-espaço, intervalo, passagem, pausa, inação, silêncio.

De fato, encontram-se aí combinadas instâncias que, para os ocidentais, têm escopo muito distinto: espaço e tempo, local e ocasião, possibilidade e oportunidade, bom-senso e verdade. Desta mescla de heterogêneos resulta a extrema dificuldade de se definir Ma como um conceito tradicional. Intervalo no espaço, vazio; mas também intervalo no tempo, pausa. Não movimento, inatividade; mas também condição e contexto para todo movimento. Enfim, fronteira – não no sentido de estrita demarcação de uma separação entre dois domínios, externo e interno, e sim como a zona que pertence simultaneamente a ambos, onde ambos os territórios se superpõem e coexistem.

Uma dificuldade adicional resulta de Ma, na cultura nipônica, ocupar a posição de um fundamento implícito da experiência cotidiana – como se fosse o componente de uma espécie de senso comum acerca dos fatos da vida. O mestre de dança, por exemplo, diz “hoje o Ma está bom” para denotar uma atmosfera coletiva propícia ao desempenho dos passos e gestos da peça que será executada. Toda tradução do termo para outras línguas, isto é, para outras culturas, é assim vista com reservas. Curiosamente, esta noção intraduzível está presente na representação ideogramática da ação de traduzir… Todavia, para o que nos interessa aqui, talvez a abordagem mais esclarecedora seja a de contrastar os sentidos que a noção de intervalo assume nos contextos do Ocidente e do Oriente, no caso de uma arte igualmente praticada: a música. Em nossa tradição pitagórica, o intervalo é a separação de duas notas. Caso as notas sejam retiradas ou abolidas, o intervalo se vai com elas (esta é também a concepção que vigora nas artes visuais: se apagamos as linhas de uma figura, a região que as separava se dissolve sem deixar, hmmm, traço). Desnecessário frisar que, quaisquer que sejam as notas escolhidas, o intervalo entre elas é sempre neutro, é sempre idêntico. O intervalo só existe, em suma, em função dos extremos que o balizam.

Na escola japonesa, bem ao revés, as notas são emitidas e recaem sobre algo que já está lá, e que não pode ser removido: Ma. Dito de outro modo, o Ma intervalo é anterior, e independente, dos termos extremos. Em consequência, não há a preocupação pitagórica de harmonizar os acordes ou suavizar a melodia; o que se busca é lavrar o Ma, enriquecê-lo de tensões e intenções, temperar esse quase existente que é condição de toda existência. O que o intérprete busca fazer soar, e o ouvinte busca desfrutar, é silêncio enriquecido dos intervalos. Encontramos o mesmo objetivo de ornamentar o vazio nas artes visuais: à esquerda do quadro, um fino ramo de bambu, em sua extremidade, uma cotovia; à direita, um amplo vazio, cheio da iminência do canto ou do voo. E também assim na arquitetura, na decoração, no cinema: Okano cita Tadao Ando, o arquiteto, e os diretores Ozu e Kitano como mestres da exploração do Ma em suas criações. Como num inverso do barroco, é nas ausências e vazios que esta arte Ma é mais abundante.

Edward T. Hall coleciona nada menos de nove sentidos distintos – isto é, variantes conceituais – que Ma costuma designar: origem, ligação, Universo (mistura de obscuridade e luz), abertura (ou elegância …), mudança, habitat, morte ou dissolução, estranheza, pausa. Todas essas noções têm nomes próprios que se ancoram nas tradições culturais nipônicas. No Teatro Nô há mais espaço atrás da cena que à frente, onde estão os personagens, porque atrás se localizam os espíritos ancestrais (Ma origem); os hashi, os palitos usados à mesa, levam o alimento à boca (Ma ligação)… Essa intensa ocorrência do vazio, que para nós ocidentais suscita não pouca perplexidade, indica na verdade o entendimento de que os fenômenos do mundo têm lugar a partir de uma pré-espacialidade informe, onipresente, e produtiva. Tudo o que pode acontecer emerge dessa multiplicidade prévia de possibilidades, à qual a alma japonesa dedica a mais fina sensibilidade.

A palavra possui assim um duplo poder: pode circunscrever um horizonte do dizível, um cosmos de enunciados envolto por um oceano de silêncio; e pode sondar o abismo mudo dela mesma, produzindo uma inteligibilidade sensível apta a pôr em contato o etéreo tecido do ainda possível com a densidade espessa do factual. A prosa do mundo requer, ao que parece, uma poesia do virtual. Talvez esta intuição possa ser resumida pela observação de John Barrow: hoje sabemos que pertencemos a um Cosmos, que o Pensamento emerge no Cosmos; mas exatamente por essa mesma razão, o Cosmos pertence ao Pensamento, o Cosmos emerge no Pensamento. Barrow exprime este entendimento por meio de uma citação de John Myhill (inspirada por sua vez em uma nota de Kurt Gõdel): “nenhuma descrição não poética da realidade pode ser completa”. Se a poesia é nossa pedta de toque, bem, sabemos que “o resto é silêncio”, no dizer de Shakespeare; mas para os brasileiros conviria aqui recordar também Caetano Veloso: “O silêncio é melhor do que tudo. Melhor que o silêncio só João Gilberto”.

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