1996

O sono da razão produz mostros

por Jorge Coli

Resumo

Entre a razão iluminista e a invasão francesa à Espanha, Francisco de Goya empreendeu a mais radical reflexão imagética sobre a razão no século XVIII. Não que ele se tenha limitado a adotá-la ou criticá-la cegamente; ele a representou em seu limite ou no que há nela de irracional e ilimitado. Diferente da sensação mais imediata que passa sua obra, pode-se conceber Goya como um intelectual das Luzes. Sua arte mesma.

A começar, cronologicamente, pela gravura intitulada A verdade revelada pelo Tempo e testemunhada pela História, pintada em 1797. Uma tríade que ressurge anos depois quando da proclamação de uma constituição liberal pela Junta de Cadiz. É a Alegoria sobre a adoção da constituição.

De que se tratava? De liberdade de pensamento e imprensa num país que sofreu muito com a Inquisição.

Emblemática da luz como razão e verdade é a gravura Os malandros temem os lampiões. Nela, a hidra da reação assusta-se com o lampião onde foram enforcados aristocratas e com o clarão que a palavra “Liberté” emite de cima. Goya foi, contudo, visto como feiticeiro que despertou monstros. Afinal, há os Caprichos, Os desastres da guerra, o ciclo negro etc. Natural que fosse associado aos românticos, ou seja, aos opositores do Iluminismo.

Afinal, de que lado estava Goya? Dos dois e de nenhum.

Para que se entenda isso, suponha-se, em primeiro lugar, a existência de uma arte própria à razão iluminista, a qual Goya não só foi indiferente como hostil. Superfícies nítidas e plásticas. Perspectivas, cores, matéria, luz… A partir de uma proposta rigorosamente analítica, imóvel, austeramente definida e banhada por uma luz homogênea. Nada mais estranho a Goya, dinâmico e expressivo, por meio de cores mescladas e pinceladas visíveis, que dissolvem, por trás dos glacis, coisas em meio a penumbras e claridades. Imagens, acima de tudo, sintéticas – brilhantes e eróticas.

Daí também temáticas originais como a fragilidade corporal (desde que uma misteriosa doença o acometeu) e seu contraponto, isto é, a beleza feminina, que também fenece. Consequentemente, o tempo, que reduz o homem ao efêmero de si mesmo.

Goya cede também aos Caprichos, cujo objetivo era denunciar o ridículo do costume, do senso comum e do interesse. Na fase negra, isso é levado ao limite, na forma de seres disformes, decrépitos, em assembleias abomináveis ou roídos pelo tempo. A razão é, então, atacada pela loucura congênita e generalizada.

Se a natureza da razão é universal, o que propõe Goya é que ela jamais poderá existir universalmente, uma vez que frágil e transitória. Seu reino não é, enfim, deste mundo.


O gênio de Goya situa-se numa encruzilhada, entre a crença na razão, engendrada pelo Iluminismo, e a violência da guerra, trazida pelo invasor francês: barbárie instituída em nome dessa mesma razão. Estiraçada ainda entre os prazeres sensuais e um corpo progressivamente tomado por enfermidades dolorosas, sua arte constitui certamente uma das mais radicais reflexões sobre o projeto de racionalidade para o mundo, concebido pelo século XVIII. Goya não faz a crítica, ou a condenação desse projeto, como os românticos o puderam fazer. A partir da dramática experiência vivida, da consciência do corpo, da descrença política, por meio da prática da pintura, da gravura, do desenho, mas sobretudo servindo-se da melancolia como ponto crítico, ele vai além — estabelece os limites angustiantes dos poderes da razão e instaura o irracional como universo ilimitado.

Devemos, no entanto, partir de um Goya avesso às trevas e sedento de luzes. Esquecemos frequentemente o quanto ele foi um artista que aderiu às ideias de reforma do mundo surgidas no seu tempo. Suas relações com o Iluminismo foram convictas. Elas se deram tanto através do ambiente intelectual que o pintor frequentava e pelos laços de amizade que criou como pelo empenho de sua arte, posta ao serviço dessas ideias e dessas reformas. Goya acreditou na liberdade, ele acreditou na razão presidindo os destinos do mundo.

Em 1989, uma exposição muito importante — acontecida em Madri, em Boston e em Nova York — assinalou quão fortes eram esses vínculos e essas crenças. Para comemorar o segundo centenário da morte do rei Carlos III, perfeito monarca esclarecido do século XVII, organizou-se a mostra intitulada justamente Goya e o espírito do Iluminismo. Dela resultou um catálogo que é notável instrumento de estudo sobre Goya e as preocupações racionalistas nas quais sua época estava imersa.[1] Nele, o pintor transforma-se num preclaro militante, sem ambiguidade nem incertezas.

Goya, um pintor que celebra e eleva a razão: os testemunhos disso são numerosos em sua obra. Em 1797, por exemplo, esboça a alegoria: A Verdade revelada pelo Tempo e testemunhada pela História.

Figure 1. Goya, A Verdade revelada pelo Tempo e testemunhada pela História (1797-1800). Boston, Museum of Fine Arts

O Tempo como entidade capaz de fazer surgir a Verdade é um velho tema das iconologias. Ele foi muito empregado na propaganda religiosa contra as heresias, por exemplo. Aqui, entretanto, uma dimensão moderna infiltra-se no discurso alegórico.

Das iconologias surge também a figura da História. Porém, se o vocabulário simbólico é antigo, a frase alegórica é nova. Ao testemunhar o surgimento da Verdade, o objeto da História deixou de ser o episódico, a biografia dos reis ou o desfilar das batalhas. Ele se manifesta agora como a irrupção daquilo que é verdadeiro dentro do fluxo aventuroso da humanidade, que entra numa era sub ratio. Mais ainda, o atributo por excelência da verdade é a luz, que luta com as trevas e seus terríveis habitantes. Goya concebe uma figura irradiante que afasta a noite e seus cúmplices inquietantes. Ora, nesse final do século XVII a luz tornara-se, por excelência, o emblema da razão, que se opunha ao obscurantismo. Essa composição assinala, portanto, o marco inaugural de um período que se inicia dentro da História, plenamente banhado pelas luzes da Verdade.

Em 1812, quando a Espanha estava sob o domínio dos franceses — esses franceses que, num momento, pareceram[2] ser os portadores históricos da nova era[3] — a Junta de Cádiz proclamara uma constituição liberal. Goya retoma o primitivo esboço da Verdade, o Tempo e a História, para realizar a Alegoria sobre a adoção da Constituição de 1812.

Figure 2. Alegoria sobre a adoção da Constituição de 1812 (1812-4). Estocolmo, Nationalmuseum

Agora, entretanto, a Verdade identifica-se com a Constituição que emerge, ainda uma vez, através das mãos do Tempo. A Liberdade torna-se mais específica, ao se vincular a esse instrumento destinado a impedir o arbitrário e o injusto.

Essa nova constituição proclamava, com clareza e evidência, a liberdade de pensamento e de imprensa, tema muito polêmico num país que sofrera fortemente o peso da censura religiosa da Inquisição. Goya vai assinalar essa nova conquista da racionalidade entre os homens com o desenho intitulado Divina Liberdade.

Figure 3. Goya, Divina Liberdade (c. 1812- 4). Madri, Museo del Prado

Nele, vemos um escritor — que tem diante de si os apetrechos para o seu mister, vestido na moda do tempo, com manto curto e pesado, coberto por um chapéu de abas largas. Ajoelhado, levanta as mãos para os raios de luz, por si só portadores da Liberdade: “Libertad natural y divina que yo tengo de opinar y de publicar francamente mis opiniones”, como escreveria, exatamente em 1820, Antonio Barnabeu, no seu livro España venturosa por la vida de la Constituición y muerte de la Inquisición.[4]

Mais alguns exemplos ligados à Constituição de 1812.

 

Figure 4. Goya, Lux ex tenebris (1812- 4). Madri, Museo de Prado

Em Lux ex tenebris, um personagem feminino que flutua traz em suas mãos o texto da carta, de onde emanam raios luminosos que lutam com as trevas, habitadas por seres inquietantes;

Figure 5. Goya, A Espanha constitucional perseguida pelos espíritos da escuridão (c. 1817-20). Madri, Museo del Prado

A Espanha constitucional perseguida pelos espíritos da escuridão, de 1817; A verdade morreu e Ressuscitará?, onde, depois de enterrada, a verdade, que é ao mesmo tempo a Constituição, ressurge luminosa entre as trevas (1820-3); A chegada da Justiça, onde a balança simbólica surge sozinha, trazendo a luz em meio à escuridão.

Figure 6. Goya, Desastres da guerra; Ressucitará (c. 1820-3) (prova de trabalho). Boston, Museum of Fine Arts

Figure 7. Goya, Desastres da grerra; Ressuscitará (c. 1820- 3) Prova de trabalho. Boston, Museum of Fine Arts

Figure 8. Goya, A chegada da justiça (c. 1812- 4). Madri, Museo del Prado

Essa emblemática solar da razão e da verdade não é, de modo algum, singular. Ela participa de uma topologia iconográfica que nasce com a Revolução Francesa para vir se espraiar até o século XIX, muito popularizada através da gravura nos inícios, indo conquistar as telas mais elaboradas em seguida, e os monumentos públicos ao longo do século XIX. Assim, Os malandros temem os lampiões, onde a hidra da reação assusta-se ao mesmo tempo com o lampião onde se enforcavam os aristocratas, mas sobretudo com a vaga imensa de luz, que se expande a partir da palavra Liberté inscrita no céu.

 

Figure 9. Anônima,  Alegoria sobre a Constituição de 1793. Paris, Bibliothèque Nationale

Assim, numa aquarela de 1793, alegoria onde a Constituição se identifica com a Liberdade, de cuja cabeça se originam ondas luminosas que expulsam estranhos pássaros antropocéfalos — parecidos, por sinal, com os que Goya criaria em seus Caprichos, mais precisamente no Vão embora depenados e em Todos cairão.

Figure 10. Goya, Caprichos, Vão embora depenados (1799)

Figure 11. Goya, Caprichos; Todos cairão (1799)

Assim, o admirável esboço de Réattu, pintor do final do século XVIII, intitulado A Liberdade percorrendo o mundo, onde o avanço das ideias iluministas — Minerva, que indica o caminho a uma Liberdade carregada por quatro jovens livres e franceses, portadores de um barrete frígio tricolor — é acompanhado por um gênio da luz, que afasta a escuridão e seus monstros.

Figure 12. Réattu, A Liberdade percorrendo o mundo. Arles, Musée Reáttu

Notemos aqui, de passagem, que, para avançar, essa Liberdade é precedida pela Guerra, e deve pisotear cadáveres. Não há dúvida sobre essa figuração: o caráter de expansionismo militar, que a Revolução Francesa mais acentuadamente adquirirá com as campanhas de Bonaparte, pressupõe o massacre — Goya, melhor do que ninguém, retratará o sacrifício no seu 3 de maio.

A luz identificada com a razão libertadora torna-se um lugar-comum. Do brasão argentino, que, inspirado na simbologia revolucionária, vem coroado por uma chama luminosa, até a Liberdade iluminando o mundo, concebida por Bartholdy, que a França oferecerá aos americanos em 1884. O triunfo da claridade sobre as trevas, herdado do Iluminismo, é celebrado reiteradamente por obras demonstrativas de uma tradição consolidada.

Goya associou-se, portanto, de modo muito evidente, aos pensamentos e aos temas vinculados ao Iluminismo, à Revolução Francesa. É inútil insistirmos nessa ligação, como não é preciso enunciar os numerosos retratos que mostram o círculo de amizades liberais e “filosóficas” ao qual o pintor pertencia e que ele homenageava com sua arte. Basta escolhermos aqui a admirável imagem de Juan Antonio Llorentedo MASP —, pintada por volta de 1810 e 1812.

Figure 13. Goya, Retrato de Juan Antonio Llorente (c. 1810-2). São Paulo, MASP

Llorente foi um intelectual destacado no movimento iluminista: comissário da Inquisição, ele projeta primeiro uma reforma do tribunal para, em seguida, atuar no sentido de efetuar sua supressão. Ele escreverá uma obra cujo título, por si só, é significativo: Historia critica de la Inquisición en España. Goya o representa ostentando a Orden Real de España, condecoração em realidade instituída pelo governo do ocupante francês — Goya também a receberia em 1811. Com a restauração de Fernando VII, Llorente terminará exilado na França, acusado de traição e de colaboração com o inimigo.

Em suma: Goya, por tudo isso, está imerso no espírito do Iluminismo e mantém fortes laços com as convicções racionalistas. Porém, é muito evidente que qualquer pessoa, por pouco que esteja familiarizada com a sua obra, dificilmente poderá aceitá-la como uma celebração da racionalidade. Goya foi o feiticeiro que suscitou horrendos monstros com a vara mágica de seu pincel, Goya povoou sua própria casa — a Quinta del Sordo — com pesadelos sombrios pintados nas paredes, Goya nutriu a imaginação romântica com fantasmas arrepiantes. Com os Caprichos, com Os disparates, com Os desastres da guerra, com as pinturas negras, com o 3 de maio, em que Goya, o “afrancesado”, denuncia a violência do exército francês, é mais fácil percebê-lo na companhia dos românticos, que foram os grandes opositores dos iluministas e do projeto que salvava o mundo pela razão. Os românticos procederam muitas vezes a uma condenação impiedosa desses caminhos — ou melhor, desses descaminhos, como pensavam — e encontraram em Goya um de seus faróis, como escreveria Baudelaire.

Goya, cauchemar plein de choses inconnues,

De fœtus qu’on fait cuire au milieu des sabbats,

De vieilles au miroir et d’enfants toutes nues,

Pour tenter les démons ajustant bien leur bas.*

Estamos portanto diante de uma evidente contradição. Os especialistas nos falam de um Goya imbuído do espírito das Luzes; os românticos encontram nele, ao contrário, uma irracionalidade poderosa, que sua obra parece comprovar. Talvez ambos estejam, até certo ponto, certos. O que não impede que Goya tenha, em verdade, ido além desse antagonismo entre razão e desrazão para, através de sua obra, pensá-lo de modo mais profundo.

Comecemos por constatar a existência de uma arte própria à razão iluminista, que promoveu uma reforma dos meios picturais, reforma à qual Goya não é apenas indiferente, mas hostil. Foi David quem determinou a severidade daquilo que veio a se chamar neoclassicismo em pintura. Arte reflexiva, intelectual, do desenho; arte concebida em etapas lentas, necessitando de estudos parciais muito desenvolvidos; arte das superfícies nítidas e plásticas, onde a pincelada se dissimula cautelosamente; arte onde volumes, superfícies, cores, matérias e luz são tratados cada qual por si, num projeto rigorosamente analítico; arte de um mundo concebido na imobilidade, segundo formas austeras banhadas numa luz homogênea que nem sequer pressupõe a escuridão. Arte que celebra o saber moderno, científico.

Arte com a qual David retrata Lavoisier e sua esposa em 1788 . No quadro, a profundidade é reduzida, de maneira a ser mais bem controlada; ela é interrompida por uma parede, que estabelece um paralelismo estrito entre o fundo e a superfície do quadro. Nesse fundo se inscreve o jogo ortogonal das pilastras e da base. No primeiro plano, a relação mantida entre personagens e objetos retoma composição feita de verticais e horizontais — tampo da mesa, os instrumentos de química, o pé da cadeira —, às quais são inseridas oblíquas também paralelas — dobra da mesa, perna de Lavoisier, álbum de desenhos sobre a cadeira. Acrescentem-se as formas arredondadas do vestido, a esfera do globo de vidro transparente aos pés do cientista, a curva discreta sobre a qual se apóia o braço da cadeira, acrescente-se o tom sóbrio do fundo, onde se destacam, em contraste calculado, o vermelho, o preto e o branco levemente animado por um pouco de azul, e obtém-se esse admirável jogo de equilíbrios simples e sutilíssimos. A natureza-morta sui generis — moderna e fascinante —, feita de objetos científicos cuja pureza da forma se dá na transparência do cristal, nos transporta para um modo de pensar que nos promete a harmonia dentro da racionalidade científica.

Figure 14. David, Retrato de Lavoisier e sua esposa (1788). Nova York, The Metropolitan Museun of Art

Goya opõe-se, em tudo, a essa pintura lisa, nítida e refletida. Ele nunca rompeu com as técnicas da pintura do Antigo Regime, que David destronara. Essas técnicas lhe ofereceram a rapidez da execução, o papel dinâmico e expressivo das pinceladas, os efeitos de uma mescla de cores — entretecidas pelo rastro do pincel — nos quais as superfícies das coisas se dissolvem por trás dos glacis, no jogo das penumbras e dos claros, onde nada é tátil. Arte que prescinde da análise meditada, e que surge da síntese de todos os elementos a um só tempo, operada pela intuição certeira do pintor virtuose. Arte do sentimento da luz e da atmosfera percebida. No Auto-retrato em seu ateliê, realizado nos últimos anos do século XVIII, a superfície opaca de uma parede não se inscreve como fundo, mas dá lugar a uma enorme vidraça, cuja geometria dos caixilhos se dissolve na luminosidade saturada.

Figure 15. Goya, Auto-retrato em seu ateliê (c. 1790-5). Madri, Real academia de Bellas Artes de San Fernando

O brilho dos tecidos e os ornamentos rutilantes no retrato da família de Carlos IV, os afrescos de Santo Antonio de la Florida, datados de 1798, onde Goya será o último dos grandes pintores a empregar essa técnica considerada arcaica pelos modernos neoclássicos, e onde a pincelada ampla e vigorosa cria grandes personagens em escorços próprios à tradição decorativa, mostram o quanto Goya é o portador de uma tradição.

Goya é também o herdeiro de uma certa felicidade erótica própria aos pintores da nobreza — os Fragonard, os Boucher — que o Iluminismo combatia em nome de um novo comportamento moral estrito, e onde via os sinais de irremediável dissolução dos costumes. Ele amava as formas femininas, que a pintura neoclássica tentava afastar, e produziu os dois célebres e perturbadores quadros — a Maja nua e a Maja vestida — que, em sua mútua relação, atualizam o tema cultural do nu ideal, jogando com a ocultação e com a revelação trazidas pelas roupas. Ele foi também, durante toda sua carreira, o autor dos mais belos dentre os retratos de mulheres que a história da arte registrou. Em 1805 nos revela a sensualidade calorosa de Isabel de Porcel, e, em 1827, pouco antes de sua morte, com 81 anos, a altíssima poesia da Leiteira de Bordéus.

Portanto, as simpatias “filosóficas” de Goya não significaram uma adesão à nova pintura que o Iluminismo revolucionário inventara, à sua estética e à sua poética. Ele se manteve fiel à tradição da sensualidade feliz que o Antigo Regime criara, numa versão mais franca e mais direta.

Porém a arte de Goya fará com que, sem negá-los, ele metamorfoseie esses dois elementos que lhe foram constitutivos: a escolha intelectual pela racionalidade iluminista, por um lado, e, por outro, a técnica pictural exercida pelos artistas do Antigo Regime, tão própria a criar paraísos sensuais. Não é possível desvincular essas mudanças, que conferirão uma outra natureza às suas obras, de duas violentas experiências de vida.

A primeira é a da fragilidade do corpo, do próprio corpo. No final de 1792, contrai uma doença gravíssima, de natureza imprecisa, que o deixa surdo, e que o atormentará continuamente. Embora ele tenha procedido em seus desenhos e gravuras, dentro de uma antiga tradição da literatura espanhola, a uma sátira impiedosa do médico incapaz, que figura ali como o aliado das Parcas, como o matasanos, e que fora também satirizado, no século XVII, através da comédia O doente imaginário, de Molière — crítica que surge com evidência na conhecida gravura da série Caprichos, intitulada De que mal morrerá —, Goya mostrou, ao contrário, num de seus quadros mais comoventes, um vínculo grato e afetuoso com o dr. Arrieta. Esse médico cuidou em um momento crítico da saúde do pintor, e Goya concebe uma tela como se fosse um ex-voto, com uma inscrição na parte inferior: “Goya agradecido ao seu amigo Arrieta: pelo acerto e esmero com que lhe salvou a vida em sua aguda e perigosa enfermidade, padecida nos finais do ano de 1819, aos 73 anos de sua idade. Pintou-o em 1820”.

Figure 16. Goya, Caprichos; De que mal morrerá (1799)

Figure 17. Goya, Goya, sendo atendido pelo dr. Arrieta (1820). Minneapolis, the Minneapolis Institute of Arts

Note-se, entretanto, que Goya não nos oferece uma imagem de si recuperado da moléstia. Ao contrário, mostra-se em plena crise, com a mão crispada num espasmo angustiante, com o rosto muito pálido, marcado por expressão de abandono doloroso. Essa extraordinária tela testemunha a experiência de sofrimento, trazida a Goya por seu corpo. O sentimento da debilidade corpórea, a presença experimentada da dor estão opostos ao veemente prazer físico contido em seus quadros eróticos. Goya não deixará nunca de criar as belas formas femininas que o encantam e agradam. Mas a fragilidade do corpo é assinalada em contraposto (As velhas interrogando o seu espelho) — toda beleza fenece, o vigor da juventude é transitório, loucos aqueles, como a velha no espelho, que desconhecem o caráter transitório de si mesmo.

Figure 18. Goya, As velhas interrogando o seu espelho (Até a morte – As velhas e o tempo) (1808-10). Lille, Musée des Beaux-Arts

A imagem do tempo capaz de revelar a verdade torna-se para ele a entidade obsessiva e impiedosa que reduz o homem ao efêmero de si mesmo. Passa-se da experiência física a uma consciência propriamente ontológica da crueldade do estar no mundo: numa das decorações para sua Quinta, o velho tempo transforma-se num Saturno, num deus Cronos monstruo so, que devora seus próprios filhos. O tempo é aquele que engendra, o pai absoluto que traz à existência para depois destruir sua prole.

Figure 19. Goya, Pinturas negras da Quinta del Sordo: Saturno (1821-3). Madri, Museo del Prado

Essa fragilidade corpórea de que somos feitos carrega consigo uma des proporção diante das ambições da inteligência. A razão nos fala de verdades eternas e absolutas, mas que se situam num mundo incorpóreo, portanto, sem desejos e sem dores, sem começo nem fim, isto é, sem tempo e sem transitoriedade. Pensemos ainda nos personagens de David, incorruptíveis de corpo e alma, que atingem a eternidade por meio de uma arte que aboliu o tempo para deixá-los incólumes em ícones exemplares: seu avesso crítico, nós o encontramos nessa temporalidade obsessiva da pintura de Goya. A arte do instante efêmero, gracioso, erótico e melancólico da pintura do Antigo Regime foi aqui transformada, radicalizada, tornou-se o horrendo fundamento de nossas existências.

Além do corpo singular, existe o corpo coletivo: a experiência da história feita em nome da razão é inexorável e sangrenta. As simpatias iluministas de Goya levaram-no a aproximar-se do invasor francês. Em 1808, entretanto, esse invasor vai reprimir furiosamente uma insurreição que ocorre em Madri. Goya passa a testemunhar as abominações que resultam das lutas de guerrilha no território espanhol. Cria então, desde 1810, a série de gravuras dos Desastres da Guerra,  onde tudo se mescla diante das violências hediondas, provocadas pela loucura da guerra.

Figure 20. Goya, Desastres da guerra (Grande façanha! Com mortos!) (1810-4). Boston, Museum of Fine Arts

Mas os acontecimentos prosseguem, inesperados. A queda de Napoleão inverte as situações. Goya, suspeito de ser um “afrancesado”, pinta duas grandes telas patrióticas — o 2 e o 3 de maio. Nesta última, a concepção geral guarda tão poucos sinais de circunstância que o episódio desaparece por trás da imagem da violência militar — qualquer que ela seja —, alinhada, ordenada, escondida na sombra, sobre suas vítimas em desordem, vulneráveis, de peito aberto, clamando com gestos de desespero. Goya generaliza. Em verdade, torna-se cada vez mais difícil tomar partido.

Esses quadros, pintados seis anos depois dos acontecimentos, contribuíram para limpar qualquer mácula que porventura Goya pudesse trazer de seu contato com os franceses durante a ocupação. Mas o caráter universal que possuem faz com que assinalem, de modo poderoso, o conflito entre a liberdade e a ordem repressiva.

Fernando VII — personagem “muito estúpido e muito mau”, como o qualificava Napoleão Bonaparte — termina por ser obrigado a aceitar a Constituição que a Junta de Cádiz proclamara. Mas ele fará apelo às forças reacionárias da Restauração francesa, e é reinstalado em Madri com poderes absolutos. Na capital, o povo — o mesmo povo de conservadorismo fiel que Goya pintara fuzilado e massacrado pelos soldados de Napoleão — aclama seu rei aos gritos de “Viva a Inquisição”, “Abaixo a Constituição”, e mesmo “Vivan las cadenas”! Faltou apenas o “Viva la muerte”, que ecoou em nosso século. Então Goya, primeiro pintor de câmara do rei deste 1799, pede licença para deixar Madri sob pretexto de razões de saúde: deve tomar águas em estâncias francesas. Continua a receber a pensão que lhe é devida pelo trono, voltará algumas vezes a Madri, mas mora em Bordéus, em meio a outros exilados liberais.

O trágico da história e o trágico de si não anulam o princípio da razão em seu espírito. Apenas, o triunfo da racionalidade parece inalcançável. Ele se revela enquanto virtualidade nostalgicamente desejada, capaz apenas de mostrar os horrores do mundo enquanto horrores.

Se os acontecimentos por ele vividos não foram de natureza a inspirar confiança no triunfo de um mundo regido harmoniosamente pelo pensamento, se os desencantos e dores levam-no a experimentar a fragilidade física, a noção de racionalidade não fica, em sua obra, destruída. Em verdade, Goya engendra monstros em nome da razão, dessa Divina Razón que, num desenho de 1812, açoita os corvos da irracionalidade, para não dejar ninguno.

Figure 21. Goya, Divina Razão: não deixes nenhum (c. 1812-4). Madri, Museo del Prado

Em 1799, concebe uma série de gravuras intitulada Caprichos — o que significa obras engendradas por uma imaginação solta. O texto que apresenta a série — redigido ou não pelo pintor, pouco importa — possui uma característica eminentemente iluminista:

Persuadido o autor de que a censura dos erros e vícios humanos (ainda que pareça própria à eloquência e à poesia) pode ser também objeto da pintura, escolheu como temas de sua obra, entre a multiplicidade de extravagâncias e desacertos comuns a toda sociedade civil e entre as preocupações e embustes vulgares autorizados pelo costume, ignorância ou interesse, aqueles que acreditava mais aptos a fornecer matéria para o ridículo e exercitar, ao mesmo tempo, a fantasia do artífice.

O costume, a ignorância, o interesse — eis o que deve ser fustigado em nome do projeto racional. A crítica — eis o objetivo.

Mas essas gravuras suscitam os próprios monstros que desejam exorcizar. À caça de dentes  quer denunciar a superstição, mas instaura um clima de grotesco pavor, jogando com a beleza da jovem e o cadáver do enforcado; Que venha a cuca busca assinalar os desacertos de uma educação supersticiosa, mas nos faz ver, como num pesadelo, o monstro aterrador; em Sopra, as práticas imaginárias das bruxas desencadeia estranhezas escatológicas. A enfermidade da Razão, desenho preparatório para uma outra gravura dos Caprichos, revela um aspecto dos procedimentos criadores de Goya que nos interessa aqui. No desenho, a aristocracia inútil, aprisionada em seus brasões, é alimentada por alguns personagens, num espaço de arquitetura ampla, que evoca um castelo. Na gravura, intitulada Os Chinchillas — nome de uma família ridícula, com pretensões à nobreza, inventada por José de Cañizares numa de suas comédias —, Goya simplifica, não situa a cena, que, por isso mesmo, torna-se muito mais inquietante nos seus jogos de sombra. Os nobres apresentam um estranho aparelho na cabeça que lhes parece fechar a inteligência, e são alimentados por um fantasma com orelhas de burro: a ignorância. A eliminação dos detalhes provoca uma concentração de força nas figuras, embora, em contrapartida, essa supressão de sinais compreensíveis acentue o caráter de pavor misterioso e desconhecido.

Figure 22. Goya, Caprichos – À caça de dentes (1799)

Figure 23. Goya, Caprichos – Que venha a cuca (1799)

Figure 24. Caprichos – Sopra (1799)

Figure 25. Goya, A enfermidade da Razão (1797-8)

Figure 26. Goya, Caprichos, Os Chinchillas (1799)

O projeto castigat mores, explicitado no anúncio dos Caprichos, é completamente anulado pela gravura central da série, a mais célebre de todas, e a única que comporta uma inscrição: El sueño de la razón produce monstruos.

Figure 27. Goya, Caprichos – El sueño de la razón produce mostruos (1799)

Os caprichos são produtos de uma imaginação ao mesmo tempo descontrolada e criadora: Georges Levetine[5] lembra a possível relação com uma ilustração do século XVII, para uma edição de obras de Quevedo, poeta e dramaturgo espanhol. Com os olhos cerrados, como se estivesse sonhando, o escritor apóia-se numa mesa, da qual pende um letreiro anunciando: “Los sueños de d. Francisco de Quevedo”. A composição é evidentemente próxima da gravura de Goya. Em ambas, o ato produtor — pouco importa se desregrado — vem dos abismos oníricos.

Figure 28. Los sueños de d. Francisco de Quevedo (1699)

Uma outra referência, aparentemente contraditória com a ideia precedente, é a do frontispício para o segundo tomo da Filosofia, de Jean-Jacques Rousseau. De novo a composição possui afinidades com a de Goya. Notemos que o símbolo da luminosidade racional é aqui retomado: o filósofo por excelência do Iluminismo é aclarado por uma luz intensa que o Deus trinitário expande. A luz envolve, embebe, exalta o pensamento do escritor.

Figure 29. Frontspício para o segundo tomo da Filosofia de Jean-Jacques Rousseau (1793)

Avancemos pelas metamorfoses propostas por Goya a esses polos. Ele deixou dois projetos para esse capricho. No primeiro, o pintor dorme, debruçado sobre uma mesa. Trata-se de Goya — dentre os objetos expostos, uma gravura que ele próprio traçara, a partir do retrato equestre da rainha Margarida da Áustria, pintado por Velásquez. Não é de Deus que emanam os raios de luz, mas da cabeça do artista. Seu próprio retrato se forma em meio à luminosidade, que parece afugentar seres fantásticos, dentre eles um morcego. Aos pés do artista, um lince, simbolizando o olhar agudo e vigilante que atravessa os negrores.

No segundo, tudo se ordena melhor. No pedestal onde o artista se debruça vemos escrito: “Idioma universal. Desenhado e gravado por Fco. de Goya”, e, na margem inferior: “O autor sonhando. Seu intento é apenas desenterrar vulgaridades prejudiciais, e perpetuar com esta obra de caprichos o testemunho sólido da verdade” — a crítica racionalista parece persistir. Um planeta claro penetra no canto esquerdo superior — mas esta luminosidade não convence tanto. O planeta não possui raios penetrantes, mas porta, como a Lua, sua própria claridade, que não parece afugentar os alados filhos das trevas. Goya mantém sempre o lince de olhos arregalados. Chegamos a uma situação próxima à que descreve Quevedo num prólogo para uma de suas comédias:[6] “Caí dormindo. Logo que a alma desembaraçada se viu ociosa, sem a tarefa dos sentidos exteriores, me investiu desta maneira a seguinte comédia; e assim a recitaram meus poderes obscuros, sendo eu para mim auditório e teatro”. Trata-se menos de um sono que de um transe criador.

Figure 30.  Goya, primeiro estudo (canto superior) e segundo estudo para El sueño de la razón produce monstruos (1797). Madri, Museo del Prado

Mas na versão definitiva tudo muda. Não há mais luz, de espécie alguma. O lugar do imenso planeta no canto esquerdo ficou reservado, estabelecendo uma região onde não voam os seres noturnos. Mas tudo se cobriu de sombras. O artista dorme apoiado a uma base e instrumentos de desenho: papel e compasso. Notemos que o compasso é o instrumento para trazer, no mundo sensível, o círculo, forma suprema da geometria abstrata. Por trás dele, morcegos e corujas, que não são aqui, de modo algum, pássaros de Minerva. No canto esquerdo a inscrição: “El sueño de la razón produce monstruos” (O sono da razão produz monstros). Porque a razão dorme, e sua luz se apaga. Isso pressupõe, portanto, um esforço áspero de vigília, enquanto a noite, o obscuro, o monstruoso, existem por direito natural, prévios a qualquer racionalidade. Ao invés do triunfo do pensamento verdadeiro da razão, da claridade que invade para sempre o universo, o que se descobre é uma predominância invencível das trevas. Situação angustiada: a falha da vigília determina a invasão do irracional. Os olhos arregalados do lince nos falam dessa angústia: a da frágil razão que deve manter-se alerta, embora não o consiga. Minúscula luz bruxuleante diante do negror espesso. Se notarmos bem, mesmo nas suas obras onde a Liberdade ou a Constituição são luminosas, essa luz nunca é triunfante, mas possui um caráter agônico, uma existência dificultosamente obtida diante do escuro.

O homem é assediado pelas trevas. As Pinturas negras, que Goya realizara para decorar sua residência, a Quinta del Sordo, são terríveis. Seres disformes, decrépitos, em assembleias abomináveis, ou roídos pelo tempo, executados com a desenvoltura com a qual Fragonard ou Boucher pintavam suas belas mulheres, mas empregando aqui cores escuras e sujas. A razão é atacada pela loucura congênita dos homens e pela própria condição humana submetida ao tempo destruidor, à doença, à infelicidade. E aqui não se trata de uma luta de abstrações. Ela existe dentro de um ser que é assediado por forças contra as quais ele nada pode, forças que existem dentro do mundo e dentro dele próprio. Se as Pinturas negras decoravam a Quinta del Sordo é porque elas estavam numa relação direta com o homem que morava ali. Goya faz emergir os monstros que tem dentro de si e que percebe no mundo, dando-lhes uma existência visual. Reveste com eles as suas próprias paredes e assim instaura simbolicamente uma luta que, perdida de antemão, deve ser travada sem descanso. Em verdade a razão não pode, não deve dormir.

Se a natureza da razão é universal, a obra de Goya parece nos dizer que ela não poderá nunca existir universalmente, porque é debilíssima e só surge em circunstâncias transitórias. Seu lugar é o do ideal e da perfeição, que 
existe apenas por obra de algumas condições rápidas e privilegiadas: seu reino não é o deste mundo.

Certamente a razão é capaz de proezas. Nos tempos de Goya o homem pudera enfim voar, alçando-se nos ares por meio de balões. Prodigioso triunfo da ciência e do engenho. Vários artistas trataram a esfera levíssima e flutuante. Goya também pintou uma dessas montgolfières que desliza serenamente no céu. Nós vemos aqui reunidos a técnica da pintura atmosférica e a celebração iluminista de um saber que vence a natureza. Mas, embaixo, a paisagem é escarpada, com montanhas e penhascos dobrando-se em arestas vivas e movimentos bruscos. Nela, os homens são minúsculos, dificilmente perceptíveis. Alguns apontam para o céu, outros perseguem o balão, a cavalo e no galope. Mas aquele magnífico objeto de formas regulares, fruto de uma geometria feita técnica e progresso, é inalcançável.

David representara Lavoisier, o cientista aristocrático, num mundo de harmônico equilíbrio. Goya celebra também o homem de ciência, ao seu modo porém, fazendo de Galileu o símbolo do saber moderno martirizado pelas forças do obscurantismo, no desenho que se intitula Por descobrir o movimento da Terra.

Figure 31. Goya, Por descobrir o movimento da Terra (c. 1810-4). Madri, Museo do Prado

Resta então ao pintor mergulhar nos terrores, se ele não consegue celebrar, como David, o triunfo da Razão. Seria impossível examinar aqui a gama atroz que Goya desdobrou diante dos nossos 
olhos. São os selvagens antropófagos (Selvagens — Os cadáveres dos jesuítas Brebeuf e Lallemant mutilados pelos iroqueses, 18005), opostos aos de Rousseau, que mostram, livres da civilização, o fundo torpe dos instintos humanos; são os seres doentes e aprisionados em cárceres sombrios (Interior de prisão, 1810-2  — Pátio de um hospício), são os velhos imundos e ignóbeis, as feiticeiras sórdidas (Aonde vai mamãe? — ). Se amanhece, vamos embora, dizem os monstros em um dos Caprichos. No mundo de Goya, o dia é apenas ausência da noite.

Figure 32. Goya, Selvagens – Os cadáveres dos jesuítas Brebeuf e Lallement mutilados pelos iroqueses (1800-5). Besançon, Musée des Beaux-Arts

Figure 33. Goya, Interior de prisão (1810-2). Durham, The Bowes Museum

Figure 34. Goya, Pátio de um hospício (1793-4). Dallas, Meadows Museum

Figure 35. Goya, Pinturas negras da Quinta del Sordo- Velhos (1821-3). Madri, Museo del Prado

Figure 36. Goya, Caprichos – Aonde vai mamãe? (1799)

Figure 37. Goya, Caprichos – Se amanhece, vamos embora (1799)

A exploração desse universo horrendo traz, no entanto, uma prodigiosa carga de fascínio e atração. Sinal de que estamos definitivamente comprometidos. A razão pode ser o objeto de uma aspiração voluntária, mas Goya nos mostra que os horrores de que somos feitos são tanto mais perenes quanto são, para nós, irresistíveis.

 

[1] Alfonso E. Pérez Sánchez & Eleanor A. Sayre (dir.), Goya and the spirit of Enli ghtenment, Boston/Toronto/Londres, Bulfinch Press/Little, Brown and Company, 1989.

[2] Nesse momento extremamente complexo da história espanhola, depois das insurreições de 1808, um grupo contando com vários liberais leva para Cádiz a junta suprema insurrecional da Espanha. Esse governo, de espírito liberal, inspirava-se nos ideais da Revolução Francesa e não se opunha à renovação social, mas não queria vê-los impostos pelos invasores. Em 1812, a Junta de Cádiz proclama uma constituição, abolida por Fernando VII quando de seu retorno em 1814, e imposta ao rei em 1820 pelos liberais que conseguem tomar o poder pelas armas. Essa constituição vigorará até 1823, quando a França dos Bourbon intervém para a restauração do absolutismo.

[3] Desde 1808, quando Napoleão instalava seu irmão José como rei da Espanha, satisfazia os anseios liberais e iluministas, suprimindo os tribunais da Inquisição, os direitos feudais, as alfândegas provinciais, os tribunais senhoriais e dois terços dos conventos.

[4] Apud Alfonso E. Pérez Sánchez & Eleonor A. Sayre (dir.), op. cit., p. 240.

[5] Apud idem, ibidem, p. 111.

[6] Francisco de Quevedo, Sueños — La visita de los chistes (prólogo), apud Alfonso E. Pérez Sánchez & Eleanor A. Sayre (dir.) op. cit., p. 111.

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