2012

Sobre o direito à preguiça

por Marilena Chaui

Resumo

A denúncia do trabalho alienado e a crítica do trabalho assalariado não só sustentam “O direito à preguiça”, de Paul Lafargue, como o esclarecem. É porque se trata de mostrar ao trabalhador que é ele o produtor do capital que Lafargue insiste tanto na chamada superprodução, que o burguês, sozinho, não consegue consumir e que o proletariado está proibido de consumir porque seu salário e o tempo gasto nessa produção não lhe dão direito a isso. Eis por que Lafargue insiste também no contrário à situação existente, isto é, no que poderia ser o uso racional das máquinas, pois, com ele, a jornada de trabalho poderia ser reduzida a menos de duas horas diárias. Se assim não acontece, escreve ele, é porque os proletários deixaram-se dominar pela religião do trabalho e pelo dogma de uma burguesia ociosa e consumista que afirma ser o trabalho sacrossanto e virtuoso, quando, na realidade, ele é o motivo de todas as misérias da classe operária. Elas que crescem na proporção direta ao crescimento da riqueza por ela produzida. A riqueza é, pois, socialmente produzida, mas sua apropriação não é social e sim privada, ficando nas mãos dos detentores dos meios de produção.

Por isso, “O que se segue à superprodução” constitui o capítulo central de “O direito…”. A sociedade burguesa, escreve Lafargue, condena o proletariado à abstinência de todos os bens e prazeres e condena a burguesia ao superconsumo do que é produzido em quantidades cada vez maiores, tanto pela introdução das máquinas como pelo aumento da jornada de trabalho. Assim, o proletariado é um superprodutor faminto e miserável, doente, vivendo em condições que nem mesmo animais aceitariam, enquanto o burguês é o não produtor superconsumidor, ocioso e farto, rodeado de uma “classe doméstica” cada vez mais numerosa, dedicada à satisfação de seus gostos e prazeres dispendiosos e fúteis. São cozinheiros, faxineiros, servidores de mesa, aias e amas, mordomos e governantas, preceptores, cocheiros e motoristas, jardineiros, costureiras, bordadeiras, cabeleireiros, manicures, maquiadores, chapeleiros, livreiros, decoradores, luveiros etc.

Como a burguesia e seu exército de servidores não bastam para consumir toda a produção, passa-se a exportá-la para outros continentes, o que, pelo seu turno, exige que neles se criem necessidades fictícias de consumo, cujo monopólio garante-se por meio de guerras coloniais. No entanto, nem mesmo isso é suficiente, pois a produção não cessa de crescer. Baixa-se então a qualidade dos produtos de modo a diminuir sua durabilidade, uma falsificação ou uma fraude necessária à lógica do capital.

Visto que os operários estão completamente dominados pelo vício do trabalho e que nada os convence a abandoná-lo, que solução propor? A redução da jornada de trabalho para menos de duas horas diárias. Expediente viável porque se, de um lado, há a abundância de matérias-primas e produtos; do outro, há as máquinas. Isso feito, não só haverá pleno emprego como, sobretudo, “não esgotados de corpo e espírito, os homens começarão a praticar as virtudes da preguiça”.

Eis mesmo o momento decisivo de “O direito…”: o sentido inverso que Lafargue impõe aos valores burgueses e operários, pois, agora, o trabalho é considerado um vício diabólico, e a preguiça, mãe das virtudes. Que virtudes a preguiça engendra? O prazer da vida boa (a boa mesa, a boa casa, as boas roupas, festas, danças, música, sexo, ocupação com as crianças, lazer e descanso) e o tempo para pensar e fruir da cultura, das ciências e das artes. Disso resulta o desenvolvimento dos conhecimentos e da capacidade de reflexão que levará o proletariado a compreender as causas reais de sua situação e a necessidade histórica de superá-la numa sociedade nova.


I

A preguiça, todos sabem, é um dos sete pecados capitais.

Ao perder o paraíso terrestre, Eva e Adão ouvem do Senhor as terríveis palavras que selarão seus destinos. À primeira mulher, Deus disse: “Multiplicarei as dores de tua gravidez, na dor darás à luz filhos. Teu desejo te levará ao homem e ele te dominará” (Gn., 3:16). Ao primeiro homem, disse Jeová: “Maldito é o solo por causa de ti! Com sofrimentos dele te nutrirás todos os dias de tua vida […]. Com o suor de teu rosto comerás teu pão, até que retornes ao solo, pois dele foste tirado. Pois tu és pó e ao pó tornarás” (Gn., 3:17-19).

Ao ócio feliz do paraíso segue-se o sofrimento do trabalho como pena imposta pela justiça divina, e por isso os filhos de Adão e Eva, isto é, a humanidade inteira, pecarão novamente se não se submeterem à obrigação de trabalhar. Porque a pena foi imposta diretamente pela vontade de Deus, não cumpri-la é crime de lesa-divindade e, por essa razão, a preguiça é pecado capital, um gozo cujo direito os humanos perderam para sempre.

O laço que ata preguiça e pecado é um nó invisível que prende imagens sociais de escárnio, condenação e medo. É assim que aparecem para os brasileiros brancos as figuras do índio preguiçoso e do negro indolente, construídas no final do século XIX, quando o capitalismo exigiu a abolição da escravatura e substituiu a mão de obra escrava pela do imigrante europeu, chamado trabalhador livre (curiosa expressão numa sociedade cristã que não desconhece a Bíblia nem ignora que o trabalho foi imposto aos humanos como servidão!). É ainda a mesma imagem que aparece na construção, feita por Monteiro Lobato no início do século XX, do jeca Tatu, o caipira ocioso devorado pelos vermes enquanto a plantação é devorada pelas saúvas. Nesse imaginário, “a preguiça é a mãe de todos os vícios” e nele vêm inscrever-se, hoje, o nordestino preguiçoso, a criança de rua vadia (vadiagem sendo, aliás, o termo empregado para referir-se às prostitutas), o mendigo — “jovem, forte, saudável, que devia estar trabalhando em vez de vadiar”. É ela, enfim, que força o trabalhador desempregado a sentir-se humilhado, culpado, um pária social.

Não é curioso, porém, que o desprezo pela preguiça e a extrema valorização do trabalho possam existir numa sociedade que não desconhece a maldição que recai sobre o trabalho, visto que trabalhar é castigo divino e não virtude do livre-arbítrio humano? Aliás, a ideia do trabalho como desonra e degradação não é exclusiva da tradição judaico-cristã. Essa ideia aparece em quase todos os mitos que narram a origem das sociedades humanas como efeito de um crime cuja punição será a necessidade de trabalhar para viver. Ela também aparece nas sociedades escravistas antigas, como a grega e a romana, cujos poetas e filósofos não se cansam de proclamar o ócio como um valor indispensável para a vida livre e feliz, para o exercício da nobre atividade da política, para o cultivo do espírito (pelas letras, artes e ciências)[1] e para o cuidado com o vigor e a beleza do corpo (pela ginástica, dança e arte militar), vendo o trabalho como pena que cabe aos escravos e desonra que cai sobre homens livres pobres. São estes últimos que, na sociedade romana, eram chamados de humiliores, os humildes ou inferiores, em contraposição aos honestiores, os homens bons porque livres, senhores da terra, da guerra e da política. É significativo, por exemplo, que nas línguas dessas duas sociedades não exista a palavra “trabalho”. Os vocábulos ergon (em grego) e opus (em latim) se referem às obras produzidas e não à atividade de produzi-las. Além disso, as atividades laboriosas, socialmente desprezadas como algo vil e mesquinho, são descritas como rotineiras, repetitivas, obedientes a um conjunto de regras fixas, e a qualidade do que é produzido não é relacionada à ação de produzir, mas à avaliação feita pelo usuário do produto. Enfim, não é demais lembrar que a palavra latina que dá origem ao nosso vocábulo “trabalho” é tripalium, instrumento de tortura para empalar escravos rebeldes e derivada de palus, estaca, poste onde se empalam os condenados. E labor (em latim) significa esforço penoso, dobrar-se sob o peso de uma carga, dor, sofrimento, pena e fadiga. Não é significativo, aliás, que muitas linguas modernas derivadas do latim, ou que sofreram sua influência, recuperem a maldição divina lançada contra Eva usando a expressão “trabalho de parto”?

Donde nossa indagação: como e quando o horror pelo trabalho transformou-se no seu contrário? Quando as palavras honestus honestiores deixaram de significar os homens livres e passaram a significar o negociante que paga suas dívidas? Quando e por que se passou ao elogio do trabalho como virtude e se viu no elogio do ócio o convite ao vício, impondo-se negá-lo pelo negócio?

Max Weber escreveu um clássico da sociologia, A ética protestante e o espírito do capitalismo, para desvendar a relação entre o capitalismo e a posição do trabalho como virtude. Partindo da ideia de que a marca distintiva do Ocidente é certa concepção da razão como capacidade para oferecer uma explicação causal (isto é, não religiosa nem maravilhosa) para todos os fenômenos naturais e sociais e da ação racional como relação proporcional entre meios e fins, Weber considerou que capitalismo e mercadoria existiram em todo tempo e em toda parte (desde que houvesse produção de excedente), de sorte que o capitalismo ocidental moderno se distingue dos demais por sua racionalidade específica e pelo vínculo que, por “afinidade eletiva”, se estabeleceu entre o ascetismo moral protestante calvinista, o puritanismo e a economia.

Muito mais do que no luteranismo, escreve Weber, no calvinismo (particularmente em sua versão inglesa puritana), tornou-se regra moral o dito “mãos desocupadas, oficina do diabo”. Nesse aforisma está sintetizada a metamorfose do trabalho num ethos. De castigo divino que fora, tornou-se virtude e chamamento (ou vocação) divino. É assim que, no último canto de Paraíso perdido, do poeta seiscentista inglês John Milton, o arcanjo Miguel diz a Adão que, se este dedicar-se com coragem e paciência, virtude e fé a acumular o conhecimento de fato, o paraíso não estará perdido, “pois possuirás um paraíso dentro de ti, uma felicidade muito maior”, e os dois exilados, depois de algumas lágrimas, enxugam o rosto, sabendo que “tinham o mundo todo pela frente, a escolha de um lugar para ficar e a Providência para os guiar”. A perda do Paraíso converte-se em ganho humano.

O puritanismo, escreve Weber, valoriza a vida secular como um dever. Examinando as máximas morais de Benjamin Franklin como exemplares do novo ethos, Weber salienta que, agora, ser um cristão virtuoso é seguir um conjunto de normas de conduta nas quais o trabalho surge não apenas como obrigação moral, mas como um poderoso racionalizador da atividade econômica geradora de lucro. Aquele que faz seu trabalho render dinheiro e, em lugar de gastá-lo, o investe em mais trabalho para gerar mais dinheiro e mais lucro, vivendo frugal e honestamente (isto é, pagando em dia suas dívidas para assim obter mais crédito), é um homem virtuoso. Trabalhar é ganhar para poupar e investir para que se possa trabalhar mais e investir mais. “De fato, o summum bonum dessa ética, a obtenção de mais e mais dinheiro, combinada com o afastamento de todo gozo espontâneo da vida, é, acima de tudo, destituída de qualquer caráter eudemonista ou mesmo hedonista, pois é pensada tão puramente como finalidade em si, que chega a aparecer como algo superior à ‘felicidade’ ou à ‘utilidade’ do indivíduo […]. O homem é dominado pela produção de dinheiro, pela aquisição encarada como a finalidade última de sua vida”[2].

Essa mudança na percepção do trabalho e no novo lugar que passa a ocupar na sociedade, julga Weber, teria não só coincidido com o advento do capitalismo, mas teria sido decisiva para a construção da racionalidade capitalista ocidental moderna, dando ao ócio um aspecto mais terrível do que tivera até então. Disso, a prova é dada pelas inúmeras e frequentes legislações iniciais do capitalismo que transformaram a mendicância e a preguiça em crimes sujeitos à pena de prisão e, em certos casos, de morte.

Ora, sabemos que Max Weber escreve contra o marxismo. Ao fazê-lo, recusa-se a admitir que o capitalismo seja um modo de produção econômica historicamente determinado, que inclui como uma de suas determinações ideológicas a Reforma protestante. Pelo contrário, Weber generaliza a ideia de capitalismo e toma a economia capitalista ocidental moderna como um caso particular do fenômeno econômico geral da produção de excedentes e da troca de mercadorias ou do comércio. Por esse motivo, a relação entre a ética calvinista do trabalho e o modo de produção capitalista aparece em seu livro como relação de coincidência, de afinidade e de mera contemporaneidade. Em suma, a “ética protestante” e o “espírito do capitalismo” são a conjunção temporal de dois acontecimentos históricos que, em si mesmos, seriam independentes. Além disso, clássico de Weber identifica a ética burguesa do trabalho e a figura do trabalhador no capitalismo. Em outras palavras, o homem honesto, que trabalha, poupa e investe, é a autoimagem do burguês e não a figura dos que trabalham para que o burguês poupe e invista. Assim, a racionalidade capitalista ocidental adota uma ética que é racional e racionalizadora para o capital, porém, como deliberadamente ignora a formação histórica do capitalismo e a luta de classes, Weber não indaga se ela é racional para os produtores de capital, isto é, para a classe trabalhadora, nem indaga como a ética burguesa conseguiu tornar-se ética proletária. É disso justamente que trata O direito à preguiça.

II

Panfleto revolucionário escrito em 1880, publicado no jornal socialista L’Égalité, numa série de artigos entre 16 de junho e 4 de agosto do mesmo ano, editado como brochura em 1881, revisto e reeditado em 1883, voltando a ser impresso em 1898 e em 1900, O direito à preguiça teve um sucesso sem precedentes, comparável apenas ao do Manifesto comunista, tendo sido traduzido para o russo antes mesmo deste último. Possivelmente um dos textos mais lidos na Espanha, antes, durante e depois da guerra civil, foi reeditado pela Resistência francesa em 1944 e recebeu novas edições sob o patrocínio do Partido Comunista Francês, nos anos 1960 e 70. Em 1968, traduzido para quase todas as línguas, O direito à preguiça foi panfletado pelos movimentos esquerdistas de praticamente o mundo inteiro e, desde então, tem sido constantemente republicado.

A trajetória revolucionária de Paul Lafargue foi semelhante à de muitos de seus contemporâneos franceses: começa proudhoniano, aproxima-se dos anarquistas, conhece o marxismo, participa do momento final da Primeira Internacional, intervém como ativista nas lutas do período, seja como escritor, seja como organizador de movimentos e fundador de um partido revolucionário, seja como representante eleito para o Parlamento, tendo sua vida palmilhada por prisões, fugas, exílios, rupturas com companheiros e atribulações incontáveis na existência privada. Coerentes com as análises críticas a que dedicaram boa parte de suas vidas – a origem socioeconômica das religiões da transcendência de Deus e da imortalidade da alma, e das religiões que prometem salvação dos bons e danação dos maus numa vida futura, negando o direito à felicidade na vida presente -, Paul e Laura Lafargue cometeram eutanásia (ou a boa morte) no dia em que ele completou setenta anos, em 25 de novembro de 1911. Na noite do dia 24 foram à ópera e na manhã do dia 25 foram encontrados serenamente sentados em sua sala de visitas, mortos com uma dose de veneno injetada nas veias. Sobre a mesa, uma carta explicava que seu gesto era de amor, pois não desejavam tornar-se uma carga e um fardo para a família, os amigos e os companheiros de luta quando a velhice os privasse de capacidade intelectual e de vigor corporal para as tarefas revolucionárias. A prática da eutanásia é elogiada numa nota de O direito à preguiça, onde lemos: “Os índios das tribos guerreiras do Brasil matam os seus doentes e os seus velhos, testemunham a sua amizade acabando com uma vida que já não é animada por combates, por festas, por danças. Todos os povos primitivos deram aos seus estas provas de afeição”[3].

Neto de uma mulata de Santo Domingo (pelo lado paterno) e de uma índia Caraíba e de um judeu de origem francesa (pelo lado materno), Paul Lafargue nasceu em Santiago de Cuba, em 1842, e foi com os pais para Bordeaux, em 1851. Terminando os estudos secundários, inicia o curso de medicina em Paris, curso que só iria terminar alguns anos depois, em Londres, por ter sido expulso perpetuamente da Universidade de Paris, depois de propor, num congresso de estudantes contra o Segundo Império de Luís Napoleão, a supressão das cores oficiais francesas e sua substituição por uma bandeira e fitas vermelhas. Franco-maçom e proudhoniano, ativo colaborador da revista La rive gauche, viaja a Londres em 1865, encontrando-se pela primeira vez com Engels e Marx, com cuja filha, Laura, se casará, em 1868.

Desde 1866, Lafargue participa do Conselho Geral da Primeira Internacional (dirigido por Marx) e, em 1868, abandona o ramo francês daquela que iria tornar-se a grande adversária do Conselho no interior da Internacional, a Associação Internacional dos Trabalhadores (que viria a ser liderada por Bakunin), à qual se filiara anos antes. Durante a Comuna de Paris, em 1871, Lafargue se muda com a família para Bordeaux (tem dois filhos e um terceiro a caminho; duas das crianças morrem com alguns meses de idade, e o filho, Etienne, morreria aos 2 anos, vítima de problemas gastrointestinais; essas mortes fizeram Lafargue abandonar para sempre a prática da medicina)[4]. Seu nome é indicado para a eleição dos representantes municipais da Comuna, mas a derrota do movimento revolucionário e a violenta repressão que se abate sobre os communards e todos ligados a eles o levam a partir com Laura e Etienne para a Espanha, onde permanecerá exilado até o Congresso de Haia, de 1872, quando parte para a Holanda e, a seguir, retorna a Londres. Será por essa época que Marx, preocupado com o abatimento moral e a desorganização política que domina o operariado francês, derrotado na Comuna e reprimido pelas forças republicanas, tentará, sem obter resposta, convencer Blanqui da necessidade de reorganizar a classe operária. Nessa ocasião, Marx recebe uma carta de Jules Guesde, communard e diretor do jornal L’Égalité, consultando-o sobre a criação de um partido operário socialista. O contato é feito por Lafargue, que mais tarde, em companhia de Marx e Engels, auxilia na redação do programa do Partido Operário Francês[5], proposto por Guesde no “Congresso imortal” de outubro de 1872, em Marselha, quando, pela primeira vez, os operários franceses chamaram a si mesmos de revolucionários.

Em 1880, Lafargue publica, na Revue Socialiste, trechos do Anti-Dühring, de Engels, traduzidos para o francês e organizados por ele e Laura com o título de Socialismo utópico e socialismo científico. É nesse mesmo ano de 1880, entre 14 de junho e 4 de agosto, que publica na revista guesdista L’Égalité a série de artigos que formam O direito à preguiça. Com essas duas publicações, o marxismo (ou mais exatamente, para usarmos a terminologia de Lafargue e de sua época, o “determinismo econômico”[6]), graças à descoberta da luta de classes como motor da história, se apresenta como via na qual se forma a consciência de classe operária e sua compreensão da necessidade histórica da ação revolucionária. Esses dois escritos reorientam a revista L’Égalité e fundamentam o programa do Partido Operário Francês. É a partir dessa época que Lafargue começará a redação de várias brochuras resumindo as ideias de Marx para divulga-las entre os operários revolucionários franceses[7].

Com justiça, Lafargue é considerado o principal responsável pelo surgimento do marxismo francês do final do século XIX e início do século XX[8]; para muitos, seus textos de crítica literária (com análises das obras de Chateaubriand, Hugo, Flaubert, Zola e Balzac) dão início à chamada “estética marxista”, que terá em Lukács seu maior expoente[9].

III

Quatro datas são marcos históricos que referenciam a matéria analisada por O direito à preguiça: 1848, 1871, 1872, 1879. Ou seja: o movimento insurrecional popular de 48, cuja derrota desemboca na restauração da monarquia e no Segundo Império de Luís Napoleão; a Comuna de Paris, de 71, cuja vitória inicial destrói o Segundo Império e cuja derrota final dá ensejo ao nascimento da Terceira República francesa; o Congresso de Haia, de 72, no qual o refluxo da Comuna e as lutas entre Marx e Bakunin levam à morte da Primeira Internacional; e o “Congresso imortal” de Marselha, em 79, quando é proposta a criação de um partido socialista revolucionário da classe operária. Ao escrever O direito à preguiça, Lafargue tem presente não só essa história politica, mas sobretudo aquilo que a determina: a economia capitalista, em geral, e o capitalismo francês, em particular. Tem presente especialmente a longa crise econômica francesa dos anos 1870-80, quando a burguesia explora ferozmente o proletariado. A baixa dos salários, o aumento do custo de vida, a jornada de 12 horas, a dispensa de grandes contingentes de trabalhadores, o deslocamento ou fechamento de fábricas, as greves locais e parciais reprimidas pelas forças da ordem com derramamento de sangue e as guerras coloniais para conquista de novos mercados evidenciavam que era a hora e a vez de a classe operária agir revolucionariamente. Se o Socialismo utópico e socialismo científico oferece aos operários a compreensão da necessidade histórica do socialismo, O direito à preguiça é um painel da sociedade burguesa, visando alcançar o proletariado no nível da consciência de classe, e por isso é a crítica da ideologia do trabalho, isto é, a exposição das causas e da forma do trabalho na economia capitalista, ou o trabalho assalariado.

Sabe-se, hoje, que Lafargue pensara, inicialmente, em intitular seu panfleto como direito ao lazer e, depois, como direito ao ócio. A escolha da preguiça não foi casual. O título original do panfleto foi: O direito à preguiça. Refutação da religião de 1848. Ao escolher e propor como um direito um pecado capital, o autor visa diretamente ao que denomina “religião do trabalho”, o credo da burguesia (não só francesa) para dominar as mãos, os corações e as mentes do proletariado, em nome da nova figura assumida por Deus, o Progresso. Essa escolha é duplamente consistente. Em primeiro lugar, é consistente com as obras de Lafargue nesse período, quando se ocupa com a origem das religiões, da crença num deus pessoal transcendente, na alma e sua imortalidade, na vida futura de salvação ou danação. Por que a burguesia crê em Deus e na imortalidade da alma?, indaga ele em vários escritos. Por que dessa crença ela chega às ideias de justiça, caridade e bem? Porque, responde ele, a burguesia tolerou e patrocinou o desenvolvimento das ciências da natureza (pois isso era necessário para o capital), mas não tolera e sim reprime toda tentativa de conhecimento científico da realidade social (pois sabe que tal conhecimento a desmascara e enfraquece)[10]. A religião é o instrumento eficaz de dominação de classe porque parece oferecer uma explicação satisfatória sobre a sociedade e garante, pela ação do clero e dos intelectuais pequeno-burgueses, que o proletariado, espontaneamente incréu e ateu, seja rendido por essas ideias e crenças. Em 1849, lembra Lafargue, Thiers declarou no conselho da Instrução Primária: “Quero tornar a influência do clero todo-poderosa, porque conto com ele para propagar esta boa filosofia que ensina ao homem que ele veio ao mundo para sofrer e não aquela outra filosofia que, pelo contrário, diz ao homem: ‘goza’”[11]. Não por acaso, Lafargue fará constante referência à “religião de Jó”, imposta pela burguesia, pois é no Livro de Jó que lemos: “Não está o homem condenado a trabalhos forçados aqui na terra? Não são seus dias os de um mercenário? Como o escravo suspira pela sombra, como o mercenário espera o salário, assim tive por herança meses de decepção, e couberam-me noites de pesar” ( Jó, 7:1-3).

Em segundo lugar, a escolha da preguiça é consistente na conjuntura histórica, em decorrência do uso da religião, feito pela burguesia francesa no dia seguinte à grande derrota operária de 1871. Em 1872, o primeiro ministro MacMahon propôs a “ordem moral”: o novo governo republicano, além das leis de censura da imprensa socialista, de repressão aos communards e de proibição das atividades politicas operárias, comemorou o martírio dos primeiros cristãos, na colina de Montmartre, declarou santo seu solo e sob a responsabilidade da República a construção, nessa colina, da basilica do Sacre-Coeur, colocando a França sob a proteção do Sagrado Coração de Jesus para purificar a pátria da gangrena socialista ateia e restaurar a unidade nacional.

Todavia, se para fins provocativos e de propaganda revolucionária, a escolha recaiu sobre a preguiça, algo mais profundo se anuncia nessa decisão. Lafargue, num momento de grande dramaticidade do texto, propõe aos leitores um enigma. Tendo se referido à “estranha loucura” que se apossou da classe operária francesa, isto é, à sandice que é a paixão pelo trabalho assalariado, escreve:

E dizer que os filhos dos heróis do Terror[12] se deixaram degradar pela religião do trabalho a ponto de aceitarem depois de 1848, como uma conquista revolucionária, a lei que limitava o trabalho nas fábricas a 12 horas; proclamavam, como um princípio revolucionário, o direito ao trabalho. Que vergonha para o proletariado francês! Só escravos teriam sido capazes de tal baixeza! […] E se as dores do trabalho forçado, se as torturas da fome se abateram sobre o proletariado, mais numerosas do que os gafanhotos da Bíblia, foi ele que as chamou. Este trabalho, que em junho de 1848 os operários reclamavam de armas na mão, impuseram-no eles às suas famílias; entregaram aos barões da indústria suas mulheres e seus filhos. Com suas próprias mãos demoliram o lar, com suas próprias mãos secaram o leite de suas mulheres; as infelizes, grávidas e amamentando os seus bebês, tiveram que ir para as minas e para as manufaturas esticar a espinha e esgotar os nervos; com suas próprias mãos, quebraram a vida e o vigor de seus filhos. Que vergonha para os proletários![13]

É impossível, aqui, não nos lembrarmos de outro texto, escrito também depois de uma derrota popular, a revolte des gabelles, na França do século XVI: o Discurso da servidão voluntária, de La Boétie, que também fala em loucura, ou em “povos insensatos”, e propõe aos leitores um enigma:

Pobre gente e miserável, povos insensatos, nações obstinadas em vosso mal e cegas ao vosso bem, deixais roubar, sob vossos próprios olhos, o mais belo e o mais claro de vossa renda, pilhar vossos campos, devastar vossas casas. Viveis de tal modo que nada mais é vosso […]. E todo esse estrago, esse infortúnio, essa ruína, enfim, vos advém não dos inimigos, mas sim, por certo, do inimigo, daquele mesmo que fizestes ser como ele é, por quem ides tão corajosamente à guerra e para a vaidade de quem vossas pessoas nela enfrentam a morte a todo instante. Esse senhor, porém, só tem dois olhos, duas mãos, um corpo e nada além do que tem o último habitante do número infinito de nossas cidades. O que ele tem a mais do que vós são meios que lhes dais para vos destruir. De onde tira os inumeráveis olhos com que vos espiona, senão de vossas fileiras? Como tem tantas mãos para golpear, se não as toma emprestado de vós? Os pés com que espezinha vossas cidades não são os vossos? Como ousaria atacar-vos se não estivesse conivente convosco? Tem ele algum poder senão por vós mesmos?[14]

O paralelo entre La Boétie e Lafargue transparece na construção de seus respectivos panfletos. Assim, La Boétie compara e contrapõe os animais selvagens e os domésticos, enfatizando que um animal só é domesticado pela violência, essa comparação será retomada nos mesmos termos por Lafargue. No Discurso da servidão voluntária, La Boétie compara e contrapõe o francês servil e tiranizado aos indígenas do Novo Mundo, livres, fortes, saudáveis e felizes, que, se tivessem que escolher entre liberdade e servidão, não hesitariam em escolher a primeira e somente pela violência seriam rendidos à segunda, essa mesma comparação é feita em O direito à preguiça. Que significam essas semelhanças textuais? Nos dois casos, o contraponto entre o livre e o servil, ou entre os que estão acostumados à liberdade e os que cederam à servidão, é a ocasião para que os dois autores proponham a mesma interrogação. La Boétie indaga como os homens, nascidos livres, podem viver em servidão como se esta lhes fosse natural. Lafargue pergunta como o proletariado, a única classe que possui a chave para liberar a humanidade, pode deixar-se dominar pelo dogma do trabalho. A resposta é a mesma: “sois vós que dais ao tirano os meios para vos tiranizar”, escreve La Boétie, “todas as misérias individuais e sociais dos operários foi o que fizeram por merecer com sua paixão pelo trabalho”, diz Lafargue.

Se a “servidão voluntária” é um enigma é porque servidão e vontade jamais poderiam estar juntas, toda servidão só podendo ser indesejada, imposta contra a natureza e a vontade de alguém ou de um povo. Como, então, explicar o desejo de servir?, indagara La Boétie. Como explicar que os tiranizados vejam como seu bem a espoliação a que servem e a servidão em que vivem? Como explicar a insensatez dos que se obstinam em seu próprio mal?

Não menos enigmático é o desejo de trabalhar. Como explicar que os proletários reivindiquem o trabalho como um direito?, indaga Lafargue. Como explicar que aquilo mesmo que os destrói lhes apareça como conquista revolucionária de um bem?

É na resposta a essa interrogação que captamos o sentido profundo da escolha da preguiça: essa escolha não é uma irreverência “materialista” de um ateu empedernido, e sim a crítica materialista do trabalho assalariado ou do trabalho alienado, pois é esse o objeto de O direito à preguiça.

IV

Preocupados (com razão, aliás) com a mensagem politica, os comentadores sempre deixaram de lado (ou não levaram em consideração) que a construção literária de O direito à preguiça revela um escritor exímio, que domina com requinte os instrumentos da retórica e é capaz de segui-la com sofisticação.

De fato, a retórica clássica estabelece um conjunto de regras para a composição de um texto perfeito, que deve ser falado e ouvido, mais do que tomado como um escrito a ser lido[15]. Essas regras, que visam à emoção do ouvinte e à sua persuasão pela força das imagens escolhidas pelo orador, sustentam, por exemplo, os grandes discursos de Cícero e foram apropriadas pela Igreja para a construção dos sermões. Como procede Lafargue? Ele não apenas sabe que a oralidade é essencial num panfleto revolucionário, mas sabe também que poderá obter um efeito de grandes proporções se construí-lo de maneira retórica, operando em seu campo com muitas gamas e tonalidades de emoções, a fim de comover e persuadir. Por isso, com maestria, Lafargue emprega imagens fortes, dramáticas (como a descrição da miséria dos operários da Alsácia, ou as guerras coloniais para conquista de novos mercados), paradoxais (Cristo pregando a preguiça ao mostrar a beleza dos lírios do campo que “não trabalham nem fiam”[16], ou Jeová dando o exemplo da preguiça, ao descansar eternamente após os seis dias da criação), aberrantes (como o cortejo de servidores inúteis inventados pela burguesia para chegar a consumir o excesso da produção, ou o efeito destrutivo para o proletariado da crença no novo deus, o Progresso), e emprega imagens cômicas e grotescas, na parte final do panfleto (quando propõe a encenação de uma peça teatral desmoralizadora dos burgueses e de seus lacaios).

Mas a finura literária de Lafargue vai ainda mais longe. Com astúcia, escolhe como tática uma estrutura discursiva tal que seu texto surge como violenta paródia dos sermões religiosos, seguindo as mesmas regras retóricas que estes últimos seguem. Eis por que O direito à preguiça começa com um prefácio ou exórdio sobre a religião do trabalho (com o qual substitui a leitura do Evangelho, que precede o sermão eclesiástico) e termina com uma oração (substituindo o oremus, com que termina o sermão eclesiástico, por uma invocação à deusa Preguiça), intercalando entre o início e o fim uma exposição e uma amplificação que trazem um ensinamento novo, outra “boa nova”, que permitirá encerrar o texto contrapondo o calvário do proletariado à felicidade que este erguerá com suas próprias forças.

Qual o tema de O direito à preguiça? Na verdade, embora o tema seja o elogio da preguiça como condição para o desenvolvimento físico, psíquico e político do proletariado, Lafargue tem como pressuposto principal o significado do trabalho no modo de produção capitalista, isto é, a divisão social do trabalho e a luta de classes. Sua fonte de inspiração é dupla: de um lado, as ideias do jovem Marx, nos Manuscritos econômicos de 1844, sobre o trabalho alienado[17]; de outro, a análise do trabalho assalariado, no primeiro volume de O capital.

O que é o trabalho alienado[18]? Para entendê-lo, é preciso, primeiro, lembrar que, para Marx e Lafargue, o trabalho, em si mesmo, é uma das dimensões da vida humana que revela nossa humanidade, pois é por ele que dominamos as forças da natureza, é por ele que satisfazemos nossas necessidades vitais básicas e é nele que exteriorizamos nossa capacidade inventiva e criadora — o trabalho exterioriza numa obra a interioridade do criador. Ou, numa linguagem vinda da filosofia de Hegel, o trabalho objetiva o subjetivo, o sujeito se reconhece como produtor do objeto. Para que o trabalho se torne alienado, isto é, para que oculte, em vez de revelar, a essência dos seres humanos, e para que o trabalhador não se reconheça como produtor das obras, é preciso que a divisão social do trabalho, imposta historicamente pelo capitalismo, desconsidere as aptidões e capacidades dos indivíduos, suas necessidades fundamentais e suas aspirações criadoras, e os force a trabalhar para outros como se estivessem trabalhando para a sociedade e para si mesmos. Em outras palavras, sob os efeitos da divisão social do trabalho e da luta de classes[19], o trabalhador individual pertence a uma classe social — a classe dos trabalhadores —, que, para sobreviver, se vê obrigada a trabalhar para outra classe social — a burguesia —, vendendo sua força de trabalho no mercado. Ao fazê-lo, o trabalhador aliena para outro. (o burguês) sua força de trabalho, que, ao ser vendida e comprada, se torna uma mercadoria destinada a produzir mercadorias. Reduzido à condição de mercadoria que produz mercadorias, o trabalho não realiza nenhuma capacidade humana do próprio trabalhador, mas cumpre as exigências impostas pelo mercado capitalista.

Por esse motivo, cada trabalhador individual e a classe trabalhadora como um todo não podem reconhecer-se nos produtos que produzem, pois esses produtos não exprimem as necessidades e capacidades de seus produtores. Produzidos por ordem de outros, os produtos são enviados ao mercado de consumo e cada trabalhador, ignorando o trabalho de todos os que produziram as mercadorias, vê os produtos do trabalho como coisas prontas que parecem existir por si mesmas. Em suma, o trabalhador não as percebe como objetivação de sua subjetividade humana, mas como algo que parece não depender de trabalho algum para existir — o produto aparece como “outro” que o produtor. Além disso, as condições impostas pelo mercado de trabalho são tais que os trabalhadores vendem sua força de trabalho por um preço muito inferior ao trabalho que realizam e, por isso, se empobrecem à medida que vão produzindo riqueza. Isso significa que os produtos do trabalho também não estão ao alcance do trabalhador, que os vê no mercado mas não tem como adquiri-los. Ou, como diz Lafargue, os operários foram condenados à abstinência de todos os bens que produzem.

O produto do trabalho se distancia do trabalhador porque foi produzido por ordens alheias e não por necessidades e capacidades do próprio trabalhador; porque fica exposto num mercado de consumo inalcançável para o trabalhador; e porque aparece como uma coisa existente em si e por si mesma, e não como resultado da ação do trabalhador. Esse tríplice distanciamento é o processo social em que o trabalhador individual e a classe trabalhadora não podem reconhecer-se como autores dos produtos de seu próprio trabalho. Não só isso. Ao passar da condição humana à de uma mercadoria, ao tornar-se coisa que produz coisas e perder sua própria essência de humanidade, o trabalhador se torna “outro” que si mesmo e os produtos do trabalho se tornam coisas “outras” que o próprio trabalhador. Esse tornar-se outro constitui a alienação do trabalho. Como o trabalhador é uma coisa que produz coisas, a relação social do trabalho com o capital (ou entre classes sociais) parece-lhe como se fosse uma relação entre coisas, ocultando a verdadeira realidade.

Além disso, como os preços dos produtos seguem as leis de mercado impostas pelos capitalistas e como os trabalhadores precisam de muitos desses produtos para sobreviver, eles passam a aceitar as piores condições de trabalho, os piores salários, a pobreza, a miséria, a fome, o frio, a doença para ter o direito ao trabalho, com o que terão salário para comprar o mínimo daquilo que eles mesmos produziram. Isso significa que os trabalhadores passam a ser dominados pelo mercado: são dominados pelo mercado de trabalho porque se veem obrigados a aceitar qualquer condição para trabalhar, e são dominados pelos produtos do trabalho porque precisam adquiri-los a preços exorbitantes no mercado, sem se dar conta de que essas “coisas” nada mais são que seu próprio trabalho. Comentando os textos de Marx sobre o trabalho alienado, Marcuse escreve:

Marx apresenta a alienação do trabalho como exemplificada, primeiro, na relação do trabalhador com o produto do seu trabalho e, segundo, na relação do trabalhador com sua própria atividade. O trabalhador, na sociedade capitalista, produz mercadorias. A produção de mercadorias em larga escala requer capital, grande acumulação de riquezas empregadas exclusivamente para incrementar a produção de mercadorias. As mercadorias são produzidas por empresários privados independentes, para fins de venda lucrativa. O operário trabalha para o capitalista a quem entrega, pelo contrato salarial, o produto de seu trabalho. O capital é o poder de dispor dos produtos do trabalho. Quanto mais o trabalhador produz, maior se torna o poder do capital e mais limitados os meios do trabalhador para se apropriar de seus produtos. O trabalho se torna, pois, vítima de um poder que ele mesmo criou. Marx resume esse processo como se segue: -o objeto que o trabalho produz, o seu produto, é enfrentado como uma entidade alheia, como uma força que se torna independente do seu produtor [20].

Em O capital, ao fazer a crítica da economia política burguesa, isto é, do capitalismo, Marx introduz novos aspectos na análise do trabalho que são importantes para a leitura do texto de Lafargue.

Marx sublinha a diferença entre o modo de produção capitalista e outras formas econômicas, demonstrando que a especificidade do capitalismo está em acumular e reproduzir a riqueza social e assegurar os meios para a apropriação privada dessa riqueza. Nas outras formas econômicas, a riqueza social não aumenta nem diminui, apenas muda de mãos. É assim que um reino rico pode tornar-se pobre ao perder uma guerra e ter todos os seus bens transferidos para as mãos do vencedor, que se torna mais rico. Mas não houve crescimento social da riqueza, não houve produção de mais riqueza. Houve entesouramento. Tesouros desaparecem enquanto outros surgem ou aumentam, mas a economia, como um todo, não cresce. No capitalismo, ao contrário, a riqueza social cresce, pois a marca própria do capital é produzir sempre mais capital. Como isso é possível? Qual o mistério do crescimento da riqueza social? Como a riqueza pode ser acumulada, reproduzida e aumentada? Por dois procedimentos: pelo primeiro, uma classe social poderosa expropria outras classes sociais dos seus meios de produção (terra, instrumentos de trabalho) e se apropria privadamente desses meios com os quais aquelas classes produziam sua subsistência e um excedente para trocar no mercado; pelo segundo, os proprietários privados dos meios de produção forçam as classes expropriadas a trabalhar para eles, mediante um salário, para produzir os bens que também serão propriedade privada do empregador. O trabalho se torna assalariado e submetido às leis da propriedade privada capitalista.

Todavia, Marx introduz duas ideias fundamentais para a compreensão do trabalho assalariado como responsável pelo aumento da riqueza, isto é, pelo crescimento do capital. Em primeiro lugar, Marx já não fala simplesmente em trabalho, mas em força de trabalho para significar que se trata da única propriedade que resta ao trabalhador, que irá aliená-la ao vendê-la no mercado por um salário. Em segundo lugar, não fala simplesmente na quantidade de trabalho necessária para produzir uma mercadoria, mas fala no tempo socialmente necessário para a produção de mercadorias e que seria levado em conta no momento de calcular o preço do salário. É esse tempo socialmente necessário que determina a maneira peculiar como se realiza a exploração da força de trabalho assalariada e explica como e por que o capital tem a capacidade misteriosa de crescer.

O conceito de tempo de trabalho socialmente necessário significa que o custo de produção de uma mercadoria inclui todos os trabalhos que foram necessários para chegar ao produto final. É o custo social de sua produção. Nesse custo, não estão apenas os custos da extração da matéria-prima e de seu transporte, nem apenas o custo dos instrumentos e das máquinas com que tais matérias são extraídas, transportadas e fabricadas: inclui também o salário dos trabalhadores que produzem a mercadoria (desde os que extraíram a matéria-prima e fabricaram instrumentos e máquinas para sua extração e seu transporte, até os que realizam a fabricação do produto final, incluindo os que fabricaram instrumentos e máquinas para a produção final e os meios para sua distribuição). Em outras palavras, o tempo de trabalho socialmente necessário é o conjunto de todos os tempos de trabalho de cada trabalhador individual e do conjunto de todos os trabalhadores. É esse conceito que nos permite compreender por que os trabalhadores formam uma classe social.

Como dissemos, no custo de produção está incluído o salário. Como calcular seu preço? Levando em conta o tempo socialmente necessário para a produção de uma mercadoria e as necessidades do produtor. Suponhamos que para a produção de uma determinada mercadoria sejam necessárias oito horas de trabalho e que se calcule que cada hora de trabalho vale R$ 2,00 (isto é, um cálculo que mostraria que para alimentar-se bem, vestir-se bem, transportar-se bem, cuidar bem da família, frequentar escolas, ter férias e lazer, ter bons cuidados com a saúde pessoal e da família etc., o trabalhador deveria receber essa quantia por hora de trabalho). Ele deveria, então, receber R$ 16 pelas oito horas. Ora, ele recebe, na melhor das hipóteses, R$ 8,00 e, na pior, R$ 2,00. O tempo socialmente necessário empregado pela força de trabalho não é integralmente remunerado pelo salário. É exatamente esse tempo de trabalho não pago à força de trabalho — o que Marx chama de mais-valia — que faz crescer o capital, isto é, o que chamamos de lucro. Este, portanto, não é obtido no momento da comercialização do produto final, e sim no momento em que a força de trabalho não foi remunerada pelo salário. Responde-se, portanto, à pergunta: como o capital cresce e se multiplica? Pela exploração da força de trabalho. Essa exploração se chama trabalho assalariado.

A denúncia do trabalho alienado e a crítica do trabalho assalariado sustentam o texto de Lafargue e o esclarecem. É porque se trata de mostrar aos trabalhadores que são eles os produtores do capital, que Lafargue insiste tanto naquilo que chama de superprodução, isto é, um excesso de mercadorias continuamente lançadas no mercado, que os burgueses, sozinhos, não têm como consumir e que o proletariado está proibido de consumir porque seu salário e as horas de sua vida inteira gastas nessa produção não lhe dão direito a elas. É por ser esse o foco da crítica que Lafargue insiste também no contrário à situação existente, isto é, no que poderia ser o uso racional das máquinas, pois, com ele, a jornada de trabalho poderia ser reduzida a quase nada — pelos seus cálculos, a jornada de trabalho poderia ser de três horas diárias e o ano de trabalho poderia durar apenas seis meses. Se assim não acontece, escreve ele, é porque os proletários se deixaram dominar pela religião do trabalho e pelo dogma de uma burguesia ociosa e consumista que afirma ser o trabalho sacrossanto e fonte de todas as virtudes, quando, na realidade, é a causa de todas as misérias da classe operária, misérias que crescem na proporção direta ao crescimento da riqueza por ela produzida. A riqueza é, pois, socialmente produzida, mas sua apropriação não é social e sim privada, ficando nas mãos dos detentores dos meios de produção.

Por essa razão, podemos dizer que o centro de O direito à preguiça é o capítulo “O que se segue à superprodução”. A sociedade burguesa, escreve Lafargue, condena o proletariado à abstinência de todos os bens e prazeres e condena a burguesia ao superconsumo do que é produzido em quantidades cada vez maiores, tanto pela introdução das máquinas como pelo aumento da jornada de trabalho. Assim, o proletariado é um superprodutor faminto e miserável, doente, vivendo em condições que nem mesmo animais aceitariam, enquanto o burguês é o não produtor superconsumidor, ocioso e farto, rodeado de uma “classe doméstica” cada vez mais numerosa, dedicada à satisfação de seus gostos e prazeres dispendiosos e fúteis (cozinheiros, faxineiros, servidores de mesa, aias e amas, mordomos e governantas, preceptores, cocheiros e motoristas, jardineiros, costureiras, bordadeiras, cabeleireiros, manicures, maquiadores, chapeleiros, livreiros, decoradores, luveiros etc.)[21]. Em suma, “ao apertar o cinto, a classe operária desenvolveu para além do normal o ventre da burguesia”.

Como esta e seu exército de servidores não são suficientes para consumir toda a produção, passa-se a exportá-la para outros continentes, o que, por seu turno, exige duas ações: primeiro, a burguesia cria nos novos continentes necessidades fictícias de consumo, de maneira a criar o mercado consumidor; depois, para garantir o monopólio sobre tal mercado, realiza as guerras coloniais, com que afasta os competidores. No entanto, nem mesmo isso é suficiente, pois a produção não cessa de crescer. A solução encontrada é baixar a qualidade dos produtos e diminuir sua durabilidade, uma falsificação ou uma fraude necessária à lógica do capital[22].

Visto que os operários estão completamente dominados pelo vício do trabalho e que nada os convence a abandoná-lo, que solução intermediária lhes propor? A redução da jornada de trabalho para três horas diárias durante seis meses por ano. Redução perfeitamente viável porque, de um lado, há abundância de matéria-prima e de produtos e, de outro, máquinas. Se isto for feito, não só haverá pleno emprego, pois todos terão trabalho e os operários não lutarão entre si por trabalho, mas, sobretudo, “não esgotados de corpo e espírito, começarão a praticar as virtudes da preguiça.

Pensamos ser esse o momento decisivo de O direito à preguiça. E por dois motivos principais: em primeiro lugar, pela inversão paradoxal que Lafargue impõe aos valores burgueses e operários, pois, agora, o trabalho é considerado um vício diabólico, e a preguiça, mãe das virtudes. Em segundo lugar, pelo seu sentido pedagógico, ou seja, uma vez que não é possível, de um só lance, suprimir a convicção proletária do dever do trabalho assalariado, Lafargue propõe diminuir o tempo de trabalho para que os operários comecem a praticar “as virtudes da preguiça”. Que virtudes a preguiça engendra? O prazer da vida boa (a boa mesa, a boa casa, as boas roupas, festas, danças, música, sexo, ocupação com as crianças, lazer e descanso) e o tempo para pensar e fruir da cultura, das ciências e das artes. Disso resulta o desenvolvimento dos conhecimentos e da capacidade de reflexão que levará o proletariado a compreender as causas reais de sua situação e a necessidade histórica de superá-la numa sociedade nova. Por que virtude? Essa palavra vem do latim, virtus, e significa força, vigor. Ao proporcionar aos operários um tempo em que estão livres do controle do capital, livres do poderio da burguesia, a preguiça gera virtude, isto é, o fortalecimento do corpo e do espírito da classe operária, preparando-a para a ação revolucionária de emancipação do gênero humano. A principal virtude da preguiça é ensinar a maldição do trabalho assalariado e a necessidade de aboli-lo.

Porém, como tornar a classe operária virtuosa, senhora da virtus? “Como pedir a um proletariado corrompido pela moral capitalista uma resolução viril?”, indaga o autor.

Seria preciso rezar.

E, numa última inversão dos valores, Lafargue passa de Deus à Deusa. Como Cristo, o proletariado, há um século, sobe o duro calvário da dor, tem os ossos quebrados, os nervos estendidos, as entranhas famintas e o cérebro alucinado. Mas no alto do Calvário, em vez de, como Cristo, dirigir a prece ao Pai, é preciso que o proletariado ore à Preguiça. Oremos: “Ó Preguiça, tem piedade da nossa longa miséria! Ó Preguiça, mãe das artes e das nobres virtudes, sê o bálsamo das angústias humanas!”

V

Num Apêndice, acrescentado à segunda publicação de O direito à preguiça, Lafargue voltou a um tema que o ocupara brevemente: o desprezo dos antigos pelo trabalho e o elogio do ócio.

É verdade, escreve, que os antigos pertenciam a sociedades de escravatura e que isso os fazia desprezar o trabalho. No entanto, muitos de seus poetas e filósofos louvaram o aparecimento de instrumentos técnicos ou de máquinas que diminuíam a fadiga e as penas do trabalho. Dentre eles, Aristóteles imaginou o que aconteceria se, um dia, os fusos e as rocas se pusessem a fiar e a tecer sozinhos e todos os utensílios realizassem por si mesmos todas as tarefas. Se isso acontecesse, os homens estariam para sempre livres do trabalho e não mais haveria necessidade de escravos. “O sonho de Aristóteles é a nossa realidade”, escreve Lafargue, e um dia virá em que o proletariado compreenderá que “a máquina é o redentor da humanidade, o Deus que resgatará o homem do trabalho assalariado, o Deus que lhe dará tempos livres e a liberdade”.

O sonho acabou.

Se é verdade que a hipótese de Aristóteles sobre o automatismo das máquinas se confirmou, não é menos verdade que sua suposição e a de Lafargue de que o homem seria libertado da maldição do trabalho, não se realizou. Para que tivesse sido realizada, teria sido preciso que o proletariado tivesse escutado Lafargue e se dedicado a cultivar as virtudes da preguiça. Em vez disso, continuou na laboriosa luta pelo direito ao trabalho, pela jornada de oito horas, pelo salário mínimo, com direito a férias e aposentadoria e com a conquista do seguro-desemprego. E, hoje, é isso também que vem perdendo no mundo inteiro, sob a lógica de bronze do capital.

É Marcuse, em Eros e civilização e O homem unidimensional, quem analisa o efeito perverso da automação. De fato, rocas e fusos passaram a fiar e tecer sozinhos, mas com isso não surgiu, como esperavam Aristóteles e Lafargue, a sociedade da abundância, a única em que os seres humanos podem recuperar o trabalho como ação criadora. Em seu lugar, surgiu a sociedade administrada, que passou a ter o controle tecnológico de todas as classes sociais, como se fosse a “própria personificação da Razão para o bem de todos os grupos e interesses sociais — a tal ponto que toda contradição parece irracional e toda ação contrária parece impossível. Não é, portanto, de admirar que, nos setores mais desenvolvidos dessa civilização tecnológica, os controles sociais tenham sido introjetados a ponto de até o protesto individual ser afetado em suas raízes”[23].

Além de controlar o corpo e a mente dos trabalhadores por meio da “gerência científica” ou da chamada “organização científica do trabalho”[24], a sociedade administrada também controla as conquistas proletárias sobre o tempo de descanso, ou o chamado “tempo livre”. A indústria cultural, a indústria da moda e do turismo, a indústria do esporte e do lazer estão estruturadas em conformidade com as exigências do mercado capitalista e são elas que consomem todo o tempo que Lafargue esperava que fosse dedicado às virtudes da preguiça.

Em outras palavras, a sociedade capitalista tira com uma das mãos o que concede com a outra. A jornada de oito horas, o salário mínimo, o direito a férias e à aposentadoria, o seguro-desemprego, foram conquistados pelos trabalhadores e depois tiveram que ser garantidos pela burguesia. Essa garantia chamou-se Estado de Bem-Estar. A burguesia, porém, soube perfeitamente como transformar em ganho para si o que lhe parecera inicialmente uma perda, inventando o consumo de massa de produtos de baixa qualidade e descartáveis, inventando necessidades fictícias de consumo por meio da indústria da moda, controlando o tempo livre dos trabalhadores com a indústria cultural, a do esporte e a do turismo. Ela nada perdeu e muito ganhou, pois tornou invisível a dominação de classe e a exploração.

Todavia, se o sonho acabou, nem por isso o texto de Lafargue perdeu vigor e atualidade. Hoje, como ontem, os trabalhadores ainda precisam lutar pelo direito à preguiça, sobretudo se considerarmos, ao lado do Estado de Bem-Estar, o que se passou na história dos movimentos de esquerda. Não só os partidos socialistas e comunistas ergueram mundo afora a bandeira do direito ao trabalho, como o stalinismo glorificou a virilidade do trabalhador que se esfalfa até o fim de suas forças para ganhar “prêmios de produtividade” e, supostamente, construir a sociedade livre do futuro, construção que incluía campos de trabalho forçado para todos os dissidentes, considerados “inimigos internos” do proletariado e de sua revolução. Mais do que um sonho terminado, foi um novo pesadelo que começou. A esse pesadelo, de que nada parece conseguir nos acordar, acrescenta-se, hoje, na forma contemporânea do capitalismo, aquilo que Viviane Forrester chama de O horror econômico[25].

Esse pequeno livro, um panfleto de alerta, publicado na França em 1996 (e no Brasil em 1997), reforça nossa convicção de que o combate de Lafargue está mais vivo do que nunca.

Se comparada às formas anteriores do capitalismo, a forma contemporânea do capital, contrariamente ao que sucedia antes, impõe a ideia de que o trabalho não cria riqueza, os empregos não dão lucro e os desempregados são dejetos inúteis e inaproveitáveis. De fato, a desmontagem do Estado de Bem-Estar e o fim da presença do Estado como regulador da economia e parceiro econômico sustentam-se em dois fenômenos: um deles refere-se à chamada “crise fiscal do Estado”, isto é, à incapacidade do Estado para operar social e economicamente sem déficit público; o outro, político, refere-se à afirmação neoliberal de que as crises econômicas capitalistas resultam do excessivo poder e privilégios dos trabalhadores organizados. Esses dois fenômenos levam a uma ação precisa, qual seja, diminuir o raio de ação do Estado — privatizar a economia e desregular o mercado — e suprimir todos os direitos conquistados pelos trabalhadores — cortar as chamadas políticas sociais e desviar todos os recursos públicos para as empresas privadas que, sozinhas, não têm capital de giro suficiente para implementar todas as inovações tecnológicas de que são capazes. Disso resulta que o capital, valendo-se dos recursos públicos e do imenso desenvolvimento tecnológico, já não precisa do grande contingente de força de trabalho, necessário anteriormente. Ao mesmo tempo, com o fim das políticas sociais e o desmantelamento dos direitos conquistados, a classe trabalhadora não tem condições para enfrentar o capital e o desemprego que, agora, se tornou estrutural.

O Muro de Berlim pôde cair porque outro, invisível e intangível, já havia sido erguido pela economia capitalista: o muro que, no interior de cada sociedade e entre os países, separa os privilegiados, que fruem a realidade virtual de suas ações (a finança internacional, o jet set), e os desempregados, massa de humilhados e ofendidos, envergonhados e culpados por não possuírem aquilo que o capitalismo não lhes deixa possuir — um trabalho — e os faz crer que têm o dever moral e social de possuir — um emprego.

Ora, se assim é, e se quisermos reagir e encontrar soluções para a sociedade por vir, então, escreve Forrester, precisamos, de uma vez por todas, fazer o luto de uma sociedade fundada no sacrossanto dever de trabalhar.

Enquanto os desempregados dos países ricos e pobres, enquanto os subempregados desses países e enquanto os superexplorados dos países pobres se sentirem culpados e envergonhados pelo desemprego e pelo subemprego, enquanto as políticas de promessa de mais empregos forem acreditadas e enquanto acreditarmos que o desemprego em massa é uma “crise” (portanto, algo passageiro e solucionável), nada será pensado e nada será feito.

O que poderia ser mais degradante para os seres humanos do que a grande solução britânica para a “crise” do emprego? Isto é, o “trabalho a hora zero” em que o empregado é remunerado quando trabalha, mas só é empregado de vez em quando, devendo ficar em casa, disponível e não remunerado, enquanto uma empresa não o chamar e o usar pelo tempo que julgar necessário. Melhor ainda é o conceito que, diz Forrester, nem o surrealismo ousou inventar, o da “empresa cidadã”, aquela que recebe todo tipo de subvenção, isenções de taxas, possibilidades de contratos vantajosos para que, com civismo, ofereça empregos. “Benevolente, ela aceita. Não emprega ninguém. Desloca-se, ou ameaça fazê-lo, se tudo não correr conforme sua vontade”[26]. Ninguém pergunta qual é a operação miraculosa pela qual a miséria do desemprego se traduz em vantagens para as empresas e sem qualquer resultado para o país onde se dão ao desfrute de se instalar. O que explica a estupidez complacente de governos que não enxergam que empresas não são cívicas (pertencem à esfera privada, isto é, ao mercado), não sao agentes de caridade e não empregam porque não precisam dos empregos para ter lucro? Não só isso. O poder mundial se encontra nos organismos econômicos privados (Banco Mundial, FMI etc.) com os quais os Estados contraem dívidas públicas, isto é, os cidadãos devem pagar para que seus governos façam o que esses organismos privados exigem que façam. No momento, esses organismos privados internacionais exigem que os governos “eliminem o déficit público”, isto é, destruam ou não criem políticas sociais que sirvam de paliativo à barbárie econômica.

Que acontecerá, indaga Forrester, quando, em lugar das precárias democracias existentes, o autoritarismo crescente da ideologia neoliberal como “pensamento único” chegar, novamente, ao totalitarismo? A história não esqueceu ainda a “solução final” que o nazismo encontrou para os que decretou serem dejetos humanos, os decaídos, os imprestáveis, os impuros: para eles, impôs o forno crematório, que faria crer que eles jamais existiram. Nada impedirá que o “pensamento único” dos donos da economia e do planeta chegue à pergunta crucial: como livrar-se dos trabalhadores desempregados e subempregados? Afinal, escreve ela ironicamente, quem, sendo moderno, não sabe que tudo vai mal por causa dos privilégios dos sindicalistas, dos funcionários dos correios e telégrafos, dos condutores de ônibus e metrôs, dos bancários, dos professores das redes públicas de ensino, dos aposentados com suas incríveis vantagens, do salário-desemprego que arruína o Estado? Dos jovens pobres, que a escola, com esmero, prepara para o trabalho, e que, infames e desajustados, preferem a delinquência, a droga e a mendicância? Dos imigrantes (e dos migrantes, no caso do Brasil), que deixam seu lugar natal para vir roubar os empregos dos outros? Dos sindicatos, que, em vez de cooperar com a “empresa cidadã” e o Estado moderno, se lançam no arcaico corporativismo dos privilegiados, numa irresponsabilidade e imoralidade jamais vistas?

Curiosamente, observa ela, as críticas pelas calamidades econômicas são dirigidas aos trabalhadores e nenhuma crítica tem como alvo os organismos mundiais privados e a submissão dos Estados a eles. Nenhuma crítica é dirigida à “empresa cidadã”, com suas subvenções e isenções, que se desloca à vontade pelos territórios, deixando o rastro do desemprego e da miséria a cada novo deslocamento. A culpa da miséria é dos miseráveis, quem ignora verdade tão elementar?

Também não se vê, em parte alguma, qualquer reação contra uma escola que educa para a “virtude do trabalho”, que prepara crianças e jovens para o dever do emprego numa sociedade do desemprego endêmico.

Não vemos também nenhuma análise que mostre aos Estados que a “criação de riqueza” já nada tem a ver com o trabalho e o emprego, e que o capitalismo opera, hoje, exatamente ao contrário de como operava antes: do século XVIII até os anos 70 do século XX, o capitalismo operava por inclusão, isto é, colocando um número cada vez maior de pessoas no mercado de trabalho assalariado e com a promessa de um consumo crescente para toda a sociedade; hoje, no entanto, opera por exclusão, pois o capital financeiro, o monetarismo e o desenvolvimento tecnológico trazem um tipo novo de concentração privada da riqueza que dispensa o trabalho e o consumo de massa.

Houve tempos de angústias mais amargas, de grande ferocidade e crueldade. Mas eram ostensivas e provocavam indignação. A apatia e a indiferença hoje reinantes, escreve Forrester, possuem uma causa mais surda e quase inaudível. De fato, “qualquer que tenha sido a história da barbárie ao longo dos séculos, até agora o conjunto dos seres humanos sempre se beneficiou de uma garantia: ele era essencial ao funcionamento do planeta, à produção e à exploração dos instrumentos do lucro […]. Pela primeira vez, a massa humana não é mais necessária materialmente, e menos ainda economicamente, para o pequeno número que detém os poderes”[27].

Depois de haver produzido mercadorias descartáveis, o trabalhador se tornou a última mercadoria descartável.

Horror econômico é, como O direito à preguiça, um brado de alerta para que reajamos ao nosso estupor e tomemos consciência dos eventos nos quais se desenha a História. Lafargue contava com a preguiça para despertar a virilidade virtuosa do proletariado, exaurido pelo dogma do trabalho. É essa mesma virtú (para usarmos o termo de Maquiavel) que Forrester invoca. É preciso, diz ela, que os trabalhadores não tenham medo do medo e não julguem insensato exigir da sociedade “um sentimento áspero, ingrato, de um rigor intratável que recusa qualquer exceção: o respeito”.

Longe, portanto, de ter sido superado pelos acontecimentos, é o direito à preguiça que, numa sociedade que já não precisa da exploração mortal da força de trabalho, pode resgatar a dignidade e o autorrespeito dos trabalhadores quando, em lugar de se sentirem humilhados, ofendidos e culpados pelo desemprego, se erguerem contra os privilégios da apropriação privada da riqueza social e contra a barbárie contemporânea, porque podem conhecê-la por dentro e aboli-la. Lutarão, não mais pelo direito ao trabalho, e sim pela distribuição social da riqueza e pelo direito de fruir de todos os seus bens e prazeres.

Notas

  1. Em grego, ócio se diz scholé, de onde vem nossa palavra “escola”. Para os antigos, só era possível dedicar-se à atividade do conhecimento se não se estivesse escravizado pela obrgação de trabalhar. 
  2. Max Weber, A ética protestante e o espírito do capitalismo, São Paulo: Pioneira, 1967, p. 33. 
  3. Paul Lafargue, O direito à preguiça, São Paulo: Hucitec/Editora Unesp, 1999, p. 77. 
  4. Várias cartas de Laura às irmãs Jenny e Eleanor e de Lafargue a Engels e Marx fazem a crítica da medicina contemporânea, particularmente no tocante às questões de higiene e à proibição de usar amas de leite (quando as mães não tinham condições de amamentar), forçando o uso do leite de vaca em mamadeira. Lafargue atribui a esses dois fatores — higiene e mamadeira — a causa das mortes de seus três filhos e seu desprezo pela medicina. 
  5. Na época, a luta no interior da Internacional está aguçada e surge a expressão “marxista” para referir-se às posições políticas de Marx em antagonismo com as dos proudhonianos franceses, os adeptos italianos de Mazzini, os adeptos espanhóis de Mesa e os anarquistas de Bakunin. Lendo acréscimos que Guesde fizera ao texto do programa do Partido Operário Francês, Marx escreveu uma carta em que apareceu a famosa frase: “se é assim [isto é, se é isso que Guesde julga ser a política marxista], então não sou marxista”. Sobre a Primeira Internacional, ver E. Dolléans, Histoire du mouvement ouvrier, Paris: Armand Colin, 1947-48; G. D. Cole, Socialist thought: marxism and anarchism, 1850-1890, Nova York: St. Martin Press, 1967; P. Thomas, Karl Marx and the anarchists, Londres: Routledge Kegan Paul, 1980; E. Hobsbawn (org.), História do marxismo, vol. I, marxismo no tempo de Marx, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983. Para os documentos dos congressos, ver J. Freymont (org.), La Première Internationale: recueil de documents, Genebra: Droz, 1962-1971 (4 vols.). Para a história do Partido Operário Francês, ver C. Willard, Les guesdites, Paris: Editions Sociales, 1965; J. Guesde, Textes choisis, 1867-1882, Paris: Editions Sociales, 1970; B. H. Moss, The origins of the French labor movement, 1830-1914, Berkeley: University of California Press, 1976; J. Julliard, Autonomie ouvrière. Etudes sur le syndicalisme d’action directe, Paris: Gallimard-Le Seuil, 1988; K. H. Tucker Jr., French revolutionary syndicalism and the public sphere, Cambridge: Cambridge University Press, 1996. 
  6. “O determinismo econômico é um novo utensílio, posto por Marx à disposição dos socialistas para estabelecer um pouco de ordem na desordem dos fatos históricos que historiadores e filósofos foram incapazes de explicar e classificar. […] Marx, fato pouco notado, não apresentou seu método de interpretação histórica num corpo de doutrina com axiomas, teoremas, corolários e lemas. Para ele, ela é apenas um instrumento de pesquisas. Não se pode, portanto, criticá-la senão contestando os resultados que oferece em suas mãos, senão refutando, por exemplo, sua teoria da luta de classes. Evita-se fazê-lo. Os historiadores e filósofos a tomam por obra impura do demônio, precisamente porque ela conduziu Marx à descoberta desse poderoso motor da história.” (P. Lafargue, Le determinisme economique de Karl Marx. Recherches sur l’origine et l’évolution des idées de justice, du bien, de l’âme et de dieu, Paris: Marcel Giard, 1928, pp. 3 e 5). 
  7. Para a biografia de Lafargue, incluindo o momento posterior ao período que aqui nos concerne, ver L. Derfler, Paul Lafargue and the founding of French marxism, 1842-1882, Cambridge: Harvard UniversityPress, 1991, e L. Derfler, Paul Lafargue and the flourishing of French socialism, Cambridge: Harvard University Press, 1998. Há também uma biografia resumida em J. Maitron (org.), Dictionnaire biographique du mouvement ouvrier français, Paris: Editions Ouvrières, t. XIII, pp. 167-170. 
  8. E. Hobsbawn, “A cultura europeia e o marxismo entre o séc. XIX e o séc. XX”, História do marxismo, op. cit., p. 82, observa: “A tradição radical jacobina permaneceu amplamente impermeável à penetração do marxismo, mesmo que (e talvez exatamente por causa disso) seus expoentes mais revolucionários parecessem sempre demasiado propensos a homenagear um grande revolucionário e a se identificar com as causas ligadas a tal nome. Dessa situação singular deriva o fenômeno singular do escasso desenvolvimento que o marxismo teve na França”. Essa observação é muito interessante porque nos ajuda a entender a maneira como, escrevendo sobre Lafargue, J. M. Brohm procura garantir que Marx seja o ancestral direto do Partido Comunista Francês através de Lafargue e Guesde e do Partido Operário Francês, que teria sido o primeiro momento do PCF. Cf. J. M. Brohm, “Préface” a Le droit à la paresse, Paris: Maspéro, 1965. 
  9. Sobre a crítica literária de Lafargue, ver J. Fréville, Paul Lafrague. Critiques littéraires, Paris, Editions Sociales, 1936; C. Willard, “Paul Lafargue, critique littéraire”, in Le mouvement social, n. 58, jan.-mar. 1967, pp. 102-110. 
  10. “Por que os livre-pensadores fazem o processo do cristianismo e acreditam extinta a crença em Deus, base fundamental das religiões, seja qual for seu nome? Supõem que a burguesia, classe a que pertencem, pode prescindir do cristianismo, do qual é uma manifestação evidente? Embora tenha podido adaptar-se a outras formas sociais, o cristianismo é, por excelência, a religião das sociedades que se fundam sobre as bases da propriedade individual e da exploração do trabalho assalariado. Por isso foi, é e será, diga-se o que se disser, a religião da burguesia. […] O mundo econômico proporciona ao burguês insondáveis mistérios que os economistas se resignam a não aprofundar. O capitalista, que graças aos sábios conseguiu dominar as forças naturais, fica pasmado ante o efeito incompreensível das forças econômicas e as considera invencíveis, como o é Deus, e deduz que o mais prudente é suportar com resignação as desgraças que produzem e aceitar as vantagens que ocasionam. Como disse Jó: ‘o Eterno me deu, o Eterno me tirou, bendito seja o nome do Eterno’. As forças econômicas lhe parecem fantásticas, como seres benéficos e maléficos […]. Os antropólogos atribuem a bruxaria, a crença na alma, nos espíritos e em Deus, do homem primitivo, ao seu desconhecimento do mundo natural. A mesma explicação é aplicável ao homem civilizado: suas ideias espiritualistas e sua crença em Deus devem ser atribuídas à sua ignorância do mundo social. […] Os incompreensíveis e insolúveis problemas sociais fazem Deus tão necessário, que o teriam inventado se não houvesse existido”. (P. Lafargue, Por que cree en Dios la burguesía?, Madri: Ediciones Júcar, 1979, pp. 7-8, 23-24. O texto francês original se intitula La religion du capitalisme e foi escrito em 1887). 
  11. Paul Lafargue, O direito à preguiça, op. cit., p. 59. 
  12. Isto é, do período jacobino da Revolução Francesa, a partir de 1793, considerado o período propriamente popular radical da revolução. Se nos lembrarmos da observação de E. Hobsbawn (cf. nota 7) sobre a presença marcante da tradição jacobina nos meios operários franceses, compreende-se que Lafargue se refira a ela ao erguer-se contra a passividade do proletariado francês. 
  13. Paul Lafargue, O direito à preguiça, op. cit., p. 71. 
  14. E. de La Boétie, Discurso da servidão voluntária, São Paulo: Brasiliense, 1982, pp. 78-79. 
  15. Os grandes retóricos latinos, particularmente Cícero e Quintiliano, estabelecem que um discurso deve ser construído tendo cinco partes: exórdio, invenção, exposição, amplificação e peroração. No exórdio, o orador deve apresentar seu tema de maneira a provocar uma reação emotiva no ouvinte (espanto, medo, cólera, admiração, indignação etc.); na invenção, o orador deve apresentar os fatos que serão examinados por ele, devendo despertar no ouvinte a atenção; na narração ou exposição, o orador deve contar aos ouvintes o sucedido e apresentar a defesa ou o ataque dos envolvidos no que está sendo narrado; na amplificação, o orador deve encontrar vários exemplos, tirados de outros fatos e de outros acontecimentos diversos daquele que está sendo narrado e que confirmem, positiva ou negativamente, o que foi exposto; na peroração, o orador convida os ouvintes a compartilhar com ele as opiniões e a posição a respeito do que foi exposto. Lafargue segue essas regras na composição de seu discurso. Na língua portuguesa, o exemplo clássico do uso perfeito da retórica encontra-se nos Sermões, do padre Vieira. 
  16. Na pregação aos discípulos, Jesus lhes disse: “Por isso vos digo: Não vos preocupeis com a vida, quanto ao que haveis de comer, nem com o corpo, quanto ao que haveis de vestir. Pois a vida é mais do que o alimento e o corpo mais do que a roupa. Olhai os corvos; eles não semeiam nem colhem, não têm celeiro nem depósito; mas Deus os alimenta […]. Olhai os lírios do campo, como não fiam e não tecem. Contudo, eu vos asseguro que nem Salomão, com todo seu esplendor, se vestiu como urn deles”. (Lucas, 1222-27). Na verdade, a pregação de Jesus visa convencer os discípulos a se entregar à Providência divina, mas Lafargue emprega o texto evangélico para obter uma imagem contrária à religião cristã do trabalho. 
  17. Embora essa obra de Marx só tivesse sido publicada no século XX, é perfeitamente possível supor que, em conversas com o sogro, Lafargue conhecesse suas primeiras ideias sobre a alienação do trabalho. 
  18. As palavras “alienação” e “alienado” são derivadas de um pronome da língua latina, alienus, aliena, alienum, que significa “outro, outra” no sentido de “alheio, alheia”. Quando se diz que um doente mental é um alienado, o que se quer dizer é: 1) ou que ele se tornou um outro para si mesmo, tornou-se alheio a si mesmo, não se reconhece tal como é, mas se imagina como um outro (por exemplo, aquele que imagina que é Cristo, Napoleão, Hitler etc.); 2) ou que ele imagina a existência de um outro superpoderoso ou uma existência alheia à sua que pode dominá-lo, forçá-lo a fazer o que não quer, matá-lo etc. A paranoia é um dos casos clínicos da primeira forma da alienação, e a esquizofrenia é um dos casos clínicos da segunda. Não será por acaso que Lafargue se referirá à “paixão pelo trabalho” como um caso de loucura. O trabalho de que ele fala é o trabalho alienado. 
  19. Por “luta de classes” não devemos entender, como quer a classe dominante, a “luta da classe”, isto é, as ações do proletariado contra a burguesia. O plural “classes” é essencial: a luta se realiza com as ações cotidianas da burguesia para conservar a exploração e a dominação do proletariado, bem como nas ações cotidianas do proletariado aceitando ou recusando a ação burguesa. A luta de classes é a forma da relação social numa sociedade dividida em classes e, por isso, se realiza tanto na calma rotineira do cotidiano, nas legislações trabalhistas, nas eleições, como nas ações espetaculares das greves, revoltas e revoluções e nas medidas repressivas (policiais e militares) da burguesia. 
  20. Herbert Marcuse, Razão e revolução: Hegel e o advento da teoria social, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978, pp. 254-255. Observe-se, na citação do texto de Marx, que este emprega a palavra “alheia” para indicar o tornar-se um “outro” que o trabalhador. 
  21. Lafargue se refere, evidentemente, aos serviços usados pela burguesia durante o século XIX. Há serviços que desapareceram e há inúmeros outros que apareceram. Independentemente da enumeração, o importante é seu sentido: a criação de um verdadeiro exército de servidores e de uma quantidade absurda de serviços fúteis e supérfluos, necessários ao superconsumo burguês. 
  22. E isto antes do surgimento dos descartáveis e dos produtos ditos populares para as chamadas classes D e E! 
  23. Herbert Marcuse, A ideologia da sociedade industrial, Rio de Janeiro: Zahar, 1967, p. 30. 
  24. A esse respeito, ver Harry Braverman, Trabalho e capital monopolista: A degradação do trabalho no século xx, Rio de Janeiro: Zahar, 1977. 
  25. Viviane Forrester, O horror econômico, São Paulo: Editora Unesp, 1997. 
  26. Basta acompanharmos o que vem acontecendo, no Brasil, com a empresa automobilística Ford, que, depois de recusar as condições impostas pelo governo estadual do Rio do Grande Sul, obteve do governo brasileiro todo tipo de isenção para instalar-se na Bahia e, gradualmente, fechar suas portas em São Paulo. Tão logo outro país ofereça melhores condições de lucro, ela se deslocará, deixando um rastro de desemprego pelo Brasil. 
  27. Viviane Forester, op. cit., p. 49. 

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