2005

Telejornalismo: a década do jornal da tranquilidade

por Elizabeth Carvalho

Resumo

No último dia do ano de 1970, aos 17 anos de idade, morria o Repórter Esso,primeiro grande telejornal que o Brasil conheceu. Oito anos antes, o estilo pobre, formal e pouco informativo do Repórter Esso havia sofrido um golpe com o Jornal de Vanguarda, que entrou no ar em 1962, às 10 horas da noite. O  telejornalismo passava por uma revolução tecnológica que iria decretar a sentença de morte do estilo Repórter Esso e o nascimento do Jornal Nacional, na noite 1° de setembro de 1969.

Cid Moreira, o locutor-mestre do Jornal Nacional, porta-voz impecável, era parte de um projeto que caracterizava o novo estilo de telejornalismo da década de 70. Cobria um fantástico volume de assuntos no espaço de meia hora e isso implicava na fragmentação da informação. Havia também um padrão estético a respeitar: a pobreza não devia ser mostrada com muito realismo. No Jornal Nacional, o povo era bonito e bem alimentado. O otimismo, a ideia de um Brasil Grande era a imagem que o principal telejornal do país deveria alimentar. O esvaziamento progressivo de informações do Jornal Nacional estava diretamente relacionado ao recrudescimento da censura oficial imposta à televisão, especialmente a partir de 1973, durante o governo Médici.

O telejornalismo da Globo fez escola. Impôs um novo padrão estético ao noticiário e uma nova forma de apresentação da notícia. As demais emissoras, na ânsia de reconquistar um público que maciçamente transferiu sua preferência para a programação global, cairiam fatalmente na cópia. Entretanto, osonho de um telejornalismo diário dinâmico e inteligente que se diferenciasse das linhas do jornalismo global não esteve, contudo, afastado da década de 70. Ele se concretizou pela primeira vez em São Paulo, na TV Cultura local. Era um jornal pobre de recursos mas combativo, radicalmente liberto dos chamadosfaits-diversque pontilhavam a cobertura dos informativos de televisão, provando o que, na época, parecia impossível: que um bom telejornalismo é capaz de levantar os índices de audiência de uma emissora.

Em 1974, o velho Titulares da Notícia da TV Bandeirantes ganhava um terceiro diretor e uma nova feição. Sem o aparato formal que, na Rede Globo, ocultava na verdade o esvaziamento do conteúdo de seus telejornais, o telejornalismo pós-74 da Bandeirantes levou os repórteres para o estúdio, com uma participação mais personalizada, mais em nível de diálogo. O telejornalismo da Bandeirantes começou a decair quando o sonho de grande rede entrou nos projetos da emissora levando a estação a um grande endividamento, e à fatal necessidade de recorrer aos favores estatais para sua expansão. Nesse momento, o telejornalismo da Bandeirantes ficou proibido de falar de qualquer problema relacionado com a vida urbana que ferisse os interesses do Estado.

Em janeiro de 1978, depois de quase três meses de negociações, a Rede Tupi, com o patrocínio da Caixa Econômica Federal, lançou o Grande jornal. Mas fortes pressões por parte da conservadora direção acabaram gerando mais uma crise. Resta apenas ao semanal Abertura, dirigido no Rio de Janeiro por Fernando Barbosa Lima, o papel de conceder, ainda que da forma mais superficial possível, um pouco de dignidade a um telejornalismo que mal consegue acompanhar o processo de redemocratização do país.


Sinto-me feliz, todas as noites, quando ligo a televisão para assistir ao jornal. Enquanto as notícias dão conta de greves, agitações, atentados e conflitos em várias partes do mundo, o Brasil marcha em paz, rumo ao desenvolvimento. É como se eu tomasse um tranquilizante, após um dia de trabalho. (Presidente Emílio Garrastazu Médici, 22/3/1973)

A FORMAÇÃO DE UM NOVO PADRÃO

— Boa noite, senhoras e senhores. Aqui fala o Repórter Esso, o porta-voz telerradiofônico dos revendedores Esso. Pela última vez.

Os tambores e clarins do prefixo que, mesmo não sendo brasileiro, havia se tornado uma espécie de marca nacional das oito horas da noite silenciaram exatamente no último dia do ano de 1970. Aos 17 anos de idade, morria o primeiro grande jornal que o Brasil conheceu através do vídeo de um televisor. O velho porta-voz dos revendedores Esso (fruto de uma época em que o patrocínio na TV se fazia de uma forma direta e ostensiva) chegava ao fim quase exatamente no mesmo estilo em que começou —15 a 20 minutos de programa em que as notícias lidas ao vivo pelo locutor ocupavam um espaço bem maior que os pequenos e irrelevantes filmes de assuntos locais ou as velhas fotos de arquivo.

Foi uma morte lenta e gradativa. Oito anos antes, o estilo pobre, formal e pouco informativo do Repórter Esso havia sofrido um vigoroso golpe com o Jornal de Vanguarda, que entrou no ar em 1962, às 10 horas da noite, pela estação da TV Excelsior. Criado por Fernando Barbosa Lima, com um similar em São Paulo que se chamava Show de Notícias, o Jornal de Vanguarda rompeu com a linguagem tradicional, introduziu no estúdio vários locutores e comentaristas especializados, e acrescentou ao anódino telejornalismo brasileiro um enfoque inédito na informação: o humor dos bonecos de Borjalo, que se movimentavam à presença do velho cronista carioca Stanislaw Ponte Preta. Mas o Jornal de Vanguarda não sobreviveria à tempestade daqueles anos. Se conseguiu se equilibrar com dificuldades depois do golpe de 64, acabaria sucumbindo ao Ato Institucional n° 5. O país ingressava numa era de controle total dos meios de comunicação pelo aparelho repressivo do Estado. Paradoxalmente, o telejornalismo passava por uma revolução tecnológica que iria decretar a sentença de morte do estilo Repórter Esso. Estava nascendo o Jornal Nacional.

– O Jornal Nacional da Rede Globo, um serviço de notícias integrando um Brasil novo, inaugura-se neste momento.

Na noite de 1° de setembro de 1969 a cadeia nacional se formava pela primeira vez. O locutor Hilton Gomes anunciava solenemente a manchete do novo Brasil: o presidente Costa e Silva estava se recuperando de uma crise circulatória, e o governo fora entregue aos ministros Augusto Rademaker, da Marinha, Aurélio Lira Tavares, do Exército, e Márcio de Souza Melo, da Aeronáutica. A integração pela notícia coincidia com o endurecimento do regime.

Dez anos depois destes primeiros movimentos de uma revolução tecnológica aliada à mais rigorosa censura à informação, o telejornalismo da Globo atuava com uma média de três horas na programação, cobrindo 23 estações – cinco da rede e 18 afiliadas – e uma equipe de aproximadamente 650 profissionais no Rio, em São Paulo, Belo Horizonte, Recife e Brasília. Metade de seu equipamento já era eletrônico. Tinha dois escritórios internacionais – em Londres, cobrindo a Europa e a África, e em Nova York, encarregado dos Estados Unidos, América Central e parte da Ásia. Mas permanecia um jornalismo descompassado com os tempos de abertura que marcavam a chegada dos anos 80.

Os dez anos do Jornal Nacional foram comemorados nas páginas de O Globo com uma entrevista de sua maior estrela, Cid Moreira, o locutor-mestre (a expressão âncora ainda não havia sido adotada): “As pessoas me olham na rua e dizem: ‘Olha lá o Jornal Nacional’, revelava. A imagem do locutor-mestre estava indelevelmente ligada ao Jornal Nacional, um homem especialmente trabalhado para dar “credibilidade à notícia”, tal como credibilidade era entendida pelo novo padrão global: risonho, bem vestido, bem apessoado, segundo um estereotipado padrão de beleza, digno de confiança, que respeitosamente entrava todas as noites de terno e gravata em 90% dos lares brasileiros. O diretor de jornalismo Armando Nogueira, o maestro que atravessou a década na regência de toda a parafernália eletrônica de um jornal estrategicamente espremido entre duas novelas de grande audiência, era um intransigente defensor desta linha de locução. “Até prova em contrário, a mímica, a expressão corporal, a utilização do corpo na leitura de uma notícia representa uma adjetivação que pode ser interpretada como uma indução do telespectador a uma posição”, dizia Armando. “Nós achamos que interferir com uma interpretação seria uma deslealdade. O nosso objetivo é uma posição isenta, tanto quanto possível, sobretudo nas matérias polêmicas”.

Cid Moreira, porta-voz impecável, era parte de um projeto que caracterizava o novo estilo de telejornalismo da década de 70. Cobria um fantástico volume de assuntos no espaço de meia hora e isso implicava na fragmentação da informação. Um depoimento de 40 segundos no ar era considerado extremamente longo. Os jornalistas da Globo sempre padeciam da angústia de muitas vezes ter em mãos uma entrevista importante, de boa qualidade, difícil de ser editada porque o entrevistado levava muito tempo para fazer uma pontuação onde o corte pudesse ser efetuado. Havia também um padrão estético a respeitar: a pobreza não devia ser mostrada com muito realismo; pessoas com ar miserável não deviam ser mostradas pelas câmeras. No Jornal Nacional, o povo era bonito e bem alimentado. O otimismo, a ideia de um Brasil Grande e decididamente unificado, riscado da lista dos países subdesenvolvidos e agora encabeçando, graças ao “milagre brasileiro”, o bloco dos intermediários, quase roçando o desenvolvimento – esta era a imagem que o principal telejornal do país deveria alimentar.

Com a chegada da cor na TV, o telejornalismo fortaleceu as dimensões de grande espetáculo. Nasceu o dominical Fantástico. A qualidade da imagem passou a representar um dado importante no critério de seleção do noticiário e também no tempo de duração da matéria: privilegiava-se o filme de bom contraste, belas cores, foco perfeito como critério de tempo de edição da reportagem. A informação muitas vezes era comprometida por um código de tabus da empresa, deixando uma estreita margem de movimento para o profissional, já oprimido pela censura oficial.

A informação chegava ao público depois de um processo penoso de “diluição”. A significativa vitória do MDB, então único partido de oposição, nas eleições de 1974 foi revelada com o máximo de descrição: ao longo da apuração, o locutor abria a cabeça da notícia (o primeiro parágrafo, no jargão telejornalístico) com uma inexpressiva vantagem da Arena, o partido situacionista, em alguma cidadezinha do interior. Isso não apenas minimizava a importância da vitória da oposição, como confundia muitas vezes a avaliação do espectador. A morte do ex-presidente Juscelino Kubitschek mereceu cobertura do Jornal Nacional – mas nenhum texto poderia mencionar que seus direitos políticos haviam sido cassados. Os funerais de Mao Tsé-Tung também foram exibidos, mas a expressão “líder dos chineses” era proibida. A realidade precisava ser recondicionada para chegar a 30 milhões de brasileiros. O grande exercício do telejornalismo consistia em disfarçar a realidade. O Brasil era um país desprovido de emoção.

Naqueles anos, a censura ao jornalismo da TV Globo era feita por telefone. A chefia de reportagem recebia várias ligações por dia que conduziam os rumos da edição que iria ao ar. Do outro lado da linha, uma voz ditava uma determinação que era anotada e imediatamente repassada aos profissionais envolvidos no fechamento. As notícias caíam em cascata.

É proibido divulgar notícias contra autoridades do Paraguai e as autoridades em Ponta Porã- Agente Dario

De acordo com ordem superior, está reiterada a proibição de divulgar manifestações de qualquer natureza em qualquer área do território nacionalAgente Stenio

Fica proibida a divulgação em matéria de qualquer natureza, inclusive tradução e transcrição, referência ou comentário sobre publicação em jornais e revistas estrangeiras de matérias abordando temas ofensivos ao Brasil, suas autoridades e entidadesAgente Benigno

Proibido, até decisão em contrário, qualquer notícia ou nota sobre a chegada ao Brasil do professor Darcy RibeiroAgente Hugo

O esvaziamento progressivo de informações do Jornal Nacional estava diretamente relacionado ao recrudescimento da censura oficial imposta à televisão, especialmente a partir de 1973, durante o governo Médici. Nesse ano, foi criada uma assessoria especial da Polícia Federal, diretamente ligada ao Ministério da Justiça. Dezenas de censores espalhados pelo país se encarregavam de levar às emissoras as determinações do que não poderia ser anunciado.

Entre 1973 e 78, as emissoras cariocas receberam 270 ordens da Censura, quase todas formuladas por telefone. Cerca de 100 destas ordens foram transmitidas durante o ano de 1973; 111 em 1974; em 1975, as relações telefônicas entre Censura e telejornalismo sofreram um sensível distanciamento, tendo o número de vetos caído para 17; em 1976 foram apenas 7; 21 em 1977; 14 em 1978; e, em 1979, não se tem notícia de nenhum índex circulando pelas redações dos telejornais. Muitas vezes, os jornalistas tomavam conhecimento da notícia ao receber a proibição, tão grande era a dificuldade de acesso à informação. Outras vezes, as ordens dos censores beiravam o absurdo. Entre os 270 vetos computados neste período no Rio de Janeiro, figuraram proibições de menção ao sequestro do filho de um anônimo “Rei do Angu”, de notícias sobre a corrida de nudistas(streaking) no Brasil e no exterior, qualquer notícia que orientasse o consumidor para o uso da carne verde em detrimento da carne congelada, e — suprema contradição — uma entrevista concedida pelo próprio ministro da Saúde sobre meningite.

Mas havia horários em que as amarras ficavam mais frouxas. Ao meio-dia, quando o índice de aparelhos desligados era elevado, o Jornal Hoje, dedicado em grande parte à divulgação de acontecimentos na área cultural, pôde realizar com criatividade um trabalho inédito de pesquisa visual e debates normalmente rejeitados no vídeo. Foi talvez o único informativo da emissora a explorar, com inteligência, as infinitas possibilidades que a tecnologia televisiva oferecia, sem descuidar do conteúdo de seu material. Era, no entanto, às 11 da noite, quando pesquisas do Ibope indicavam um público mais reduzido e seleto, que os jornalistas da Globo conseguiam enxertar informações riscadas dos scripts às 8 da noite. Nesse horário, foram feitas inúmeras tentativas de contornar a insipiência do informativo dos 30 milhões de telespectadores. O Jornal Internacional, que foi ao ar em 1972 sob a liderança de Heron Domingues, que dividia um espaço com o folclórico colunista social Ibrahim Sued, foi durante muito tempo considerado o melhor telejornal da emissora.

Mas a linha do investimento na forma em detrimento do conteúdo substituiu a sobriedade do Jornal Internacional por um aparato acrilicoso que cercava o locutor Sergio Chapelin no telejornal Amanhã. Quando os ventos da Abertura começaram a soprar com mais frequência, o Amanhã cedeu lugar ao Painel, que, em 1977, chegava a oferecer entrevistas mais generosas, a exemplo do que já vinha acontecendo há algum tempo em outras emissoras. O Painel foi este ano substituído pelo Jornal da Globo, que conta com a inovação de comentaristas no estúdio, dando uma ênfase maior à palavra cassada da televisão ao longo de todos esses anos.

O grande marco das 11 da noite foi o nascimento do Globo repórter, originário da série Globo Shell, que ia ao ar às sextas-feiras. Único programa da emissora ainda hoje produzido exclusivamente com material cinematográfico, do som direto às moviolas de montagem, e reunindo em sua equipe grandes nomes do cinema brasileiro, como Walter Lima Jr. e Eduardo Coutinho — o Globo repórter teve o mérito de fazer passar, de uma maneira mais candente, informações boicotadas pelos demais telejornais. “O documentário de televisão é fundamentalmente jornalístico e acontece como uma decorrência da necessidade que tem o telespectador de saber mais a respeito do que é informado pelos telejornais”, dizia Paulo Gil Soares, diretor do programa.

Nem sempre. Há seis anos transferido para o horário nobre das terças-feiras, o Globo repórter muitas vezes abriu mão da necessidade de informar em função da conquista de audiência e da própria censura imposta aos programas das 9 da noite. Os documentários produzidos no Brasil cederam lugar aos enlatados, apresentando sob o rótulo de Globo repórter — Ciência, Pesquisa ou Documento — um desfile infindável de assuntos pouco relacionados com a meta de aprofundar as informações dos telejornais. A reduzida produção nacional antenada com a realidade do momento foi sempre problemática. Em São Paulo, permanecem engavetados os documentários O dia em que São Paulo pegar fogo, um contundente programa mostrando a precariedade dos prédios da cidade, e Poluição em Cubatão, a mais grave e venenosa de toda a América do Sul. A abolição da censura federal ao telejornalismo não conseguiu devolver ao Globo repórter sua aproximação com o real, com o cotidiano da vida do brasileiro. Nos tensos dias de maio de 1978, a equipe paulista do programa preparou o mais completo documentário retratando a greve dos metalúrgicos de Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano, o ABC de São Paulo. Apesar de aprovado pela direção do Rio, o documentário não foi ao ar. Foi vetado pelo próprio diretor das empresas Globo, Roberto Marinho, que hoje comanda pessoalmente as operações de censura da emissora. Os repórteres envolvidos na cobertura viram-se envolvidos num clima de grande tensão. “Foi muito duro”, revelou um deles. “Depois que as primeiras matérias sobre a greve foram para o ar pelo Jornal Nacional, fortalecendo a posição patronal, a gente quase não conseguia mais prosseguir na cobertura. Tínhamos que esconder o logotipo da Globo. Se não, o pessoal baixava o cacete.”

Dez anos depois da primeira emissão do Jornal Nacional em cadeia para o país, o telejornalismo global, ainda sem concorrentes pela própria estrutura precária das demais emissoras, não consegue conciliar os tempos liberais com o conservadorismo da cúpula da emissora. Se é possível reconhecer avanços sensíveis em outros setores da programação, como nas novelas, no humorismo e nos recentes seriados nacionais, no jornalismo eles são extremamente suaves, quase imperceptíveis. Neste final dos anos 70, uma evidência começa a surgir através da manipulação da notícia pelo mais poderoso canal de comunicação brasileiro: a ideologia da Globo está mais à direita que o próprio governo, e seu telejornalismo ainda mais distante dos reais problemas do povo.

Durante esses anos, o comando do jornalismo da Rede Globo de Televisão esteve a cargo de Armando Nogueira. É dele o depoimento a seguir:

O telejornalismo se beneficiou frontalmente desta década. Eu assinalo dois fatos muito importantes, duas revoluções fundamentais diretamente ligadas ao desenvolvimento do nosso trabalho: uma tecnológica, no plano da engenharia eletrônica, e a do aumento dos satélites de comunicação, que quase mesmo se vulgarizaram, aumentando o poder de informação internacional com instantaneidade. Do ponto de vista tecnológico, a miniaturização do equipamento eletrônico permitiu um grande avanço no trabalho de telejornalismo. Na década de 60, todo o arsenal que utilizávamos obedecia a uma linha mastodôntica. As câmaras pesavam 80, 90, 100 quilos, exigiam o tripé, os videoteipes quadrúplex eram máquinas imensas que representavam uma mobilização de 300, 400 mil dólares. Hoje o equipamento é todo portátil e infinitamente mais acessível, porque esta revolução ocasionou também uma vertiginosa queda dos preços. Estamos caminhando para uma época em que a operação do telejornalismo será, fatalmente, 100% eletrônica.

Ao mesmo tempo, esta foi ainda uma década alcançada pelo AI-5. Vivemos sob um regime arbitrário, autoritário que, no período que foi de 1968 a 74 aproximadamente, muitas vezes chegou aos limites do absurdo. O estado-maior da Censura não tinha muitas vezes controle sobre suas tropas. Era uma coisa angustiante. A partir da segunda metade do governo Geisel a liberalização foi sensível, e a partir do governo Figueiredo nós nunca mais recebemos uma ordem da Censura. Quanto à censura interna, toda empresa tem. Nós também temos normas de procedimento que se podem chamar de autocensura. São normas que tenho a impressão de que qualquer censor assinaria, relacionadas, por exemplo, com a cobertura de um sequestro. Um passo em falso dado pela TV pode representar a morte de um sequestrado. Estamos convencidos de que podemos prestar um serviço à coletividade deixando a matéria na gaveta por 24 horas, à espera de a polícia liberar a informação. Isto corresponde a um código de ética que a prática está nos ensinando. É a própria manifestação dos telespectadores que nos leva a pensar e repensar o nosso comportamento na manipulação deste poderoso veículo.

Estivemos durante muito tempo preocupados com a forma do telejornalismo, já que razões políticas nos impediam de pensar o conteúdo. Fomos muito criticados. Pessoalmente, sou contra um jornalismo opinativo. O nosso objetivo é oferecer ao telespectador uma posição isenta, os dois lados da informação, para que ele possa pesar e decidir. Não sou o dono da verdade, mas o meu receio é de que estaremos exercendo um telejornalismo errado se começarmos a adotar posições pré-concebidas. Dentro desta linha, acho que hoje já avançamos um pouco. Estamos lançando analistas da notícia nos telejornais. Não que eles tenham liberdade de opinar, de influir na posição do telespectador. Mas o comentarista pode ter uma posição mais descontraída que o locutor. Depois destes últimos 15 anos, mal tivemos tempo de prepará-los ainda. Mas estamos tentando. Sociedade forte, televisão forte. Sociedade fraca, televisão fraca. Esta é uma equação que a vivência de todos esses anos me ensinou. Estou absolutamente convencido de que não adianta um segmento minoritário da sociedade clamar por uma televisão participante, afirmativa, que reflita a realidade nacional, se a sociedade que a inspira for fraca, não organizada democraticamente. A TV não é um instrumento revolucionário. A TV está a serviço da ideologia vigente.

TV CULTURA – 1972/1975 – UM MODELO DE RESISTÊNCIA

O telejornalismo da Globo fez escola. Impôs um novo padrão estético ao noticiário e uma nova forma de apresentação da notícia, incutiu no telespectador uma forçada ligação entre jornalismo e espetáculo. Formou, também, um razoável contingente de profissionais de jornalismo que, pela primeira vez, se especializava no domínio deste novo e poderoso veículo. As demais emissoras, na ânsia de reconquistar um público que maciçamente transferiu sua preferência para a programação global, cairiam fatalmente na cópia. E, como nenhuma delas jamais conseguiu dispor de condições técnicas capazes de levar ao ar o show telejornalistico iluminado pelo brilho de paetês e nacarados, a cópia era invariavelmente ruim, mal-acabada e pobre.

Mas houve também quem tentasse inovar. Em 1970, portanto um ano após a chegada triunfante do Jornal Nacional aos quatro cantos do país, o diretor do telejornal paulista local Titulares da Notícia, da TV Bandeirantes, anunciava alguns “recursos plásticos” utilizados na apresentação para enfrentar, “com um pouco mais de charme e ironia”, a pobreza de recursos: uma arara no estúdio (a TV Bandeirantes era a única que já trabalhava com câmeras a cores), um pombo-correio trazendo a última notícia, e a dupla caipira Tonico e Tinoco apresentando o noticiário do interior. Outros aparatos cênicos também foram pesquisados na Tupi, que desde a morte do Repórter Esso jamais conseguiu retomar os índices de audiência do telejornalismo. Em 1972, a Rede Nacional de Notícias levava ao ar locutores num cenário que reproduzia uma redação num gigantesco painel fotográfico, suprema ousadia num tempo em que os estúdios não conheciam os efeitos do chroma key. No Rio, a Tupi conseguia acertar pouco tempo depois com o telejornal Perspectiva, que o crítico Artur da Távola considerou um dos marcos do telejornalismo no Brasil. Mas esta, como outras, foi experiência de curta duração.

O sonho de um telejornalismo diário dinâmico e inteligente que se diferenciasse das linhas do jornalismo global não esteve, contudo, afastado da década de 70. Ele se concretizou pela primeira vez em São Paulo, na recém-nascida TV Cultura local. Era um jornal pobre de recursos mas combativo, radicalmente liberto dos chamados faits-divers que pontilhavam a cobertura dos informativos de televisão, provando o que, na época, parecia impossível: que um bom telejornalismo é capaz de levantar os índices de audiência de uma emissora.

“Nossa preocupação foi a de fazer um jornal de informação mesmo, e não com a aparência de informação”, contava o diretor Fernando Pacheco Jordão. “Sem a preocupação de dar 30 fatos do dia. Mas com a ideia de selecionar, dentro de critérios que achávamos relevantes, o que supúnhamos ser a necessidade de informação do público. Há quem diga que a publicidade é a síntese da televisão, que defenda a ideia de que tudo pode ser dito em 20 segundos. Eu acho que em 20 segundos a gente não diz nada.”

Fernando Pacheco Jordão chegou à TV Cultura paulista em março de 70, quase junto com sua fundação, para implantar, com mais dois jornalistas, o semanário Foco da Notícia, uma bem-sucedida experiência que dois anos depois se transformava no diário A Hora da Notícia. Com uma pequena equipe de aproximadamente 30 pessoas, A Hora da Notícia não tinha grandes preocupações com a forma nem obedecia a um padrão específico, mas todos os assuntos que abordava tinham forçosamente uma ligação direta com o telespectador. O homem da rua era convidado a expor seus problemas, as autoridades vinham depois. Líder de audiência na programação da Cultura, A Hora da Notícia favoreceu a criação de um novo telejornal, à 1 hora da tarde. Ainda hoje, algumas de suas melhores reportagens, como A batalha dos transportes, sobre a luta diária do trabalhador no percurso da casa ao trabalho, A escola de 40 mil ruas, sobre menores abandonados, e A Casa de Detenção percorrem escolas no país como filmes de curta-metragem.

A Hora da Notícia valeu-se muito da imparcialidade do primeiro diretor da Fundação Padre Anchieta, José Bonifácio Nogueira, que Fernando Pacheco Jordão classifica de “o último dos liberais”. Em 1974, quando um terceiro homem chegava à chefia da TV Cultura, nomeado pelo então governador Laudo Natel, as pressões contra a linha editorial impressa ao telejornal se tornaram invencíveis. Antonio Guimarães Ferri, o terceiro homem, acabou demitindo Fernando Pacheco Jordão numa seca e rápida conversa no prédio da fundação. “Sua demissão está sendo exigida pelo II Exército”, ele revelou. “Mas, se você revelar isso, eu desminto imediatamente”.

Vladimir Herzog assumiu a direção do telejornalismo da Fundação Padre Anchieta em setembro de 1975. Companheiro de Fernando Pacheco Jordão no curso que fizeram na BBC de Londres por solicitação da própria TV Cultura, apaixonado pelo telejornalismo, Vlado integrava, como secretário de redação, a equipe de A Hora da Notícia, e foi dos que combateram a demissão coletiva proposta por alguns jornalistas da equipe com a saída de Pacheco Jordão. Todos ficaram, mas ainda em 1974, quando Walter Sampaio assumiu a direção, acabaram sendo dispensados aos poucos. Vlado, inclusive. Mas em 1975, já no governo Paulo Egydio, o novo presidente da Fundação, Rui Nogueira Martins, convidava Fernando Pacheco Jordão a devolver à Cultura o jornalismo combativo que morrera com a crise. Fernando indicou para seu lugar Vladimir Herzog.

“Pelo menos um mês demorou a formalização de um contato entre Vlado e a direção da TV Cultura, o tempo que talvez tenha sido gasto nas consultas ao SNI”, escreve Fernando Pacheco Jordão em seu livro O Dossiê Herzog. “Numa entrevista publicada pelo O Estado de S. Paulo no dia 7 de novembro de 1975, após um silêncio absoluto de duas semanas, Egydio descreveu o processo: o nome dele foi submetido às autoridades do Serviço Nacional de Informações e as autoridades aprovaram a ficha. Faltaram alguns dados, que depois foram remetidos novamente ao SNI, e não houve restrições”.

Vladimir Herzog apresentou à TV Cultura um projeto visando à mudança na programação de toda a linha da emissora, cujos pontos básicos foram assim resumidos:

1 — O jornalismo em rádio e TV deve ser declarado como instrumento de diálogo, e não como um monólogo paternalista. Para isso é preciso que espelhe os problemas, as esperanças, tristezas e angústias das pessoas às quais se dirige.

2 — Um telejornal de emissora do governo também pode ser um bom jornal e, para isso, não é preciso “esquecer” que se trata de uma emissora do governo. Basta não adotar uma atitude servil.

3 — Vale a pena partir para uma “jornalistização” da programação da TV-2; mais documentários semanais ou mensais, debates misturados com reportagens, programas-pesquisa.

4 — É preciso dotar o setor de Jornalismo de recursos técnicos, financeiros e profissionais, para que alimente não só um telejornal diário, mas toda uma gama de programas direta ou indiretamente necessitados de trabalhos jornalísticos.

5 — Política de programação que vise a objetivos prioritários, relacionados com a realidade em que vive a porção de público que se pretende atingir em determinado horário e em determinado programa.

“O projeto do Vlado era um projeto inteligente, importante”, avaliou Jorge Bordokan, chefe de reportagem de A Hora da Notícia. “Mas dava menos destaque, por exemplo, às questões trabalhistas, não era tão radical quanto o nosso. O Vlado era, digamos assim, mais criterioso”.

Ao assumir o telejornalismo da Cultura, Vladimir Herzog era o alvo principal de uma campanha de delação promovida pelo jornalista Claudio Marques, diretor do Diário Comércio & Indústria, colunista do jornal dominical Shopping News e dono de dez minutos diários na TV Bandeirantes. Foi ele quem denunciou um documentário da agência Visnews, exibido no jornal por coincidência no dia em que Vlado tomou posse, como um filme que “fazia a apologia do vietcongue”. E completava: “Acho que o pessoal do PC da TV Cultura pensa que isto aqui virou o fio”.

Vladimir Herzog morreu no dia 25 de outubro de 1975, durante uma sessão de torturas no DOI-Codi paulista. Quatro dias mais tarde, o Serviço Nacional de Informações, chefiado na época pelo general João Batista de Figueiredo, divulgava uma nota: “… por que não considerar que, uma vez tendo-lhe sido impossível negar sua ação contra o regime democrático, o jornalista não se suicidou consciente de que a agitação nacional e internacional que se seguiria fosse, talvez, o último grande trabalho que prestaria ao partido?”

Nem mesmo a palavra “nota oficial” pôde constar da transmissão da notícia da morte de Vladimir Herzog nesta mesma noite no Jornal Nacional para uma audiência ainda chocada com os acontecimentos de São Paulo. Os jornalistas foram proibidos de citar a fonte – o SNI. Cid Moreira leu a nota como se fosse um editorial do jornal.

No prefácio de O Dossiê Herzog, o jornalista Rodolfo Konder sintetizou o significado do drama vivido por Vladimir naquela tempestade de 1975. “Além da imensurável tragédia pessoal que representou, a morte do jornalista amigo foi um episódio marcante na evolução do quadro político brasileiro”, ele escreveu. “Hoje, mais de três anos depois, examinada na sempre esclarecedora perspectiva do tempo, ela se revela como um marco decisivo de transição. Representou o papel de elemento catalisador, no momento em que o equilíbrio precário entre grupos da direita e da ultradireita, dentro de um governo de condomínio militar, começava a se desfazer, em favor da direita. Representou a argamassa que uniu as concorrentes oposicionistas, na hora em que os ventos começavam a soprar em outra direção”.

TV BANDEIRANTES – 1974 – NOVA TENTATIVA

Em 1974, o velho Titulares da Notícia da TV Bandeirantes ganhava um terceiro diretor e uma nova feição. Gabriel Romeiro, que fazia parte da equipe de Jornalismo da TV Cultura e fora demitido no chamado passaralho (demissão em massa, no jargão jornalístico) de Walter Sampaio, chegava para assumir a direção a convite de Claudio Petraglia, o diretor artístico da emissora. Petraglia fora quem havia levado Fernando Pacheco Jordão para a Cultura. Agora na Bandeirantes, pensara no seu nome para o telejornalismo, mas a escolha havia sido vetada pelos órgãos de segurança. O país atravessava momentos difíceis; a concentração do poder autoritário gerava situações por vezes ridículas. Ao ser informado secretamente do veto por Claudio Petraglia, Pacheco Jordão procurou descobrir através de seus próprios meios que órgãos de segurança o impediam de exercer sua profissão. Petraglia o chamou de volta: “Eu disse a você que mantivesse segredo”, disse ele. “Agora os órgãos de segurança estão me cobrando o fato de você estar por aí checando os órgãos de segurança.”

Gabriel Romeiro avançou um pouco além na proposta de A Hora da Notícia. Com uma reduzida equipe de três repórteres pela manhã, dois à tarde, quatro editores e um chefe de reportagem, além de oito cinegrafistas, o noticiário da Bandeirantes trouxe de volta ao vídeo o depoimento popular não como mera ilustração, mas capaz de dar, por exemplo, o mesmo destaque ao ministro Mario Henrique Simonsen e à mulher na feira diretamente afetada pela medida que ele anunciava. Sem o aparato formal que, na Rede Globo, ocultava na verdade o esvaziamento do conteúdo de seus telejornais, o telejornalismo pós-74 da Bandeirantes levou os repórteres para o estúdio, com uma participação mais personalizada, mais em nível de diálogo. Não tinham uma dicção perfeita, não passavam pelo maquiador antes de entrar em cena, nem preparavam uma estudada postura frente às câmeras; mas estavam mais próximos à realidade do telespectador, à realidade de suas matérias.

“Na Bandeirantes era razoavelmente simples fazer jornalismo” dizia Gabriel Romeiro. “Pudemos nos valer da ideologia populista da emissora. Lá você jamais ouviria alguém dizer que o povo é feio. Na Bandeirantes o povo era sempre bonito”.

João Saad, o presidente, era genro de Adhemar de Barros. A ideologia populista sempre marcou o tom na Rádio Bandeirantes, que funcionava como uma espécie de braço do adhemarismo. A televisão, fatalmente, seguiria o mesmo caminho. Outro aspecto favorável ao bom telejornalismo que pôde se delinear a partir de 1974 era o caráter regionalista da emissora, com um patrão com autoridade extremamente definida. “Se houvesse pressão”, revelou Gabriel, “era em cima dele, e ele próprio vinha exprimir esta pressão. Não era uma coisa confusa, que você não sabe exatamente para onde vai. Isso facilitou uma série de avanços para um bom trabalho jornalístico”.

O telejornalismo da Bandeirantes começou a decair quando o sonho de grande rede entrou nos projetos da emissora. A compra do Canal 7, no Rio de Janeiro, e outros convênios firmados com emissoras em outros pontos do país levaram a estação a um grande endividamento, e à fatal necessidade de recorrer aos favores estatais para sua expansão. O publicitário Mauro Salles assumira a superintendência das Associadas. Na verdade, havia uma velada insistência no sentido de convencer o governo de que era mais fácil investir numa segunda liderança que já estava pronta (a Tupi) do que numa outra que ainda estava em fase de montagem (a Bandeirantes). Naquele momento, o telejornalismo da Bandeirantes ficou proibido até mesmo de falar de buraco de rua, de qualquer problema relacionado com a vida urbana que ferisse os interesses do Estado.

TV TUP1- 1978/1979 – UMA BREVE RESSURREIÇÃO

Em janeiro de 1978, depois de quase três meses de negociações, a Rede Tupi definiu, através de Mauro Salles, os termos do patrocínio com a Caixa Econômica Federal de seu Grande jornal, que a partir de fevereiro iria ao ar com nova roupagem, novos equipamentos e novos jornalistas, sob o comando de Sergio de Souza. Era um contrato milionário — cerca de Cr$ 1,5 milhão por mês — que deveria garantir o ambicioso objetivo da direção da emissora de fazer “o melhor programa telejomalístico da TV brasileira”. O projeto durou até o dia 15 de março. Numa crise que rapidamente se configurou entre a mentalidade emperrada dos donos da empresa e seus novos funcionários, saíram Sergio de Souza e sua equipe, o superintendente de programação Carlos Augusto de Oliveira e o próprio Mauro Salles. Mais tarde, ele próprio daria uma interpretação para a falência de mais uma tentativa de devolver aos Associados o vigor de décadas passadas: “Eram 90 empresas, 22 donos, problemas terríveis e alguns inviáveis, mas os mais inviáveis é que elas se recusavam a ser administradas pelos valores gerenciais do mundo de hoje, isto é, em comunicação você tem que maximizar esforços, não pode ter 20 rádios e cada uma pensar de um lado, ter 22 televisões e cada uma pensar de um modo diferente”.

Uma nova tentativa foi feita em julho de 1979, quando o novo superintendente de programação, Walter Avancini, chamou Gabriel Romeiro e sua equipe para a reestruturação do emperrado departamento de Jornalismo. O novo Rede Nacional de Notícias contava com dois jornalistas na apresentação, Rui Barbosa e Nilce Tranjan, e representou, ao longo dos três meses em que foi ao ar, um dos mais criativos trabalhos de telejornalismo da década, apesar da pobreza de recursos. Mas fortes pressões por parte da conservadora direção acabaram gerando mais uma crise. Resta apenas ao semanal Abertura, dirigido no Rio de Janeiro por Fernando Barbosa Lima, o papel de conceder, ainda que da forma mais superficial possível, um pouco de dignidade a um telejomalismo que mal consegue acompanhar o processo de redemocratização do país. O veterano Narciso Kalili, que acompanhou na chefia de redação todas essas fracassadas experiências em São Paulo, retirou uma conclusão definitiva da resistência ao longo destes últimos anos:

É o mesmo fenômeno que ocorre nos países subdesenvolvidos, quando a oposição se levanta. Há imediatamente um golpe de Estado. O jornalismo é o único setor da televisão que lida com o real, e o real deste país é dramático. Toda vez que alguém coloca uma posição mais definida, mais aberta, mais perto do real, mais independente e menos comprometida, a crise se instala. É só uma questão de tempo. O que fizemos durante este tempo foi resistir, falando para 1,2% da população, enquanto o aparelho global falava para 88%. 0 que não quer dizer que eles tenham saído vitoriosos. Falsear a realidade não bastou para que a realidade não fosse alterada.

25 anos depois:

A releitura das linhas que escrevi como contribuição para estas reflexões sobre os 70 me conduz de volta a uma breve temporada paulista de minha vida, onde tive o último de meus três filhos (foi, de fato, uma década produtiva e fecunda), vivi o início de uma crise incontornável no meu casamento, fiz amigos preciosos e eternos e sobretudo tive o privilégio de conviver com alguns dos mais inquietos e talentosos profissionais do jornalismo brasileiro. Devo a essa convivência minha opção de incluir na análise da tevê dos 70 um pouco da audácia, da criatividade e do inconformismo que marcaram a trajetória desses valentes profissionais. Da descrição apressada e (devo reconhecer) um tanto tímida e superficial desses anos, me alegra principalmente este pequeno registro de resistência num tempo em que nos recusávamos a acatar, como o cronista e dramaturgo Nelson Rodrigues, a burrice da unanimidade. Que ele ajude a estimular a diferença nesses anos tão pasteurizados do novo milênio.

Dos 70 para cá, a tevê entrou e saiu da minha vida algumas vezes. Especialmente pela porta da TV Globo, a rede nacional por excelência, a que vi nascer nesses anos e expandir sua supremacia e domínio nos anos seguintes; que acabou se transformando no mercado de trabalho possível (certamente o único estável) para os jornalistas de televisão. Voltei a ela no final da década de 80, quando a ditadura chegava ao fim, minha geração pôde votar pela primeira vez para presidente da República e o Brasil elegeu Fernando Collor de Mello. Retornaria outra vez na segunda metade dos 90, a tempo de acompanhar de perto a reeleição de Fernando Henrique Cardoso, e em seguida a vitória de Luiz Inácio da Silva. Enquanto nossa democracia avançava aos tropeços, aprendi a entender melhor a equação que meu ex-chefe e hoje amigo Armando Nogueira nos ensina no último parágrafo de seu depoimento. “Estou absolutamente convencido de que não adianta um segmento minoritário da sociedade clamar por uma televisão participante, afirmativa, que reflita a realidade nacional, se a sociedade que a inspira for fraca, não organizada democraticamente”, nos revela Armando. “A tevê não é um instrumento revolucionário. A tevê está a serviço da ideologia vigente”.

Neste julho de 2004 ainda me encontro lá, responsável por um programa de entrevistas na Globonews, um canal a cabo impensável para todos nós naqueles anos 70. Na avalanche tecnológica que se abateu sobre o mundo e impôs ao tempo uma velocidade progressivamente meteórica, o chamado império global ingressou na era digital e a fibra ótica abriu as portas de um mundo que se dividiu em tevê aberta e tevê por assinatura, direcionadas para um público que acabou se segmentando de acordo com a classe social. Se a tevê democratizou os meios de comunicação, o Brasil continuou espantosamente desigual.

O sociólogo Francisco de Oliveira me chamou a atenção para um dado recente e desconcertante dos tempos em que vivemos, que é a complexidade da nossa pobreza. Achávamos que o acesso dos menos favorecidos à informação e aos avanços tecnológicos significaria uma sociedade mais igualitária. A tevê que se expandiu pelos lares brasileiros nos anos 70 acabou mostrando que não. Mas esta é uma outra história, à espera de um novo registro, uma nova reflexão.

/comentário de Elizabeth Carvalho /

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